Acórdão nº 04B4579 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e B intentaram, na 9ª Vara Cível do Tribunal de Lisboa, contra C, D e "Farmácia E" acção declarativa de preferência, com processo ordinário, pedindo que eles próprios se substituam à 3ª ré na posição de adquirente do estabelecimento de farmácia E aos demais réus.

Alegam, para tanto, que são proprietários do prédio urbano onde o primeiro réu tem, de há muito, instalada uma farmácia, sendo que, por cartas de Junho e Julho de 2001, os réus comunicaram ter celebrado um acordo de trespasse tendo por objecto o referido estabelecimento, para a "Farmácia E" (que tem como único sócio o primeiro réu).

Têm, assim, os autores direito de preferência nesse negócio, por força do disposto no art. 116°, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano.

Contestaram os réus, pugnando pela improcedência da acção por entenderem que o art. 116°, nº 1, do RAU, não é aplicável à situação em causa, porquanto não revogou as limitações previstas pela Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965 e pelo Dec.lei nº 48547, de 27 de Agosto de 1968, das quais decorre que só pode ser proprietário de farmácia quem for licenciado em ciências farmacêuticas.

Peticionaram, ainda, os réus a condenação em multa e indemnização dos autores e seu mandatário, como litigantes de má fé, por uso manifestamente reprovável do processo, procurando obter um objectivo ilegal.

No despacho saneador, considerando-se o M.mo Juiz habilitado a conhecer do mérito da causa, proferiu decisão em que julgou a acção, improcedente, por não provada, absolvendo os réus do pedido e considerou improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pelos réus.

Dessa decisão apelaram os autores e os réus (estes quanto à questão da litigância de má fé) sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 22 de Abril de 2004 (aliás elaborado por remissão) julgou improcedentes os recursos, confirmando a decisão recorrida.

Interpuseram, desta feita, os autores recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que julgue procedente a acção de preferência.

Em contra-alegações defendem os réus a bondade do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir.

Formularam os recorrentes nas alegações do recurso as conclusões que se resumem (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684, n. 3, do C.Proc.Civil): 1. Está em causa a questão de saber se um senhorio não farmacêutico pode validamente exercer o direito legal de preferência conferido pelo art. 116°, n° 1, do RAU, em caso de trespasse do estabelecimento de farmácia.

  1. A resposta do saneador-sentença recorrido - cuja fundamentação foi acolhida pela Relação - foi no sentido da impossibilidade legal do exercício dessa preferência, atento o disposto na legislação específica sobre Propriedade das Farmácias e Exercício da Actividade Farmacêutica.

  2. Todavia, a legislação portuguesa sobre arrendamento não criou qualquer regime específico, nomeadamente no que toca ao despejo para ampliação do edifício e aumento do número de inquilinos, para o caso dos estabelecimentos comerciais de farmácia.

  3. O sentido da atribuição de um direito legal de preferência aos senhorios, em caso de trespasse, foi o de possibilitar - quanto aos arrendamentos de pretérito, sobretudo a partir da admissão dos contratos de arrendamento comercial a prazo em 1995 - ao senhorio recuperar o bem que a ordem jurídica lhe atribuiu em primeira linha e à sociedade civil pôr um travão nas simulações ocorridas no trespasse, por assumirem foros de escândalo, funcionando tal reintrodução desse direito como um factor de equilíbrio no mercado do arrendamento comercial e para profissões liberais.

  4. A generalidade do instituto foi claramente assumida pelo legislador do RAU, não existindo elementos históricos ou sistemáticos que permitam adoptar uma interpretação restritiva, consoante as actividades exercidas no estabelecimento a funcionar no locado sejam de exercício livre ou administrativamente condicionado (exigência de alvará; inscrição em associação profissional; registo em certo regime administrativo, etc.).

  5. A situação dos trespasses de estabelecimentos de farmácia não é especialíssima, visto a mesma problemática se pôr quanto aos estabelecimentos bancários, seguradores, de mediação de seguros ou de imóveis, de empresas privadas de segurança privada, para não falar dos estabelecimentos onde exercem actividades certos profissionais liberais que, necessariamente, têm de possuir certa formação académica para se poderem inscrever na respectiva associação pública de natureza profissional.

  6. Assim, tem razão Antunes Varela quando preconiza a separação entre a problemática "civilística" do exercício do direito legal de preferência e a possibilidade futura de o preferente continuar a exercer a actividade condicionada, questão de direito administrativo, porquanto o que o legislador do RAU visou, em primeira linha, foi permitir o resgate ou recuperação do imóvel pelo senhorio, ainda que, para tal, seja "morta" a empresa titular do estabelecimento trespassado.

  7. A interpretação do art. 116°, n° 1, do RAU, conjugado com os arts. 416° a 418° do Código Civil e as Bases I, n°s 1, 2 e 3, II, nºs 1 e 2, da Lei n° 2125 e arts. 71° e 76°, n° 2, do Dec.lei n° 48547, acolhida na decisão recorrida, para além de ilegal, é...

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