Acórdão nº 05B2344 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução12 de Julho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O Banco A, SA intentou, no dia 18 de Outubro de 1999, contra B, C e D, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com fundamento na diminuição da sua garantia patrimonial, pedindo a declaração da ineficácia do contrato de doação da nua propriedade do prédio urbano sito no Moinho de Azeite ou Ladeira Branca, freguesia de São Sebastião, Município de Lagos, dito celebrado entre o primeiro como doador e os últimos como donatários, em termos de poder realizar o seu direito de crédito derivado de contrato de abertura de crédito em conta corrente titulado por livrança-caução.

Em contestação, os réus afirmaram não terem visado com o contrato de doação prejudicar o autor, que ele resultou de um acordo em processo de divórcio entre o primeiro e seu cônjuge, estarem então pagas as dívidas de "E", Ldª para com o autor, ter a livrança sido abusivamente preenchida por o seu preenchimento não corresponder a qualquer direito de crédito.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 26 de Abril de 2004, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido sob o fundamento da não simultânea verificação dos requisitos da impugnação pauliana.

Apelou a "F", SA, sucessora do Banco A, SA, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a "F", SA recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - à data da doação tinha a recorrente um direito de crédito contra B, irrelevando não estar ainda vencido; - o crédito cambiário constitui-se na data da subscrição da livrança e da sua entrega ao seu legítimo portador, ficando a responsabilidade do subscritor e do avalista constituída com os actos de subscrição e de aposição do aval; - a anterioridade do crédito sobre os avalistas relativamente à doação reporta-se à data da prestação do aval e não à data do vencimento da livrança; - a livrança-caução com data anterior à doação consubstancia o direito de crédito da recorrente anterior sobre B; - o saldar por "E", Ldª da conta-corrente caucionada, situação diversa da sua resolução ou denúncia, não afastou a responsabilidade de B, dada a evolução do saldo na vigência do contrato consoante os movimentos positivos e negativos que ocorreram; - os factos provados não revelam que o prédio objecto do acordo é o mesmo que foi objecto da doação, nem a exclusão da má fé dos recorridos em razão da desoneração de D e da responsabilização dos subscritores e avalistas constantes da carta remetida por "E", Ldª; - por gerar desinteresse de aquisição do direito de usufruto, a circunstância de a doação só abranger a nua propriedade não permite a conclusão da não intenção de B de prejudicar a recorrente; - a procedência da impugnação pauliana não depende da prova da má fé dos recorridos, porque o direito de crédito da recorrente é anterior ao contrato de doação; - os recorridos agiram no contrato de doação com o propósito de impedir a recorrente de cobrar o seu direito de crédito; - o acórdão recorrido infringiu o artigo 610º do Código Civil, devendo ser substituído por outro que declare a procedência da acção.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - pretende a recorrente o reexame pelo Supremo Tribunal de Justiça dos factos provados, mas é vedado àquele Tribunal apreciar ou alterar as ilações das instâncias representativas do desenvolvimento lógico dos factos assentes; - foi considerado provado pela Relação que na data da doação a recorrente não tinha algum crédito vencido contra o recorrido B; - a recorrente não provou, como lhe incumbia, que a doação visou impedi-la da satisfação de futuros créditos, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 610º do Código Civil.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O réu B é um dos sócios-gerentes de E - Faianças Decorativas do Algarve Ldª, e D, nascida no dia 27 de Outubro de 1982, e C, nascido no dia 21 de Setembro de 1993, não filhos dele.

  1. Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.° 02432/141093 da freguesia de São Sebastião, o prédio urbano Moinho do Azeite, edifício de rés-do-chão com 1 divisão, destinado a armazém, área coberta 30 m2, logradouro com 2.970m2, a confrontar a norte e nascente com G, a sul com herdeiros de H e a poente com estrada.

  2. Pela apresentação nº 14/141093 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n º 02432/141093, da freguesia de São Sebastião, a modificação ao prédio descrito sob 2, passando o mesmo a descrever-se do seguinte modo: rés-do-chão com 4 compartimentos, cozinha, casa de banho e logradouro, e 1.° andar com 1 compartimento, casa de banho e varanda, destinado a habitação, área coberta de 140 m2, descoberta de 2.860 m2 e, pela inscrição G1, sob a apresentação nº 14/141093, foi inscrito a favor do réu B.

  3. Por comunicação escrita datada de 31 de Dezembro de 1993, "E", Ldª solicitou ao Banco A, SA a abertura de um crédito em conta-corrente com o limite de 15.000.000$00, pelo prazo de 6 meses, renovável automaticamente enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com aviso prévio de pelo menos 30 dias, utilização mediante cheques, ordens de pagamento ou de transferência, outros documentos bastantes ou correspondência, reembolso findo o prazo do contrato, obrigar-se a pagar de imediato o saldo devedor da conta, ficar o Banco com a faculdade de debitar juros, comissões e demais despesas e encargos devidos no âmbito do contrato na conta de depósitos nº 320 1.21 0.007388.0, na agência daquele Banco, em Lagos, obrigarem-se a tê-la aprovisionada para o efeito, poder o Banco considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades emergentes do contrato quando vencidas e não pagas quaisquer obrigações devidas no âmbito do mesmo ou outras pelas quais fossem responsáveis perante o Banco, quando estivesse em curso contra o titular da conta corrente qualquer execução, arresto, penhora ou qualquer outra providência que implicasse limitação à livre disponibilidade de bens ou estivesse em dívida perante o fisco ou a segurança social.

  4. Por comunicação escrita dirigida ao Banco A, SA, datada de 31 de Dezembro de 1993, "E", Ldª expressou-lhe que de acordo com as negociações havidas com ele e para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por ela contraída ou a contrair perante ele, até ao limite de 18.000.000$00, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, incluindo capital, juros, comissões e demais encargos, e que lhe remetia uma livrança em branco, datada desse dia, subscrita por ela e avalizada por I e B e cônjuge D, e que o Banco ficava autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que em qualquer momento se encontrasse em dívida, fixando-lhe o vencimento em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entendesse, e que os outros intervenientes da livrança concordavam com as estipulações dessa carta-contrato, anuindo a que aquele título lhes fosse entregue pelo Banco, contra recibo, logo que cumprissem todas as obrigações para com ele, assinando também a carta-contrato em confirmação.

  5. O Banco A, SA acedeu em conceder crédito a "E", Ldª sob a forma de conta-corrente, nas condições referidas sob 4 e 5, o réu B subscreveu a comunicação escrita referida sob 5.

  6. O Banco A, SA recebeu, por entrega do réu B e do outro sócio da "E", Ldª, I, e respectivos cônjuges, a livrança-caução, em branco, mencionada sob 5, subscrita pela "E", Ldª e por eles avalizada, com a aposição das respectivas assinaturas no verso, acompanhadas da expressão bom por aval à firma subscritora.

  7. E Lda começou a efectuar levantamentos da conta de depósitos à ordem nº 3 201.210.007388.0, da sua titularidade, através de cheques sacados sobre ela e de quantias da mesma transferidas, conta que era aprovisionada com o dinheiro proveniente da conta-corrente, segundo as necessidades de "E", Ldª e, posteriormente, nela fazia depósitos de valores, nomeadamente de cheques, de molde a que no último dia de cada semestre apresentasse saldo credor.

  8. Entre Abril e Outubro de 1996, "E", Ldª saldou na íntegra a conta caucionada n.º 605 300 23 19, no valor de 15.000.000$00, também para desonerar da responsabilidade por ela contraída a avalista D, então cônjuge do réu B, que pediu àquele e ao sócio dele que ela deixasse de ter quaisquer responsabilidades no comércio daquele, nomeadamente nas livranças por ela avalizadas.

  9. Por comunicação escrita, datada de 16 de Outubro de 1996, "E", Ldª expressou ao Banco A, SA o seguinte: "De acordo com as negociações havidas com V. Exªs e para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse banco até ao limite em capital de 35.000.000$00, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT