Acórdão nº 05S480 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução25 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho proposta por A contra a Sociedade B, L.da, o autor pediu: a) que fosse reconhecido que as partes estão vinculadas por um contrato de trabalho que vigora desde Novembro de 1990; b) que fosse anulado, por erro, o acordo de cessação de prestação de serviços entre elas celebrado em 31.12.99; c) que a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com todos os direitos adquiridos; d) que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 15.104.810$00 (sendo 769.200$00 de diuturnidades, 5.005.122$00 de trabalho nocturno prestado nos anos de 1990 a 1999 e 9.330.488$00 de trabalho suplementar prestado nos últimos cinco anos, de 1.1.96 a 31.12.99), acrescida do subsídio de refeição devido pelos dias de trabalho que prestou, a liquidar em execução de sentença; e) que a ré fosse condenada a pagar-lhe os juros de mora que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento.

Em resumo, o autor alegou que começou a trabalhar para a ré, como jornalista, na redacção do jornal "A Bola", em Outubro de 1990, em regime de contrato de trabalho, embora a ré o considerasse um mero prestador de serviços. No final de 1999, na sequência de uma intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho, a ré decidiu fazer cessar a relação de trabalho que com ele mantinha e começou pressioná-lo nesse sentido, propondo-lhe, inclusivamente, o pagamento de uma compensação de 1.000.000$00. Perante essa insistência e embora não tivesse qualquer interesse em deixar de trabalhar para a ré, acabou por aceitar a compensação proposta, convencido de que nada mais tinha a receber e assinou uma declaração de quitação que lhe foi apresentada pela ré e que esta lhe exigiu que assinasse como condição de pagamento daquela compensação, tendo deixado de trabalhar para a ré em 1 de Janeiro de 2000. Em data posterior à da assinatura da referida declaração, veio a saber que a relação que tinha mantido com a ré devia ser considerada como sendo um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços, tendo, por isso, agido em erro acerca da verdadeira natureza do contrato, ao ter cessado a prestação de trabalho nas condições impostas pela ré e ao ter assinado a declaração de quitação que lhe foi apresentada, pois se soubesse que estava vinculado por um contrato de trabalho não teria concordado com as condições que lhe foram impostas e teria reclamado todos os seus direitos. Em consequência disso, o acordo feito em 31 de Dezembro de 1999 deve ser anulado, dando-se sem efeito a respectiva declaração de quitação, nos termos do art.º 251.º do C.C. e, em conformidade, deve considerar-se que o contrato de trabalho se mantém em vigor, tendo ele o direito a ser reintegrado o seu posto de trabalho, com todos os direitos adquiridos.

Alegou, ainda, que a ré nunca lhe pagou as diuturnidades a que tinha direito nos termos do CCT aplicável, publicado no BTE n.º 24, de 29/6/86, com alterações publicadas no BTE n.º 20, de 9/5/91 e no CCT publicado no BTE n.º 24, de 29/6/93, com alterações publicadas nos BTE's n.º 41, de 8/1/94 e n.º 25, de 8/7/98 (uma diuturnidade por cada três anos de permanência na mesma categoria, até ao limite de cinco); que o horário de trabalho que estava obrigado a cumprir (das 15 às 01 horas) implicava não só a prestação diária de cinco horas de trabalho nocturno (depois das 20 horas) que devia ser pago com o acréscimo de 25%, mas também a prestação de 3 horas de trabalho suplementar, por dia, por exceder o período normal de trabalho de 35 horas semanais previsto nas convenções colectivas aplicáveis, sendo certo que ele não beneficiava de isenção de horário de trabalho, ao contrário do que acontecia com a maioria dos jornalistas ao serviço da ré, trabalho suplementar esse que, nos termos das referidas convenções colectivas, devia ter sido pago com o acréscimo de 100%; que a ré pagava aos seus trabalhadores um subsídio de refeição por cada dia de trabalho, que em 1996 era de 1.163$00, mas que ele nunca beneficiou desse subsídio.

A ré defendeu-se por excepção, invocando a incompetência material do tribunal e a remissão abdicativa contida na declaração de quitação subscrita pelo autor em 31.12.99) (1) e defendeu-se por impugnação, alegando que o autor não foi pressionado a assinar a referida declaração, tendo-o feito voluntária e conscientemente, sem que tenha incorrido em qualquer erro que, a existir, só seria relevante se as partes tivessem reconhecido, por acordo, a essencialidade do erro (art. 252.º do C.C.), o que não se verifica nem foi alegado. Alegou ainda que a lei) (2) estabelece um regime especial para o trabalhador revogar a sua declaração de cessação do contrato de trabalho, de modo a precaver situações de pressão ou de erro, nos termos do qual o autor não podia anular ou revogar aquele declaração decorridos que fossem mais de dois dias úteis sobre a data da mesma e teria de pôr à disposição da ré a importância que dela recebera, sendo certo que o autor não respeitou aquele prazo de dois dias nem pôs à disposição da ré aquela importância, não podendo, por isso, invocar a invalidade da declaração da cessação do contrato, não só porque não se verificavam os pressupostos do erro, ma também porque não se verificava o condicionalismo do art. 1.º da Lei n.º 38/96.

Finalmente e à cautela, a ré alegou que o autor não tinha direito a diuturnidades, uma vez que a importância que mensalmente recebia era superior aos mínimos legais; que não tinha direito ao suplemento nocturno, não só porque não tinha horário de trabalho, mas também porque a convenção colectiva aplicável, dada a especificidade da imprensa diária, como era o seu caso, não previa o pagamento de retribuição especial pela prestação de trabalho nocturno; que não tinha direito a retribuição por trabalho suplementar, porque não tinha horário de trabalho e porque o pagamento do trabalho suplementar só é exigível quando a sua prestação tiver sido expressa e antecipadamente ordenada pelo empregador ) (3), facto que o autor não alegou; que não tinha direito ao subsídio de refeição, porque não tinha horário de trabalho, porque a convenção colectiva aplicável não obriga a tal e porque não tinha direitos iguais aos dos trabalhadores a tempo inteiro e com dedicação exclusiva; que não tinha direito à reintegração, não só porque o vínculo não tinha natureza laboral, mas porque, mesmo que tivesse, teria cessado por acordo em 31.12.1999, conforme a Declaração assinada pelo autor (doc. junto com a p.i. com o n.º 41). Além disso, diz a ré, o contrato de trabalho, a existir, teria de ser considerado a termo, por força do disposto no art. 5.º, n.º 2 da LCCT, uma vez que, em 1999, o autor já tinha completado 70 de idade.

A excepção da incompetência material foi julgada improcedente, no despacho saneador e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando improcedente o pedido de anulação da Declaração assinada pelo autor e o pedido de reintegração) (4), bem como o pedido de pagamento de diuturnidades) (5), julgando procedentes os pedidos referentes à natureza laboral do contrato e aos créditos reclamados a título de trabalho suplementar, nocturno e ao subsídio de refeição) (6), declarando-se que as partes estão vinculadas por um contrato de trabalho que vigora desde Novembro de 1990 e condenando a ré a pagar ao autor as quantias que se apurarem em liquidação de sentença, relativas ao trabalho suplementar prestado entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro de 1999, ao trabalho nocturno realizado desde Novembro de 1990 a 31 de Dezembro de 1999 e ao subsídio de refeição referente aos dias de trabalho prestados desde Novembro de 1990 a 31 de Dezembro de 1999, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa legal.

A ré recorreu, sustentando a validade da declaração de quitação como remissão abdicativa e defendendo, caso assim não se entenda, que o autor não tinha direito aos créditos que lhe foram reconhecidos na sentença.

O autor também recorreu, embora subordinadamente, por entender que a declaração negocial contida da declaração de quitação devia ser anulada por erro e por entender que tinha direito às diuturnidades.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgado totalmente improcedente o recurso do autor e parcialmente procedente o recurso da ré no que toca aos créditos referentes à prestação de trabalho suplementar.

Inconformada com a decisão da Relação, a ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: «I - Constitui uma clara contradição, para além da falta de base legal, dizer-se, no douto acórdão, que a declaração do A. não pode valer como remissão abdicativa válida por o credor (A.) não ter tido "a consciência não só da existência do crédito, como da sua natureza jurídica e, por outro lado, afastar-se o erro por falta dos pressupostos necessários.

II - O douto acórdão recorrido considera inválida a declaração abdicativa do A. e afasta a aplicação do regime do erro por falta dos pressupostos, mas não qualifica qual o vício de que padece a declaração, nem indica o sentido em que a mesma deverá ser interpretada.

III - Tratando-se de um problema de interpretação da declaração do A., caímos necessariamente na teoria da impressão do declaratário.

IV - Em face da matéria dada como provada, qualquer declaratário normal interpretaria a declaração do A. de 31/12/99 como compreendendo, em conjunto, a cessação do contrato que ligou as partes, independentemente da sua natureza, o pagamento de uma compensação pecuniária global e a remissão abdicativa, formando em conjunto um acordo que não pode deixar de ser interpretado, como um acordo de transacção, conforme previsto no art. 1.248.º do Cód. Civil.

V - Em todas as transacções as partes têm dúvidas e incertezas quanto à qualificação dos factos e aos direitos que se arrogam, mas preferem pôr termo ao litígio, com cedências recíprocas, através do contrato de transacção.

VI -...

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