Acórdão nº 04B1938 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução14 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, em 2 de Maio de 2001, no Tribunal Judicial de Cantanhede, acção com processo ordinário contra "B - Comércio de Vinhos, L.da", peticionando a anulação da denominação social da ré.

Alegou, para tanto, em síntese, que: - É titular do registo de marca n° 252 445 (B), requerido em 10/01/1989 e concedido em 25/05/1995, destinado a vinhos.

- À ré foi concedido o certificado de admissibilidade de denominação social pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas em 05/11/1991, tendo a ré sido constituída em 21/04/1992 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cantanhede em 28/04/1992.

- A denominação social da ré e a marca da autora são, pela sua semelhança, susceptíveis de confusão ou erro, já que o termo B, que constitui a marca da autora é o elemento característico da denominação social da ré.

- A semelhança existente entre a denominação social (posterior) da ré e a marca da autora é tal que o público é facilmente induzido em erro quanto à respectiva titularidade, tanto mais que a autora e a ré exercem a mesma actividade: comércio de vinhos provenientes da mesma região, têm a sede na mesma localidade e o mesmo âmbito territorial.

- A lei submete a marca e a denominação social ao princípio da novidade ou exclusividade, do qual decorre a necessidade de distinção e inconfundibilidade, não só com outras marcas e denominações, mas também com os demais sinais distintivos do comércio.

- O Dec.lei n° 42/89, de 3 de Fevereiro, consagra o referido princípio da exclusividade da firma e confere especial significado à existência de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a respectiva titularidade.

- Tal diploma estabelece que o direito à exclusividade da firma ou denominação social só se constitui após o seu registo definitivo, o que não obsta, porém, à possibilidade de declaração de nulidade, anulação ou revogação do direito ao uso da firma ou denominação social por sentença judicial, estabelecendo, por outro lado, o n° 3 do art. 5° do Código da Propriedade Industrial que os registos de marca constituem fundamento de recusa ou anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo.

Citada, contestou a ré, excepcionando com a caducidade do pedido de anulação da denominação social. Por impugnação, sustentou a improcedência da acção, porquanto foi a "Sociedade C", com sede na Quinta da Torre, em Coimbra, que criou e começou a usar a expressão B em Portugal para vinhos, e quem primeiro pediu o registo da aludida expressão, que tomou o n° 233.455, tendo, depois, a ré adquirido os direitos resultantes do referido pedido de registo, por meio de arrematação pública, em 31/05/1993, pela qual pagou 610.000$00.

Deduziu ainda reconvenção, pedindo que se declare a anulação da marca n° 252 445 - B - da autora e se proíba, em conformidade, a utilização por ela da mesma marca.

A autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela ré e pela inadmissibilidade da reconvenção, ou, de qualquer modo, pela respectiva improcedência.

Foi, em seguida, proferido despacho saneador que admitiu liminarmente a reconvenção e julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré. Conhecendo do mérito da causa, julgou a acção procedente e improcedente o pedido reconvencional.

Inconformada, apelou a ré, sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 9 de Dezembro de 2003, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Interpôs, então, a ré recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão impugnado, de forma a ser mantida a denominação social da recorrente "B - Comércio de Vinhos, L.da".

Em contra-alegações pugna a recorrida pela confirmação do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações da revista formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. A denominação social da recorrente foi requerida junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em 29 de Outubro de 1991, tendo-lhe sido concedida a sua actual denominação social, em 5 de Novembro de 1991. A recorrente constituiu-se em 21 de Abril de 1992, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Cantanhede, e esta constituição foi apresentada a registo junto da competente Conservatória do Registo Comercial de Cantanhede, em 28 de Abril de 1992.

  1. A recorrente tem usado ininterruptamente a sua denominação social, desde 1992.

  2. A recorrida apresentou a acção sub judice no dia 2 de Março de 2001, razão porque, nesta data, já se encontrava precludido qualquer hipotético direito à anulação do direito da recorrente à sua denominação social, de que a recorrida tivesse sido hipotética titular (artigo 215º do CPI de 1995, aplicável às denominações sociais).

  3. E não se alegue a má fé da ora recorrente, porquanto só o registo definitivo da marca da ora recorrida leva ao conhecimento de terceiros o seu direito e esse registo definitivo data de 25 de Maio de 1995.

  4. A recorrente foi constituída, antes da data de concessão da marca da recorrida, e adquiriu, em 31 de Maio de 1993, da Sociedade C, a marca nacional número 233 455 B, como tal antes do referido dia 25 de Maio de 1995.

  5. De facto, a segurança e a certeza jurídica, bem como o regular desenvolvimento de um mercado concorrencial implicam, necessariamente, que um sinal distintivo - um direito - ao cristalizar-se de boa fé no mercado por mais de cinco anos não possa vir a ser posto em causa, decorrido esse prazo de cinco anos.

  6. Este princípio, válido entre marcas - o sinal distintivo por excelência - deve também ser válido entre uma marca e outro sinal distintivo, como a denominação social (vide Parecer do Professor Carlos Olavo, a pags. 23 e segs.).

  7. A questão da preclusão do direito à anulação da denominação social da recorrente foi, aliás e ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, levantada pela recorrente na sua contestação (artigos 1º a 7º), não lhe tendo sido, é certo, dada a correcta configuração jurídica.

  8. No entanto, às partes só compete alegar factos. É função do juiz a configuração jurídica dos factos (artigo 664º do Código de Processo Civil).

  9. Além disso, como estão em causa princípios de defesa da ordem e interesse público, esta matéria - a da preclusão do direito da ora recorrida à anulação da denominação social da recorrente - não está na disponibilidade das partes, sendo, sempre por isso, do conhecimento oficioso do tribunal.

  10. Quem criou e começou a usar em meados de 1986 a expressão B para vinhos foi a Sociedade C, com sede na Quinta da Torre, em Coimbra, próximo de Cantanhede.

  11. Foi ainda a mesma Sociedade C que primeiro pediu junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da expressão B, como marca para vinhos, designadamente para assinalar "vinhos da região demarcada da Bairrada".

  12. A recorrente adquiriu de boa fé os direitos resultantes do referido pedido de registo (nº 233 455 B) à Sociedade C, por meio de arrematação pública em 31 de Maio de 1993.

  13. O pedido de registo adquirido pela recorrente, relativo à marca nacional 233 455 B foi apresentado em 5 de Fevereiro de 1986, enquanto o pedido de registo da ora recorrida, relativo à marca nacional 252 445 B, foi apresentado mais tarde, apenas em 10 de Janeiro de 1989.

  14. Aquando do registo definitivo da ora recorrente em 1992, existiam duas expectativas de aquisição do direito ao uso da expressão B, sendo a da recorrente anterior à da recorrida, porquanto remonta a 5 de Fevereiro de 1986.

  15. Além disso, para o juízo sobre a susceptibilidade de confusão ou erro entre as denominações sociais e os demais sinais distintivos, a lei aplicável na altura da concessão da denominação social da ora recorrente exigia que os sinais em presença estivessem definitivamente constituídos, não bastando a mera pendência de pedidos de sinais distintivos (art. 2º, nº 5, do Dec.lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro).

  16. Ora, houve uma clara e inequívoca alteração legislativa: os pedidos de registo de marca que relevavam, no âmbito do Dec.lei nº 425/83, de 6 de Dezembro, para efeitos de recusa de denominação social ou firma, deixam de ser relevantes, para o mesmo efeito, nos termos do Dec.lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro, só relevando o registo efectivamente concedido.

  17. No mesmo sentido dispõem as normas dos arts. 74º e 146º do CPI de 1940: somente com o registo, o titular de uma marca gozará do direito ao exclusivo de utilização da mesma.

  18. Ainda no mesmo sentido, o Ac. STJ de 22 de Julho de 1986, in BMJ nº 359, pag. 751: no período entre o momento em que é pedido o registo da marca e aquele em que ele é concedido, o mesmo pedido não confere àquele que primeiro requereu o registo, o direito de impedir que outro igualmente o use.

  19. Aquando do registo definitivo da ora recorrente, em 1992, não existia qualquer direito privativo registado que devesse ser considerado, pelo que a utilização da expressão B na composição da firma da recorrente não viola qualquer direito da recorrida, a cuja marca só foi concedido o registo definitivo em 25 de Maio de 1995.

  20. Se a lei desse relevância a simples pedidos de registo de marca, seria ao pedido de registo da marca nacional 233 455 B apresentado pela Sociedade C, o qual foi o primeiro a ser apresentado, e que à...

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