Acórdão nº 05S3139 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório O SINDICATO DOS TRABALHADORES DA QUÍMICA, FARMACÊUTICA E GÁS DO CENTRO SUL E ILHAS intentou a presente acção declarativa contra a UFP - UNIÃO DOS FARMACÊUTICOS DE PORTUGAL, CRL, pedindo a condenação da Ré a retirar as máquinas de filmar dos locais de trabalho onde os trabalhadores exercem as suas funções, alegando, em resumo, que a Ré colocou diversas câmaras de filmar/vídeo em todo o espaço onde os trabalhadores exercem as suas tarefas e cuja actividade é assim permanentemente vigiada, com violação dos direitos de imagem consagrados nos artigos 26.º, n.º 1, da Constituição da República, e 70.º e 79.º do Código Civil.

    Tendo sido reconhecida a competência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria, a acção veio a ser julgada improcedente por se ter entendido que a utilização dos meios de vigilância utilizados era lícita, nas circunstâncias do caso, por ter como finalidade a protecção e segurança de bens e não o controlo do desempenho profissional dos trabalhadores.

    Em apelação, a Relação confirmou a sentença recorrida e é contra esta decisão que o autor se insurge mediante recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões: 1.ª A recorrida colocou nas suas instalações 82 câmaras de videovigilância, sendo que 69 estão dirigidas para os postos de trabalho dos trabalhadores de cada turno; 2.ª Estas câmaras registam de forma permanente as tarefas executadas pelos trabalhadores, sendo visionados pelo pessoal da segurança e directores da recorrida; 3.ª A recorrida não foi autorizada pelo CNPD, a colocar as câmaras de vídeovigilância a focalizar os postos de trabalho, mas sim nos corredores, áreas administrativas e outros locais de acesso público; 4.ª O registo contínuo da actividade laboral dos trabalhadores, sem consentimento destes e contra a sua vontade, determina constrangimentos inibidores da sua actividade normal de liberdade, sabendo-se visionados, e no conhecimento de que tais registos são para avaliar a sua capacidade profissional, comportamental ou da personalidade; 5.ª Os registos da forma como são efectuados, mostram-se desajustados à protecção dos bens, pois as câmaras foram instaladas nos locais de trabalho não autorizados pelo CNPD, demonstrando a recorrida um comportamento eivado de má fé e de abuso do direito.

    6.ª Os meios de videovigilância de 69 câmaras visionando e registando a actividade laboral dos trabalhadores, são manifestamente desajustados aos fins pretendidos pela recorrida, sendo excessivos, colidindo com os direitos de cidadania, por restringirem as liberdades e garantias, ínsitas nas normas constitucionais; 7.ª O princípio da proporcionalidade visa acautelar os excessos, devendo limitar-se quanto à sua extensão aos meios estritamente necessários aos interesses a proteger, respeitando os direitos e liberdades dos cidadãos ou dos trabalhadores; 8.ª Os ordenamentos jurídicos dos membros da comunidade europeia, apontam para o usos dos meios de vigilância proporcionais aos fins a proteger, acautelando os direitos de cidadania; 9.ª O sistema de videovigilância, tal como está montado nas instalações da recorrida, viola frontalmente as normas dos arts. 16.º, 18.º e 26.º da CRP e os arts. 79.º e 80.º do CC, configurando-se ainda o abuso do direito, art. 334.º do CC; 10.ª O douto acórdão tem de ser revogado e substituído por aresto, pelo qual se ordene a desmontagem das câmaras de videovigilância que filmam e fiscalizam de modo permanente os trabalhadores nos seus postos de trabalho.

    A Ré contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado, e a Exm.ª Magistrada do Ministério Público pronunciou-se igualmente no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    Colhidos os vistos dos Exmos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

  2. Matéria de facto As instâncias deram como assente a seguinte factualidade: 1.) A A. é uma associação sindical.

  3. ) A R. dedica-se à actividade de armazenista de produtos farmacêuticos.

  4. ) A R. tem ao seu serviço 177 trabalhadores.

  5. ) A R. colocou câmaras de filmar/vídeo em todo o armazém, as quais são colocadas em ângulo de forma a abranger todo o espaço onde os trabalhadores exercem as suas funções, incidindo sobre os mesmos.

  6. ) As tarefas que os trabalhadores exercem estão a ser permanentemente filmadas e gravadas.

  7. ) Existem monitores que visualizam todos os locais de trabalho e os trabalhadores estão permanentemente sob vigia e observação do operador das câmaras.

  8. ) A instalação das câmaras pela R. efectuou-se sem o consentimento dos trabalhadores.

  9. ) Antes da implementação do sistema de videovigilância, a R. via-se confrontada com furtos de medicamentos e demais produtos que comercializa.

  10. ) Sendo que muitas dessas situações eram perpetradas por pessoas que se encontravam devidamente autorizadas pela R. para se encontrarem no interior das suas instalações.

  11. ) O desaparecimento de produtos trazia inevitáveis reflexos negativos para a situação económico-financeira da R.

  12. ) Os medicamentos são produtos que não são de uso generalizado e indiscriminado por todos e de comercialização livre.

  13. ) Os medicamentos carecem, muitos deles, de prescrição e acompanhamento médico para poderem ser administrados.

  14. ) Os medicamentos são produtos perigosos e cuja comercialização se encontra sujeita a normas para defesa da saúde pública.

  15. ) A R. notificou, em 2000.06.05, a CNPD para efeitos de obter a legalização do tratamento e recolha de imagens com vista à segurança de instalações, equipamentos, medicamentos e outros produtos de venda em farmácia.

  16. ) Tendo sido indicados como locais abrangidos pelas câmaras as seguintes áreas: o armazém de produtos farmacêuticos, corredores e recepção, áreas administrativas, ante-sala dos Servers, sala de tesouraria, sala UPS´s e corredor externo entre área administrativa e refeitório.

  17. ) No interior do armazém, existe um letreiro visível e perceptível, afixado na parede com o seguinte texto: "Para sua segurança local sob vigilância vídeo".

  18. ) As imagens são processadas pela "S...", a qual se dedica ao exercício da actividade de segurança privada.

  19. ) A gravação das imagens é conservada pelo período de 5 dias, sem que haja qualquer tratamento posterior de tais dados.

  20. ) Só a empresa de segurança e os directores da R. têm acesso às imagens.

  21. ) Não há transmissão de dados e os mesmos só podem ser utilizados nos termos da lei penal.

  22. ) Mediante requisição fundamentada por escrito ao responsável pelo tratamento dos dados, os titulares dos dados podem exercer o direito de acesso e rectificação aos dados que lhe respeitem.

  23. Fundamentação de direito.

    A única questão a dirimir é a de saber se é lícito à recorrida manter em funcionamento as câmaras de filmar/vídeo que instalou no seu armazém de produtos farmacêuticos ou se essa instalação viola de modo inadmissível os direitos de personalidade dos trabalhadores que aí laboram, mormente na perspectiva da protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e do direito à imagem.

    O direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem encontram-se protegidos constitucionalmente, a par de outros direitos fundamentais, no n.º 1 do artigo 26º da Lei Fundamental, e o respectivo âmbito de tutela está igualmente concretizado nos artigos 79º e 80º do Código Civil.

    O reconhecido efeito horizontal dos direitos...

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