Acórdão nº 05S2841 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Leira contra B - Empresa Produtora de Embalagens de Cartão, S.A., pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe o valor correspondente às retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença, alegando, para tanto, que foi ilicitamente despedido, em 27.9.2002, por ser nulo o processo disciplinar, por estar "prescrito" o procedimento disciplinar e por inexistência de justa causa.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada procedente com o fundamento de que os factos imputados ao autor não justificavam o despedimento, tendo a ré sido condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe a quantia de 738,22 euros mensais, a título de retribuição, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida dos respectivos subsídios de férias e de Natal e dos juros de mora.

A ré recorreu da sentença, impugnando a matéria de facto, defendendo a existência da justa causa e alegando que as retribuições intercalares não são devidas desde a data do despedimento, uma vez que a acção não foi instaurada dentro dos 30 dias subsequentes ao mesmo.

O Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando um novo facto àqueles que a 1.ª instância tinha dado como provados, manteve a decisão recorrida no que toca à ilicitude do despedimento, mas alterou a sentença no que toca às retribuições intercalares, por entender que as mesmas só são devidas a partir de 22.8.2003, ou seja, desde o 30.º dia anterior à data da propositura da acção.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs o presente recurso de revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: «

  1. Submetia-se à apreciação do Tribunal a quo a adequação da sanção disciplinar de despedimento aplicada pela Recorrente ao Recorrido e por este questionada quanto ao mérito e fundamento.

  2. Nessa apreciação impunha-se, desde logo, considerar a existência ou inexistência de comportamento ilícito por parte do Recorrido e, apreciada esta, aplicar o Direito, isto é, verificar da subsunção dos factos assentes à previsão do n.° 1 do art. 9.º do Dec. Lei n° 64--A/89.

  3. A matéria de facto assente espelha, com algumas incorrecções que, nesta instância, não serão já analisadas, a prova produzida em Audiência de Julgamento.

  4. Dessa prova resultou inequívoca a demonstração de que o Recorrido pôs em causa, de forma explícita e consciente, a honra e dignidade dos Directores da unidade fabril em que trabalhava, como, aliás, bem considerou o Venerando Tribunal a quo, corrigindo, nesta parte, a douta decisão proferida na 1.ª instância.

  5. A honra e dignidade de qualquer colega de trabalho não pode ser posta em causa por qualquer trabalhador, sob pena de, fazendo-o, violar de forma grosseira, o dever de respeito por esse Colega, tornando prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  6. Tal impossibilidade é, naturalmente, realçada se o Colega do trabalhador for director da empresa onde este trabalha e se, em vez de um foram ofendidos quatro Colegas, Directores.

  7. Ao pôr em causa a honra e dignidade de quatro Directores da Recorrente, colocou, o Recorrido, em xeque (xeque-mate, dir-se-ia!) a autoridade destes e, em consequência, toda a estrutura hierárquica, que necessariamente deve suportar uma relação de trabalho.

    H)Todo o comportamento do Requerido - silêncio no processo disciplinar e descarada e desavergonhada negação dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa nestes autos - define com clareza o carácter do Recorrido e denuncia a incapacidade de se confiar na sua actuação, configurando, no que aos autos respeita, uma verdadeira litigância de má fé.

  8. Os insultos dirigidos pelo Recorrido aos quatro Directores da Recorrente feriram a honra e dignidade destes, não tendo o Recorrido, não obstante ter consciência da falsidade das suas acusações, em qualquer momento manifestado vontade em retratar aquelas imputações.

  9. A circunstância de o Recorrido ser, ao tempo do despedimento, telefonista da Recorrente, por ele passando grande parte dos contactos da Fábrica com o exterior, torna intolerável a consideração feita pelo M.º Juiz a quo de que, tratando-se a Recorrente de uma grande Empresa (onde estão os factos que o suportem?) existiriam poucos contactos entre o Recorrido e aqueles que foram gravemente ofendidos pelas insinuações, torpes e não verdadeiras, do mesmo.

  10. Pretender, como fazem ambas as instâncias, que o facto de o Recorrido trabalhar na Recorrente há mais de vinte e três anos deve constituir elemento inibidor da aplicação da sanção despedimento - enquanto, unanimemente, a Jurisprudência considera tal circunstância irrelevante em caso de verificação de roubo de dinheiro (ainda que pouco!) - é considerar menos grave o comportamento de um trabalhador que "rouba" a dignidade a quatro superiores hierárquicos do que o comportamento do trabalhador que rouba, a um destes directores, cinco cêntimos.

  11. Perante a ofensa da honra e dignidade de quatro dos seus Directores, só por manifesta falta de noção dos efeitos provocados por uma lesão dessa natureza (a lesão da honra é, com frequência, irreversível) se pode admitir via diferente da cessação do contrato de trabalho.

  12. Admitir, como fizeram as instâncias a quo, que o ilícito praticado poderia ser censurado sendo imposta sanção de menor gravidade do que o despedimento e que de tal sanção resultaria até o reforço da autoridade da Recorrente é desconhecer que se está perante a lesão da honra de quatro superiores do Recorrido e que tal ofensa só com o desaparecimento do ofensor da organização da Recorrente pode ser minimamente reparada.

  13. Abordar o ilícito praticado pelo Recorrido - e assente - como um acto de gravidade menor é seguramente menosprezar o direito à honra dos ofendidos pelo comportamento do Recorrido.

  14. Perante tal ofensa, qualquer "Bom Pai de Família" reagiria como fez a Recorrente, despedindo o Recorrido.

  15. Não o tendo feito, teria a Recorrente violado, de forma flagrante, o seu dever de solidariedade e mesmo respeito com os seus Directores, assumindo uma posição de verdadeira conivência com os atentados feitos à honra daqueles.

  16. Não o tendo feito teria a Recorrente violado em concreto os deveres constantes das alíneas a) e ) (parte final) do art. 19.º do Dec. Lei 49.408.

  17. Deveria...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT