Acórdão nº 05B844 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelLUÍS FONSECA
Data da Resolução19 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" propôs acção de condenação contra B - Companhia de Locação Financeira Imobiliária, S.A., e C - Sindicato de Energia, pedindo que os réus sejam condenados a desocuparem imediatamente a fracção B, ..., da Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, ampliando posteriormente o pedido com a condenação das rés na abstenção de futuramente dar outro uso ou destino à fracção B que não seja a habitação.

Alega para tanto que é dono do 2º andar esquerdo do prédio, sito na Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, constituído em regime de propriedade horizontal, onde reside com a família, destinando-se as várias fracções à habitação (conforme consta do auto de vistoria anexo à constituição da propriedade horizontal e duma licença de 1938), tendo as rés instalado ilicitamente um escritório na fracção B.

Contestaram os réus, por excepção e impugnação, concluindo pela improcedência da acção, pedindo a 2ª ré a condenação do autor como litigante de má fé.

Houve réplica do autor.

D requereu a sua intervenção principal que foi admitida.

Seguindo os autos seus termos, foi proferida sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveram os réus do pedido e considerou-se não haver litigância de má fé por parte dos autores.

O autor e a interveniente principal D apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 19 de Outubro de 2004, julgado, no essencial, procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, decidiu que a fracção "B", correspondente ao rés-do-chão direito do prédio sito na Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, se destina única e exclusivamente a habitação, condenando os réus a, salvo se ocorrer uma alteração lícita e válida do título constitutivo da propriedade horizontal, deixar de usar tal fracção para qualquer outro fim que não o habitacional e a abster-se de, no futuro, lhe darem qualquer outra utilização que não essa, mais os condenando a pagar aos apelados e ao Estado, na proporção de ½ para os primeiros e de ½ para o segundo, a sanção pecuniária compulsória de € 150 por cada dia que passar, após o trânsito em julgado do acórdão, em que a fracção "B" seja utilizada como escritório ou para outro fim não habitacional.

A ré C interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso: 1- O prédio em causa nos autos encontra-se constituído em propriedade horizontal desde 2/11/1988 (cfr. fls. 10 a 15 dos autos e C) da matéria assente).

2- Na escritura de constituição da propriedade horizontal ficou escrito que o outorgante, " ... decidiu constituir o prédio em propriedade horizontal visto se terem verificado as condições legais exigíveis e a essa conclusão ter chegado a Câmara Municipal, conforme auto de vistoria ali passado, que arquivo." 3- O auto de vistoria que serviu de base a essa escritura de constituição da propriedade horizontal e que foi arquivado foi o auto de vistoria de fls., que constitui o doc. nº 4 junto à p.i., e não o que constitui o doc. nº 3, como pretende o acórdão recorrido.

4- Os pressupostos da constituição da propriedade horizontal encontram-se definidos no art. 1415º do Cód. Civil onde se determina que "só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública." 5- O art. 59º do Cód. do Notariado (que na altura já tinha disposição idêntica) determina que "Os instrumentos de constituição da propriedade horizontal só podem ser lavrados se for junto documento passado pela Câmara Municipal, comprovativo de que as fracções autónomas satisfazem os requisitos legais." 6- Assim, qualquer escritura de constituição de propriedade horizontal terá de ser instruída com um auto de vistoria emitido pela Câmara Municipal competente, no qual se atestará se as fracções de que se compõe o prédio em causa estão em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, e não se se destinam ou não a habitação.

7- No caso dos autos a verificação dos requisitos legais para a constituição da propriedade horizontal foi feita no auto de vistoria que constitui o doc. nº 4 junto à p.i., onde podemos ler: "É requerida vistoria ao prédio situado no local em referência a fim de se verificar se as fracções de que o edifício se compõe estão em condições de constituir unidades independentes para poderem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal nos termos do art. 1414º e seguintes do Código Civil ... Em face do exposto e do que foi dado observar a Comissão emite o parecer de que as utilizações vistoriadas formando unidades independentes, suficientemente distintas e isoladas entre si com saídas próprias para uma parte comum, ou com acesso directo à via pública constituem verdadeiras fracções autónomas pelo que se torna possível a integração do prédio em regime de propriedade horizontal ...", o que foi homologado em 17 de Junho de 1998.

8- Não tem, pois, aplicação, no caso dos autos, o recurso ao disposto no art. 236º do Cód. Civil, como pretende o acórdão recorrido.

9- A escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio referido nos autos, e que constitui o doc. nº 2 junto à p.i., é omissa quanto ao destino a dar às fracções autónomas.

10- E a omissão do destino a dar a cada uma das fracções não pode ser preenchida pelo recurso a um auto de vistoria cujo objectivo foi, tão só, o de certificar a existência dos tais requisitos legais necessários à constituição da propriedade horizontal.

11- Se o título constitutivo da propriedade horizontal nada determinou quanto ao destino/uso das fracções, é admissível a sua utilização para qualquer fim, desde que lícito.

12- "Para a determinação do destino das fracções autónomas de um prédio em regime de propriedade horizontal o título constitutivo é o acto modelador do respectivo estatuto e só a ele há que atender para esse fim, sendo irrelevantes as negociações anteriores ..." - cfr. acórdão do S.T.J. de 27/5/86, B.M.J. 357, pág. 435.

13- "O fim a que se destina cada uma das respectivas fracções deve constar do título constitutivo da propriedade horizontal. Quando tal não sucede, pode o condómino dar à fracção o uso que entender, ressalvadas as limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de imóveis, especialmente as constantes das alíneas a), b) e d) do art. 1422º, nº 2, do Código Civil." - ac. da Relação de Lisboa, de 15/1/75, B.M.J. 234, pág. 318.

14- " Uma vez que no título constitutivo da propriedade horizontal não se fez qualquer restrição ao uso do andar, pode o proprietário destiná-lo a consultório médico" - ac. do S.T.J. de 8/6/73.

15- Do título constitutivo da propriedade horizontal referente aos presentes autos, da constituição da fracção "B" não faz parte qualquer cozinha.

16- Não se vê como poderia a mesma fracção ser utilizada única e exclusivamente para habitação.

17- Foi, pois, violado o art. 1446º do Cód. Civil.

18- Como resulta da certidão da 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, junta pelo recorrido no requerimento que deu entrada em juízo no dia 23 de Outubro de 1996, além de não se encontrar registado o destino de cada uma das fracções de que se compõe o prédio em causa, o nº ... da Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, nenhum registo se encontra, igualmente, efectuado quanto a eventuais restrições ao uso das mesmas fracções.

19- De acordo com estipulado na alínea b) do nº 1 do art. 2º do Cód. Reg. Predial, estão sujeitos a registo "os factos jurídicos que determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal e do direito de habitação periódica." 20- E isto porque "o registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário" - cfr. art. 1º do Cód. Reg. Predial.

21- "A falta de registo, ... torna o acto de constituição do condomínio...

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