Acórdão nº 05B1640 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMOITINHO DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - "A". e "B", Lda., intentaram a presente acção declarativa contra C - Produtos Farmacêuticos, Lda., pedindo a condenação da Ré: a)A abster-se de importar, fabricar, preparar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação , o produto farmacêutico comercializado sob a marca "Enalapril Merck", ou sob qualquer outra designação comercial, que contenha as substâncias activas "Enalapril" ou "Maleato de Enalapril", e que não seja fabricado ou distribuído pelas Autoras, ou sem autorização, expressa e formal destas; b) A pagar às Autoras uma indemnização pelos prejuízos morais e materiais que lhes causou a causa, com a sua conduta, ilícita e ilegítima, em montante a determinar em execução de sentença, mas nunca inferior a 32.500.000$00.

Alegaram para o efeito e em substância que a 1ª Autora inventou e desenvolveu o composto químico "Enalapril" e que fabrica o "Maleato de Enalapril", sendo titular das patentes de invenção n. 70542, concedida em 8 de Abril de 1981, com prioridade reportada a 11 de Dezembro de 1978, intitulada "processo para a preparação de derivados de aminoácidos como hipertensivos", e n. 76790, concedida em 9 de Abril de 1986, com prioridade reportada a 7 de Junho de 1982, intitulada "processo para a preparação de dipeptídeos carboxialquílicos", sendo a composição farmacêutica em causa comercializada desde 1 de Janeiro de 1985, sob a marca "Renitec".

A 2ª Autora beneficia de uma licença de exploração da patente n°70.542 para usar, vender ou de qualquer modo dispor do "Renitec" em Portugal, tendo-lhe igualmente sido concedido poderes de defesa de tal patente.

Ora, a Ré lançou no mercado sob a marca "Enalapril Merck" um medicamento, a preços substancialmente mais baixos do que os do "Renitec", informando, na publicidade feita junto dos médicos, de que se trata do mesmo produto. Deste procedimento resultaram para as Autoras danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento agora pretendem.

Na sua contestação a Ré defendeu-se por impugnação e, por excepção, invocou a caducidade da patente n°70.542.

A excepção foi julgada improcedente no despacho saneador de que a Ré interpôs recurso de agravo. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente. Por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, a Relação de Lisboa negou provimento aos recursos de agravo e subordinado de apelação da Ré, e concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelas Autoras. Em consequência, revogou a sentença recorrida e condenou a Ré a pagar às Autoras, a título de indemnização, o que se vier a apurar em liquidação de sentença..

Inconformada, recorreu C- Produtos Farmacêuticos, Lda. para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos: 1. O Tribunal a quo, pelo Acórdão recorrido, negou provimento ao agravo interposto sobre a decisão que teve por objecto a excepção da caducidade da patente n°70.542, invocada pela ora Recorrente; 2. Na defesa desse entendimento, a então Agravante suscitou, fundamentalmente, duas questões: (i) a questão da vigência do Acordo TRIPS no ordenamento jurídico português e (ii) a questão da viabilidade da aplicabilidade directa da norma do art.°33.° do Acordo; 3. Quanto à primeira das questões, alegou a Recorrente que, para que o Acordo TRIPS se considere de pleno vigor na ordem jurídica portuguesa, necessário seria que tivesse obedecido às condições de vigência previstas pela Constituição da República Portuguesa, previstas no seu art.°8.°, n°2; 4. Porque nunca foi publicado qualquer aviso relativo à entrada em vigor no plano internacional do referido Acordo, deve concluir-se que o terceiro requisito constitucional exigido para a vinculação do Estado Português não se demonstra preenchido; 5. Por conseguinte, o Acordo TRIPS não pode considerar-se recebido pelo direito interno português de harmonia com o princípio da recepção plena; 6. Quanto a esta questão, a Douta decisão recorrida limitou-se a concluir pela aplicação do Acordo TRIPS, sem que tenham sido adiantados os fundamentos da sua decisão; 7. Nos termos do disposto na alínea b) do n.°1, do art. 668 do Código de Processo Civil (CPC), deve o Tribunal, sob pena de nulidade da decisão, pronunciar-se e resolver todas as questões que deva apreciar; 8. E, nos termos do disposto no n.°2 do art. 659 do Código de Processo Civil, deve o tribunal especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão; 9. Não o tendo feito, quanto à matéria em causa, será forçoso concluir-se que a decisão recorrida enferma de nulidade; 10. A decisão recorrida entendeu que o Acordo TRIPS, por via da clareza e determinação das suas normas é exequível por si mesmo, deverá ser imediatamente aplicável pelo juiz nacional; 11. Ainda que o Acordo TRIPS tivesse sido regular e constitucionalmente recebido pelo Direito interno Português, os seus efeitos não admitem a um particular que funde directamente nas suas normas, direitos invocáveis nos tribunais internos contra outros cidadãos; 12. A determinação do alcance dos efeitos e alcance de um acordo internacional só é admissível quando nele conste disposição que inequivocamente o preveja ou, na sua falta, por recurso à interpretação; 13. Neste último caso, os critérios interpretativos a utilizar não podem ser os do direito interno, mas sim os do direito Internacional; 14. Em nenhuma parte do TRIPS - ou mesmo dos acordos OMC, de que aquele faz parte -existe qualquer disposição que exprima o acordo das partes contratantes sobre a atribuição de efeitos directos a quaisquer das disposições dos acordos; 15. Por outras razões, ainda, se deve considerar prejudicada a hipótese da aplicabilidade directa do Acordo TRIPS; 16. Os acordos celebrados no âmbito da Organização Mundial do comércio, como é o caso do TRIPS, são acordos que se caracterizam por possuírem contornos de grande flexibilidade quanto à sua aplicabilidade imediata; 17. Os Estados Membros gozam de faculdades, entre outras, de dispensa, de derrogação, de adopção de medidas excepcionais e de adopção de medidas de salvaguarda; 18. O cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados contratantes do Acordo TRIPS assume, assim, um carácter flexível e negociado; 19. A flexibilidade no cumprimento das obrigações previstas num acordo internacional como o TRIPS, é circunstância impeditiva da aplicação imediata das suas normas; 20. A questão central nessa matéria, e o que obsta à aplicação imediata do Acordo, não é a eventual precisão das normas referidas - matéria sobre se debruçou a decisão recorrida -, mas sim a questão da oportunidade ou conveniência do Estado Membro em proceder materialmente à convergência do seu direito interno com a regulamentação introduzida pelo Acordo Internacional; 21. Tendo o Acórdão recorrido concluído pela aplicação imediata e directa da norma do art.°33.° do Acordo TRIPS na ordem interna portuguesa, deve a referida decisão ser revogada; 22. Não se compreende a decisão recorrida, ao concluir que a patente 70 542, ainda que beneficiasse de um prazo de protecção de vinte anos, se tenha mantido em vigor até 20/06/00; 23. Podem ser objecto de patente a invenção de produto novo, de acordo com a legislação em vigor, a aplicação ou criação de algum novo meio ou processo, ou a aplicação nova de meios ou processos conhecidos, para se obter um produto comerciável ou resultado industrial; 24. O conteúdo da protecção da patente de produtos químicos e farmacêuticos, abrange apenas o direito de fabricar um determinado produto segundo o processo patenteado; 25. É, pois, permitido que um terceiro fabrique e/ou comercialize o mesmo produto, conquanto que o mesmo tenha sido obtido por processo diferente; 26. Por efeitos da presunção a favor das Autoras prevista quer no art.°6.° do CPI de 1940, quer no art.°93.°, n.°3 do CPI de 1995, fora operada a inversão do ónus da prova da semelhança ou da identidade do processo de fabrico do produto comercializado pela Ré; 27. De acordo com a interpretação feita, entendeu que passou a competir à Ré a prova de que o produto que comercializou foi obtido por processo de fabrico diferente do prescrito na patente da 1.ª Autora; 28. Tal conclusão assenta em entendimento erróneo, e legalmente não fundado, quanto à definição do âmbito da protecção das patentes de processo, na situação em que, relativamente a um e mesmo produto final, exista mais do que um registo válido de patente; 29. E o mesmo se diga quanto à questão da novidade, no sentido considerado pelo Acórdão, que considerou de prova necessária a cargo da Ré; 30. A novidade patenteável de qualquer patente concedida tem-se por necessariamente presumida, por efeitos directos do acto de concessão; 31. A Ré é igualmente titular de uma patente de processo válida e cuja validade não foi, sequer, posta em causa; 32. Nenhum reparo mereceria a decisão recorrida, se a Ré tivesse comercializado um medicamento que fosse proveniente de um fabricante não titular de qualquer patente válida; 33. A interpretação seguida pelo Tribunal a quo não tem em devida conta essa circunstância e não distingue entre as duas referidas situações; 34. Ofende, assim, para além do mais, o Princípio da Igualdade, nas duas dimensões por que este se densifica e analisa; 35. A previsão do art.°93.°, n.°3, citado, atenta a finalidade e os interesses que prossegue, tem apenas por efeitos, operar a inversão do ónus da prova relativamente ao terceiro fabricante/comerciante do mesmo produto; 36. Não podem legalmente resultar da citada norma quaisquer outros efeitos, designadamente, os de anular ou modificar os efeitos da concessão de uma patente válida; 37. E não poderá, designadamente, ser aceite uma solução interpretativa de que conduza à anulação ou à modificação das presunções que nascem por efeitos da concessão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT