Acórdão nº 04S1374 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVÍTOR MESQUITA
Data da Resolução16 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório "A", intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Horta, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, emergente de contrato individual de trabalho, contra Banco B, S.A., pedindo que seja declarado nulo o seu despedimento, promovido por este e, em consequência, condenado a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade, ou em alternativa a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, caso venha a optar por ela, bem como retribuições vencidas, férias e subsídios de férias vencidos até à data da sentença.

Alegou, para tanto, e em síntese, que trabalhou sob as ordens e direcção do R. desde Janeiro de 1976 e que este, em 06-08-96, na sequência de um processo disciplinar, lhe comunicou a decisão de o despedir com a invocação de justa causa.

Porém, o processo disciplinar é nulo, porquanto aquando da suspensão preventiva que o R. lhe impôs, não lhe foi remetida qualquer nota de culpa e, quando esta lhe foi remetida, não foi informado sobre onde se encontrava o processo, pelo que não lhe foi possível consultá-lo no prazo para apresentação da defesa.

Além disso, alega que parte dos factos que lhe foram imputados se encontram prescritos.

Finalmente, acrescenta que o despedimento é ilícito por não verificação da justa causa invocada.

Contestou o R., pugnando pela não verificação das invocadas nulidades do processo disciplinar, bem como da prescrição de infracções e sustentando a existência de justa causa de despedimento do A.

Conclui, por isso, pela improcedência da acção.

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido concedido ao A. benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e custas, vindo também, entretanto, o mesmo a declarar que, em caso de procedência da acção, optava pela indemnização de antiguidade em detrimento da reintegração no posto de trabalho.

Foi proferido despacho saneador - no qual se considerou não verificada a nulidade do processo disciplinar por a nota de culpa não acompanhar a comunicação que foi efectuada ao A. de suspensão preventiva, mas já considerou verificada a referida nulidade do processo disciplinar por restrição do direito do A. a consultar o processo disciplinar no prazo que tinha para exercer o direito de defesa -, tendo sido elaborada a especificação e o questionário de forma a apurar a remuneração do A., bem como a sua antiguidade ao serviço do R.

Da decisão que considerou verificada a nulidade do processo disciplinar recorreu o R, tendo o recurso sido admitido como de apelação, com subida a final e efeito meramente devolutivo.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, declarou nulo o processo disciplinar e ilícito o despedimento do A., com a consequente condenação do R. a pagar-lhe a quantia global de 33.110.116$00, a título de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até à sentença e de indemnização por despedimento ilícito.

Inconformados com a decisão, A. e R. dela interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 13-12-2000, e conhecendo do primeiro recurso interposto, revogou o despacho saneador e ordenou a ampliação da matéria de facto, considerando prejudicado o conhecimento dos recursos de apelação da sentença final, interpostos por A. e R.

Foi reorganizada a especificação e o questionário (então já base instrutória), tendo este sido objecto de reclamação, com êxito, por parte do A.

Procedeu-se de novo a julgamento, após o que foi proferida nova sentença que declarando ilícito o despedimento do A., condenou o R. a pagar-lhe a quantia global de € 170 119,10 (cento e setenta mil cento e dezanove euros e dez cêntimos), "a título de retribuições deixadas de auferir e de indemnização por despedimento ilícito".

De novo inconformado com a sentença, o R. dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, em defesa da posição por si sustentada, junto um "parecer" jurídico, de fls. 634 a 686.

Por acórdão de 10-12-2003 foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Mais uma vez irresignado, o R. veio recorrer de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões: 1. O prazo prescricional previsto no artigo 27 n.º 3 da LCT conta-se a partir do momento da prática da infracção, o qual nem sempre coincide com o momento da prática do facto.

  1. Sempre que o resultado lesivo só se produza depois de consumada a infracção, aplicar-se-á analogamente - porquanto exprime valores presentes, ainda que apenas implícitos, no ordenamento disciplinar laboral - o disposto no art. 11 n.º 4 do Código Penal, pelo que o prazo de prescrição só se iniciará "a partir do dia em que aquele resultado se verificar".

  2. A mesma solução valerá, por maioria de razão, para os casos em que os comportamentos do trabalhador sejam susceptíveis de constituir justa causa de despedimento, pois, o artigo 9.º n.º 1 da Ldesp., ao defini-la como o "comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências", inviabiliza a prossecução da relação laboral, integra o resultado no próprio conceito. E, por sobradas razões, para os casos em que o resultado está contemplado nas alíneas que referenciam as hipóteses típicas de justa causa que, na espécie, indica a lesão de interesses sérios (bem como muitas outras alíneas que manifestam o relevo das consequências lesivas).

  3. Por outro lado, e porque as infracções disciplinares muitas vezes integram a omissão de deveres funcionais respectivos cujas consequências podem ser evitadas, pode afirmar-se, recorrendo ao artigo 10 n.º 2, do Código Penal - enquanto concretização de um princípio que integra também o quadro valorativo do ordenamento disciplinar do trabalho - que em tais casos impende sobre o trabalhador um especial dever de regularizar a situação criada, removendo o dano produzido ou evitando a sua produção, e que até que tal suceda se mantém a violação jurídico-disciplinar e a consequente lesão de bens jurídicos.

  4. Mantendo-se a infracção por todo o tempo que persistir a omissão de cumprimento pelo trabalhador dos seus deveres funcionais e da própria obrigação de regularização, ela reveste carácter permanente, pelo que nos termos do artigo 119.º, n.º 2 al. b) do Código Penal, aplicável por analogia, o prazo de prescrição só corre da data em que cessar a sua consumação, pela adopção por aquele dos comportamentos devidos.

  5. Mas mesmo que assim não se entenda, a infracção disciplinar pode ainda revestir a natureza continuada, como a nossa jurisprudência tem sustentado, pelo concurso dos seguintes elementos: as várias condutas infraccionais visarem a violação do mesmo bem jurídico; serem executadas de forma homogénea e enquadrarem-se numa mesma situação exógena que leve à diminuição da culpa do agente. A verificar-se tal hipótese, o prazo de prescrição só começa a correr a partir da prática do último facto que a integra.

  6. Nenhum destes aspectos foi ponderado pela decisão recorrida, que se limitou a contar o prazo de prescrição da alegada consumação da infracção através do depósito pelo trabalhador nas suas contas bancárias das quantias subtraídas.

  7. Ora, conforme evidenciam os autos, se em mais de uma ocasião o recorrido se apropriou de valores pertencentes à C, SA, os quais reteve em proveito, por períodos mais ou menos longos, fê-lo, contudo, valendo-se dos seus conhecimentos e experiência como trabalhador bancário.

  8. Ao aproveitar a sua condição de bancário e o cargo que desempenhava para desviar tais quantias, o então gerente instrumentalizou as suas funções e violou permanentemente os seus deveres de lealdade e fidelidade e a confiança por aquelas exigida criando uma situação que, a tornar-se conhecida, causaria enorme prejuízo ao seu empregador.

  9. Sendo assim, as condutas do trabalhador com relevo disciplinar não se esgotaram naquela subtracção, mas consubstanciaram, ainda, a violação permanente ou, quando assim não se entenda, continuada de um conjunto de valores essenciais à sua relação com o Banco.

  10. E a violação de tais valores, tal como a correspondente infracção disciplinar, persistiu enquanto o ora recorrido não regularizou as situações criadas, efectuando os pagamentos a que se destinavam esses quantias, e evitando a lesão de interesses, não só da sociedade, mas sobretudo do Banco.

  11. No que a este se refere especialmente, essa regularização obstaria, se prontamente efectuada, a um mal maior, traduzido no escândalo e consequente descrédito que comportaria o conhecimento dos factos ocorridos e, em particular, da identidade e qualidade do seu autor.

  12. Simplesmente, e conforme resulta dos autos, no pagamento à Empresa de Electricidade dos Açores, essa regularização demorou mais de um ano (quinze meses), mantendo-se durante todo esse tempo a violação de valores jurídico-disciplinares relacionados com a lealdade, e fidelidade e a confiança perante o empregador.

  13. Sendo assim, o prazo prescricional de um ano previsto só se iniciou quando, efectuado o pagamento, cessou a consumação da infracção, a saber, em 30 de Novembro de 1995, i.e., menos de um ano antes da instauração, em 18 de Abril de 1996, do procedimento que conduziu ao despedimento do ora recorrido.

  14. Apoiando-se unicamente na letra do artigo 27 n.º 3 da LCT, a decisão ora recorrida desconsiderou o seu espírito, não atendendo a princípios revelados em normas como o artigo 119 n.º 2 al. b) e n.º 4 do Código Penal, analogicamente aplicáveis.

  15. Numa outra perspectiva, a prescrição prevista no artigo 27 n.° 3 da LCT, mesmo que precludisse o exercício da acção disciplinar relativamente aos factos por ela abrangidos, não implicaria, contudo, a sua completa desconsideração: estes podem e devem ser ponderados na apreciação de outras infracções cometidas pelo seu autor, enquanto circunstâncias agravantes a atender na apreciação do caso.

  16. E na valoração judicial de comportamentos do trabalhador...

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