Acórdão nº 04B522 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução04 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" e B intentaram, no dia 17 de Abril de 1997, contra C e D, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação na demolição de uma arrecadação e de uma churrasqueira, com fundamento na sua feitura pelos segundos na própria fracção predial sob a propriedade horizontal, contígua à habitação dos primeiros, invocando o acesso indevido de estranhos, pelo menos pelo estendal, à sua casa, a emissão de maus cheiros, de fumos e gorduras prejudiciais à saúde e a falta de autorização dos condóminos quanto à construção da churrasqueira. Invocaram os réus, na contestação, a irregularidade do mandato judicial conferido pelos autores aos respectivos mandatários, bem como o seu direito a manter a arrecadação e a churrasqueira, e o abuso do direito por parte dos primeiros, e pediram a sua condenação no pagamento de indemnização por litigância de má fé. Na réplica, os autores impugnaram o afirmado e pedido pelos réus e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 4 de Janeiro de 2002, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a demolir apenas a parte da arrecadação sita a menos de dois metros e meio da sua varanda. Apelaram os autores e os réus, uns e outros na parte em que na sentença ficaram vencidos, e a Relação, por acórdão proferido no dia 2 de Outubro de 2003, negou provimento a ambos os recursos, do qual ambas as partes interpuseram recurso de revista. A e B, formularam, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - nos termos do artigo 1422º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, provado que o telhado da arrecadação construído pelos réus no logradouro facilita o acesso de estranhos à casa dos autores, deveriam os primeiros ter sido condenados a demolir toda a arrecadação; - os réus deverão ser condenados na demolição da churrasqueira porque a deliberação da assembleia de condóminos ratificadora da construção é nula, nos termos dos artigos 280º, 286º e 294º do Código Civil, por contrária à lei, em razão de não haverem pedido autorização para o efeito aos restantes condóminos, nem haverem obtido licença camarária para alteração do projecto inicial da constituição da propriedade horizontal; - a construção da arrecadação e da churrasqueira pelos réus provocou alteração da permilagem da sua fracção predial, o que não é conforme com a constituição da propriedade horizontal e altera substancialmente os moldes em que esta foi definida em termos de permilagem, violando o interesse público de todos os condóminos, pelo que era necessária a aprovação de todos eles; - como as aludidas alterações não são conformes com o projecto inicial da constituição da propriedade horizontal e alteram substancialmente a permilagem do condomínio, consubstanciam negócio contrário à ordem pública e à lei, pelo que as obras são nulas, nos termos dos artigos 280º, 286º e 294º do Código Civil; - o acórdão recorrido violou os artigos 280º 286º, 294º e 1422º, n.º 2, alínea a), todos do Código Civil, pelo que deve ser revogado. C e D responderam, em síntese de alegação: - para a construção da churrasqueira, pediram a autorização de dois terços dos condóminos e apresentaram o pedido de licenciamento camarário, significando os actos praticados a posteriori ratificação da sua conduta; - a sua edificação não estava à deliberação da assembleia de condóminos ou aprovação por dois terços, porque as edificações estão sobre parte integrante da sua fracção autónoma, do que resulta a inaplicação do n.º 2 do artigo 1425º do Código Civil; - não está assente que após a construção esta não tenha sido objecto de licenciamento ou autorização camarária; - não influi nem tem de ser objecto de alteração da propriedade horizontal qualquer edificação em parte da fracção, porque o cálculo da permilagem resulta, quer da área ocupada pela parte habitacional, quer da área do logradouro; - a implantação da churrasqueira no logradouro parte integrante da fracção predial não obriga à alteração da propriedade horizontal porque não é afectada a permilagem ou o uso da fracção, sendo mero equipamento, porque é de natureza movível. C e D concluíram, por seu turno, em síntese, no recurso que interpuseram: - cabendo à autarquia a obrigação de verificação da estética e normas de segurança, ela nada opôs à construção, tendo-a licenciado com anuência expressa do autor; - as instâncias julgaram mal, por não haver sido alegado ou provado que o muro de suporte de terras existente nas traseiras do prédio era parte integrante dele e comum; - o facto de a construção em litígio se encontrar encostada ao dito muro não a torna parte comum, por integrar fracção em cujo logradouro foi edificada; - a invocação pelos recorridos de que a edificação no logradouro da fracção na altura de um piso encostada a um muro na altura de dois pisos facilita o acesso à fracção e estendal, após terem concedido autorização expressa para a sua edificação cerca de dez anos depois da edificação, constitui atitude imoral e persecutória, tanto mais que ali não residem; - os direitos de personalidade dos recorridos - receio de estranhos terem o acesso facilitado à sua fracção predial e ao estendal - não estão afectados de forma séria e previsível - os recorridos estão a agir de forma imoral, impondo um sacrifício patrimonial aos recorrentes desadequado e desproporcional em relação ao seu infundado receio, agindo em abuso de direito; - o acórdão recorrido violou os artigos 8º, n.º 2, 9º, 204º, n.º 3, 334º, 1305º, 1344º, n.º 1, 1420º, 1421º, n.º 1, e 1422º do Código Civil, e 660º, 664º, 668º, n.º 1, alínea d), 712º, n.º 1, alíneas a) e b), 1ª parte do Código de Processo Civil, devendo ser revogado e os réus absolvidos. A e B, em síntese de conclusão, responderam: - a Relação, ao decidir que o muro suporte de terras era parte comum do prédio limitou-se a qualificar juridicamente os factos apurados; - o exercício pelos recorridos do direito à eliminação de uma construção que afecta a segurança da sua casa quanto a pessoas e bens e reserva individual e de privacidade respeita a direitos de personalidade irrenunciáveis; - nenhum desvalor ético ou de desconformidade com os valores sociais dominantes pode incidir sobre quem pretende não continuar a suportar tal tipo de consequências desvantajosas decorrentes da construção levada a cabo pelos recorrentes. A Relação referiu declarou inexistir qualquer no acórdão recorrido. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Está inscrita no registo predial na titularidade dos autores a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção predial autónoma designada pela letra M, a que corresponde o 1º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob a ficha n.º 00054/240485, composta de sala comum, três quartos, cozinha, duas casas de banho, hall, despensa e duas varandas, sob a permilagem de 99,6. 2. Está inscrita no registo predial, a favor dos réus, a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção predial autónoma designada pela letra K, a que corresponde o rés-do-chão direito do mesmo prédio urbano mencionado sob 1, composta por sala comum, três quartos, cozinha, duas casas de banho, hall, varanda e logradouro com 51,40 m2, sob a permilagem de 145. 3. A ré manifestou à autora o desejo de fazer uma churrasqueira no logradouro para substituir o fogareiro que utilizava habitualmente no parapeito da janela da cozinha para assar o peixe para as suas refeições, e os autores nunca se queixaram de que o fumo lhes trazia problemas de saúde, e os últimos chegaram a assar o peixe no parapeito da janela da sua cozinha. 4. Em 1987, os réus apresentaram na Câmara Municipal de Sesimbra um pedido de licenciamento de uma arrecadação, com seis metros de comprimento e dois metros e meio de largura, que pretendiam construir no...

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