Acórdão nº 04P3785 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução26 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No tribunal da comarca de Celorico de Basto o arguido A foi julgado e, na sequência, condenado pela prática de um crime de homicídio previsto e punível pelo art. 131° do Código Penal na pena de dez (10) anos de prisão; e a pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelos artigos 1° e 6° da Lei n° 22/97 de 27 de Junho, na pena de um (1) ano de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão.

  1. Não se conformando com a decisão, recorreu para o tribunal da Relação, o qual, todavia, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

  2. Recorre agora para o Supremo Tribunal, fundamentando o recurso nos termos da motivação que apresentou, e que termina com a formulação das seguintes conclusões: lª -A renúncia ao recurso em matéria de facto foi ultrapassada pela decisão do tribunal de primeira instância de documentar a prova; 2ª -O Tribunal da Relação pode e deve apreciar a matéria de facto; 3ª -Ao decidir de maneira diferente o acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o disposto no art. 412º, n° 3 do C.P.P.; 4ª -Há erro notório na apreciação da prova que conduz a que seja dada como não provada a matéria das alíneas d), e), f), g) h), q), r), s) e t); 5ª - Ao decidir de forma diferente o Tribunal da Relação fez deficiente uso da faculdade que lhe é atribuída pelo n° 2 do art. 410º do C.P.P.; 6ª - Uma vez que "no caso sub judice não ocorreu a chamada "provocação de legítima defesa", os elementos de facto apontam para a existência de legítima defesa, objectivamente considerada; na verdade, 7ª - A vítima mais alto e mais forte que o arguido, agrediu-o violentamente dando-lhe murros que lhe provocaram ferimentos; 8ª - E foi no decurso dessa agressão que o arguido disparou, sendo certo que ela se prolongou para além do disparo; 9ª -Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, "todo este enquadramento lacunoso embora (e, por isso, não propiciador de um visionamento nítido) sugere, contudo (ou é susceptível de sugerir), uma situação de legítima defesa (cfr. artigo 32° do código Penal) ou, no mínimo, de excesso - porventura desculpável - de legítima defesa (cfr. artigo 33° do código Penal) já que, com efeito (e é o que, aliás, decorre do que antecedentemente expendemos), foi a vítima quem reiniciou as hostilidades à noite, no Café Paris, pedindo contas ao arguido, desenvolvendo contra este uma acção fisicamente agressiva, agarrando-se-lhe (com um dos braços) e persistindo na agressão (com o punho livre?) mesmo depois do disparo que entretanto o atingiu", 10ª - A existência de excesso de legítima defesa conduz à atenuação especial da pena; 11ª - Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 32º e 33º do C. Penal; 12ª - Caso assim se não entenda, deverá considerar-se a existência de provocação injusta; 13ª - E isto porque, como o próprio acórdão recorrido demonstrou, o arguido não desafiou a vítima; 14ª - Ao decidir em sentido contrário, violou o art. 72°, n° 2, alínea b), do C. Penal; 15ª - Ainda que assim se não considerasse, atentas as fortíssimas atenuantes, a pena teria sempre de ser fixada no mínimo legal; 16ª - Ao decidir de forma diferente o acórdão recorrido violou o art. 71º do Código Penal.

    O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, respondendo à motivação, considera que «nenhuma das objecções colocadas pelo recorrente ao douto acórdão recorrido merece atendimento», devendo a decisão ser mantida.

    Por seu lado, o ofendido respondeu também à motivação do recorrente, defendendo que o recurso deve ser rejeitado por falta de fundamento nos termos do artigo 420º do Código de Processo Penal (CPP).

  3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção nos termos do artigo 416º do CPP entendeu que nada obsta ao conhecimento do recurso.

    Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações.

    As alegações do Exmº Procurador-Geral Adjunto incidiram essencialmente sobre a questão relativa ao recurso em matéria de facto, entendendo que a declaração dos sujeitos processuais de que prescindiam da documentação da prova não poderia ser considerada como renúncia ao recurso em matéria de facto, e que, tendo havido documentação da prova, a relação deveria ter conhecido do recurso relativo à matéria de facto. Na opinião do Ilustre Magistrado, o disposto no artigo 428º, nº 2 do Código de Processo Penal apenas se refere aos casos estritamente previstos no artigo 364º, nº 1 do mesmo diploma, ou seja, apenas quando a audiência tenha lugar perante tribunal singular.

    A defensora do recorrente mantém a posição expressa na motivação de recurso.

  4. Cumpre apreciar e decidir.

    As instâncias consideraram provados os seguintes factos; «a) No dia 15.03.01, cerca das 17h30, ocorreu uma discussão entre o arguido e a vítima B acerca de umas videiras que surgiram queimadas; b) Nessa altura, o arguido apontou à vitima uma pistola semi-automática, marca FN Browning, de modelo vestpocket, com o nº 382351, calibre 6,35 mm, de cor preta, com as inscrições "Fabrique Nationale D'Armes de Guerre Herstal - Belgique, Browings Patent, Depose, com o cano liso de 5,5 cm de comprimento; c) Ao apontar a arma, acima referida, o arguido agiu com o propósito de provocar medo e inquietação no ofendido; d) No dia 15.03.01, pelas 17h30m, no local encontrava-se uma irmã do arguido; e) O arguido regressou a sua casa onde permaneceu até cerca das 23 horas; f) A vítima ficou muito nervosa e alterada com a discussão, tendo dito a diversas pessoas que havia de partir os queixos e dar cabo do arguido; g) Em hora que se ignora, a vítima e um seu irmão foram para o café Paris, sito no lugar de Cambeses, Rio Douro, Cabeceiras de Basto; h) Antes, porém, a vítima tinha-se deslocado a um outro café, na mesma localidade, à procura do arguido; i) Neste mesmo dia 15.03.01, por volta das 23 horas, ou um pouco mais tarde, o arguido dirigiu-se, de motorizada, àquele café Paris, que é o mais próximo da casa onde reside e onde costumava ir todos ou quase todos os dias, facto que era do conhecimento da vítima e de seu irmão; j) O arguido sabia que o B costumava ir todas ou quase todas as noites ao Café Paris, sito em Cambeses, Rio Douro, Cabeceiras de Basto; l) O arguido dirigiu-se para o café Paris, levando consigo, no bolso do casaco, que nessa altura usava, a arma acima descrita municiada e pronta a disparar; m) Uma vez no interior do café Paris, o arguido dirigiu-se ao balcão e pediu um fino e um maço de tabaco; n) Ficou, depois, a beber um fino encostado ao balcão, de costas para esse e voltado de frente para o espaço onde se localizavam as mesas do café, entre elas aquela onde estava o B; o) Alguns minutos depois, a vítima aproximou-se do balcão e, dirigindo-se ao arguido, perguntou-lhe porque é que este, nessa tarde, lhe havia apontado a arma; p) Acto contínuo a vítima desferiu no arguido um murro; q) Nessa altura, o arguido afastou-se cerca de um metro do local onde se encontrava e encostou-se a uma parede e, quando aí permanecia, a vítima desferiu-lhe um outro murro; r) Quando a vítima se preparava para desferir um novo murro no arguido, distando dele, nessa altura, o equivalente ao comprimento do braço de um homem, surgiu a cunhada da vítima, que agarrou, por trás, o corpo desta, puxando-o; s) Na sequência do acto da cunhada a vítima curvou-se; t) Nesse momento, o arguido, encontrando-se com os braços livres, retirou do bolso a pistola, acima referida, e, encostando-a à parte superior do corpo da vítima, efectuou um disparo; u) A vítima continuou a agredir o arguido mesmo após o disparo; v) O projéctil disparado, naquele momento, por aquela pistola atingiu o tórax do ofendido, causando-lhe a nível do hábito externo uma ferida perfurante com um centímetro de comprimento de forma ovalada, a nível do 4° espaço intercostal esquerdo, a dois centímetros do bordo do externo; x) Dada a curta distância a que foi efectuado o referido disparo, tal ferida apresentava uma auréola de negro de fumo à volta; z) A nível do hábito interno, tal disparo ocasionou contusão do pulmão esquerdo e uma ferida perfurante com dois centímetros de comprimento, entrando na face anterior e saindo na face interna do lobo superior, uma ferida perfurante no ventrículo esquerdo, com um centímetro de comprimento da face anterior para a face posterior do ventrículo; contusão e perfuração do pulmão direito da face interna do lobo médio para a face posterior, fractura da 5a costela direita, no arco superior, estando o projéctil alojado no tecido celular subcutâneo a jusante; a') O choque hemorrágico ocasionado pelo traumatismo torácico, hemopericárdio e hemitorax atrás descrito foi a causa directa e necessária da morte da vítima B, que ocorreu momentos após a efectivação do disparo, dando entrada no Centro de Saúde de Cabeceiras de Basto, já cadáver; b') A vítima era uma pessoa agressiva e, por vezes, violenta, tendo sido recentemente condenado por posse de arma proibida; c') O arguido era vizinho e amigo, desde sempre da vítima; d') O arguido sabia que devido aos acontecimentos ocorridos nesse dia 15.03.01 pelas 17h30m e ao temperamento do B este último quando o encontrasse iria procurar confrontar-se fisicamente com ele; e') Quando no dia 15.03.01, por volta das 23 horas, o arguido se dirigiu ao café Paris sabia que se aí encontrasse o B haveria confronto físico entre ambos e, consciente desse facto, levou consigo a referida arma municiada e pronta a disparar; f') O arguido, ao permanecer no café onde se encontrava o B, de costas para o balcão e voltado de frente para o espaço onde se localizavam as mesas do café, entre elas aquela onde estava o B, com uma mão no bolso do casaco, agiu com a intenção de desafiar o B ao confronto físico por forma a que, no momento em que ocorre-se tal confronto, tivesse justificação para usar a arma, que...

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