Acórdão nº 05A2355 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução08 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por sentença de 3.3.02, transitada em julgado, foi declarada a falência de "A", Ld.ª, abrindo-se posteriormente concurso de credores em que nenhum dos créditos reclamados sofreu impugnação.

No saneador-sentença de 21.1.03, rectificado por despachos de fls. 204 e fls 251, fixou-se a data da falência em 7.1.00, graduando-se os créditos verificados pela ordem seguinte: 1º - O crédito reclamado pela Gestora Judicial, relativamente a todos os bens da massa falida; 2º - O crédito reclamado pelos credores trabalhadores, indicados sob os nºs 1 e 5 a 11; 3º - O crédito reclamado pelo C, reconhecendo o montante de 566.798,41 € (art.º 19 do CPEREF), com referência à fracção autónoma designada pela letra "A", do prédio descrito na CRP de Odivelas, sob o n.º 954/120686, da freguesia de Odivelas; 4º - Havendo remanescente após o referido pagamento e na ordem indicada, os restantes créditos comuns reclamados devem ser satisfeitos proporcionalmente.

O C apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa julgou o recurso improcedente.

Mantendo-se inconformado, o C interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões no fecho da alegação: 1ª - O acórdão em crise carece de fixar o montante do crédito privilegiado do Banco recorrente, deixando de se pronunciar sobre esta questão suscitada no recurso de apelação, pelo que é nulo nos termos da alínea d) do artigo 668.º do CPC.

  1. - A sentença de graduação de créditos recorrida graduou incorrectamente, salvo o devido respeito, os créditos dos ex-trabalhadores da falida, ao considerá-los com preferência sobre o produto da venda do imóvel dado de hipoteca, em detrimento dos créditos garantidos por hipoteca no que a esse bem imóvel diz respeito.

  2. - O acórdão da Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão de 1.ª instância, viola o disposto nos art.ºs 686º, n.º 1 e 749º, ambos do CC.

  3. - O art.º 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário nele conferido prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751º do CC é inconstitucional, por violação do art.º 2.º da CRP, tendo sido julgado como tal pelo Tribunal Constitucional o preceito correspondente, constante do art.º 11.º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio, no acórdão 160/2000, de 22 de Março, 3.ª secção, publicado no DR II série, de 10.10.2000.

  4. - Tal inconstitucionalidade resulta do facto da referida norma instituir um ónus oculto que lesa a fiabilidade que o registo predial merece, afectando as legítimas expectativas dos credores hipotecários e, assim, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, constituindo, ainda, uma lesão desproporcionada do comércio jurídico.

  5. - Como norma inconstitucional que, nesse sentido, é, encontra-se vedada a sua aplicação, devendo ser revogada a douta sentença de graduação de créditos recorrida e substituída por outra que gradue os créditos garantidos por hipoteca à frente dos créditos dos ex-trabalhadores da falida no que ao produto da venda dos imóveis onerados com hipoteca diz respeito.

  6. - Com a criação legal de privilégios imobiliários gerais, o art.º 751.º do CC deverá ser objecto de uma interpretação restritiva, considerando-se que apenas os privilégios imobiliários especiais preferem à hipoteca, sob pena de incompatibilidade com o n.º 1 do art.º 686º do mesmo Código, onde se determina que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

  7. - A interpretação subjacente à sentença recorrida, para além de ir contra o n.º 1 do art.º 686º do CC, trata o privilégio imobiliário geral como um verdadeiro direito real de garantia, natureza que a lei e o direito não lhe conferem.

9 -ª O privilégio imobiliário geral conferido pelo referido preceito não prefere à hipoteca, pelo que os créditos garantidos por esta deverão ser graduados em primeiro lugar.

Com base nestas conclusões o recorrente pede a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que reconheça o montante do crédito privilegiado de que é titular, no valor de 600.064,45 €, graduando-o com preferência sobre os créditos dos ex-trabalhadores da falida pelo produto da venda do bem imóvel onerado com hipoteca a seu favor.

O Ministério Público e B, ex-trabalhador da falida, contra alegaram, defendendo a manutenção do julgado; o MP considerou ainda que a decisão transitou em julgado na medida em que, perante a sua não tempestiva reacção, o crédito do Banco recorrente cai nos créditos comuns face ao caso julgado formal.

Tudo visto, cumpre decidir.

  1. - Os elementos de facto provados com relevo para a apreciação do recurso são os seguintes: a) - Os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores da falida, identificados na sentença sob os nºs 1 e 5 a 11, respeitam a remunerações laborais (férias e subsídios) não pagas pela falida; b) - Por escritura pública de 12.5.95, no 11.º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra "A", do prédio descrito na CRP de Odivelas sob o n.º 954/120686, da freguesia de Odivelas; c) - Esta hipoteca encontra-se registada a favor de Banco C, S.A., sob a inscrição C-4, garantindo o montante máximo de 128.500.000$00, equivalentes a € 640.955,30, sendo o capital de 80.000.000$00 e o juro anual de 14,875%, acrescido de 4% em caso de mora (fls 143 do processo principal); d) - A fls 80/84 o Banco C, S.A., reclamou um crédito no montante de 789.730,62 €, correspondendo ao capital em dívida, no montante de 394.050,34 €, aos juros moratórios, contados desde a data de denúncia do contrato, em 31.3.97, no montante de 380.461,60 €, e ainda ao montante de 15.218,47 € a título de imposto de selo; e) - O crédito reclamado foi reconhecido, julgado verificado e graduado na sentença de reclamação de créditos proferida em 21.1.2003 (fls 185 e 187).

    1. - Notificado desta sentença, veio o C, por requerimento de 0.7.2.2003, a fls. 201 e v.º, requerer a respectiva rectificação, uma vez que o seu crédito, certamente por mero lapso, foi graduado como comum, não tendo sido levado em linha de conta o privilégio decorrente da garantia por hipoteca.

    2. - No mesmo requerimento, e para a hipótese de se entender que não havia lugar à requerida rectificação, interpôs recurso da referida sentença.

    3. - A fls 204 foi proferido um despacho de rectificação da sentença, em que, fazendo-se expressa referência aos requerimentos para rectificação apresentados a fls. 191 e 192 - e não ao do C - se procedeu à rectificação da...

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