Acórdão nº 05S2138 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | FERNANDES CADILHA |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório.
"A", com os sinais dos autos, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B - Companhia de Seguros, S. A., com sede em Lisboa, pedindo que se declare que o vínculo estabelecido com ré, a partir de 15 de Junho de 1993, era de contrato individual de trabalho e que a denúncia por esta efectuada, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2000, corresponde a um despedimento ilícito, e que a ré seja condenada, por via disso, na reintegração no seu posto de trabalho, no pagamento de retribuições em dívida e de diferenças salariais correspondentes a férias, subsídios de férias e de Natal, já vencidos e não pagos antes do despedimento.
O autor pediu ainda a condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória de 100.000$00 por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que venha a reconhecer o direito à reintegração no posto de trabalho.
Em sentença de primeira instância, a acção foi julgada procedente, reconhecendo-se que o vínculo existente entre as partes é caracterizável como contrato de trabalho e que o despedimento operado pela ré foi ilícito e, consequentemente, condenando-se a ré a readmitir o autor ao seu serviço e a pagar-lhe a quantia de 162.354,01 €, a título de retribuições em dívida, acrescida de juros de mora à taxa legal. A sentença condenou ainda a ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória, por cada dia de incumprimento da decisão de reintegração, como vinha peticionado, mas cujo valor foi fixado em 200€.
A ré interpôs recurso de apelação em que, para além das questões de qualificação do contrato e da aplicação da sanção compulsória, invocou também que o autor, ao propor a acção, agiu com abuso de direito.
O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso, confirmando inteiramente o julgado, e é contra essa decisão que se insurge agora a ré, mediante recurso de revista, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: 1ª O douto acórdão ora em recurso, na busca de indícios que lhe permitissem qualificar a relação contratual que vigorou entre as partes, sobrevalorizou alguns aspectos da prestação do A., não dando a devida relevância a outros que igualmente mereciam ponderação, como sejam os preliminares do contrato; a designação expressa do documento que titula o contrato como sendo de prestação de serviços; a independência económica do A. em relação à Ré; a actividade do A. para terceiros, fora da prestação a que se vinculou à Ré; a execução consensual do contrato; a emissão de recibos verdes; o gozo de férias remuneradas só pela parte fixa da retribuição, sem direito a subsídio nem retribuição pelas cirurgias; a natureza meramente acessória e instrumental do local da prestação e dos meios e equipamentos utilizados pelo A.; a responsabilização, em exclusivo, do A. pelo tratamento e acompanhamento dos sinistrados que tinha seu cargo, entre outros, são tudo elementos de que se extrai a natureza não subordinada do contrato.
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Por outro lado, não teve em conta que a utilização pelo A. de infra-estruturas disponibilizadas pela Ré, como sejam posto clínico, bloco operatório do Hospital da Ordem Terceira, impressos e instrumentos, bem como o pessoal de apoio, paramédico e de escritório não resultou de uma imposição unilateral da Ré mas sim das condições livremente ajustadas com o A., em todo o caso meramente acessórias e instrumentais da prestação do A.
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Bem como que as instruções ou ordens de serviço que lhe eram conferidas referiam-se apenas a questões burocráticas e ao modo de funcionamento interno dos serviços, ou ainda com critérios de apreciação técnico-científica da observação e tratamento dos sinistrados, com vista à sua uniformização e sem prejuízo da autonomia técnica própria do desempenho profissional do A. nada tendo a ver com a disciplina ou a forma da prestação de trabalho.
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Não se encontrando o A. sujeito a uma estrutura hierarquizada, salvo na estrita medida dos procedimentos burocráticos a observar, tendo absoluta autonomia no desempenho da sua actividade médica, tudo circunstâncias que bem demonstram que a prestação a estava vinculado não era a sua disponibilidade para a Ré em certas horas de certos dias, mas sim a observação, tratamento e cura clínica dos sinistrados que lhe eram indicados pela Ré, sendo urna prestação de resultado, típica do contrato de prestação de serviços.
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Por isso, o douto acórdão julgou o contrato dos autos como sendo subsumível nos artigos 1152° do Código Civil e l° da LCT, quando se integra na disciplina do artigo 1154° do Código Civil, pelo que, tratando-se a relação contratual entre A. e Ré de um contrato de prestação de serviços e não de um contrato de trabalho, não lhe é aplicável a disciplina do Decreto-Lei nº. 64--A/89, nomeadamente a dos seus artigos 3º, n.º 1, 9°, 10°, 12° e 13°, pelo que podia a Ré proceder à sua livre denúncia, sem que seja devida ao A. a reintegração ou indemnização, pelo que deverá ser revogada.
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Acresce que indiciando os autos que nos preliminares e durante a execução do contrato o A. sempre encarou o seu vinculo à R. como de prestação de serviços, não pode agora ver atendida a sua pretensão por constituir um manifesto abuso de direito, na modalidade do «venire contra factum proprium», que o artigo 334º do Código Civil não permite.
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Em todo o caso, a reintegração do A. é um mero efeito do trânsito em julgado da decisão que, nesse sentido, possa vir a ser proferida, ficando as partes automaticamente -vinculadas a todos os deveres e direitos emanentes da relação contratual, como seja, desde logo, o pagamento das retribuições que, no caso, são na ordem dos € 5.500,00 mensais, não havendo lugar á aplicação de sanção pecuniária compulsória ou, se assim se não entender, deverá esta ser reduzida para valores mais consentâneos com a equidade, alvitrando-se quantia não superior a € 50,00, com o que se fará Justiça! Contra-alegou o autor, sustentando o bem fundado da decisão recorrida, e neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer no sentido de ser negada a revista, por considerar que a factualidade dada como assente permite qualificar a relação existente entre as partes como contrato de trabalho subordinado, e que o autor, ao exigir judicialmente os direitos que correspondem a essa qualificação jurídica, não incorre em abuso de direito. Por outro lado, a mesma magistrada entende que se encontram preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 829-A do Código Civil para efeito da condenação da ré na sanção pecuniária compulsória, pelo que, também nessa parte, considera que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto.
As instâncias deram como...
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