Acórdão nº 06S012 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução10 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 28 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo: (a) seja declarada a nulidade do contrato de trabalho a termo celebrado em 8 de Fevereiro de 2002, condenando-se a ré a reconhecer que a autora foi naquela data contratada por tempo indeterminado; (b) caso assim se não entenda, seja a autora considerada como contratada por tempo indeterminado, porque não assegurava necessidades transitórias de serviço da ré, mas sim permanentes; (c) se assim se não entender, seja declarado que, a partir de 8 de Agosto de 2002, a autora foi contratada pela ré por tempo indeterminado, declarando-se a nulidade da adenda aposta no verso do contrato, dado que tal contrato já havia sido denunciado pela ré por carta de denúncia que operou os seus efeitos; (d) declarando-se, assim, a ilicitude do despedimento da autora operado pela ré com a entrega de ofício em 6 de Dezembro de 2002; (e) seja a ré condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade; (f) seja a ré condenada a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento e até à decisão final, tudo acrescido com juros de mora à taxa legal.

Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré, para exercer as funções de carteiro, mediante contrato de trabalho a termo certo de seis meses, celebrado em 7 de Fevereiro de 2002, referindo-se como motivo justificativo a contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, tendo a autora declarado que nunca tinha sido contratada por tempo indeterminado, mas tal declaração não correspondia à verdade, o que era do conhecimento da ré.

Subscreveu o contrato naqueles termos porque os mesmos não lhe foram explicados e também porque tinha a expectativa de que, ao assinar aquele contrato, passaria de seguida para os quadros permanentes da empresa, uma vez que já tinha efectuado testes psicotécnicos por determinação da ré.

Antes do termo do contrato, a ré enviou-lhe uma carta registada a informá-la de que o mesmo não seria renovado; porém, em 8 de Agosto de 2002, foi chamada para se apresentar ao serviço porque o seu contrato iria ser renovado, tendo sido aditado nesse mesmo dia ao verso do contrato já denunciado pela ré uma «adenda» para prorrogar o mesmo por mais 4 meses, na qual se consignou que a autora iria suprir necessidades de serviço, em virtude da substituição de carteiros em férias e também porque a autora, por motivos alheios à sua vontade, ainda não tinha encontrado emprego compatível com a sua formação profissional.

O certo é que não substituiu qualquer carteiro em férias, assim, o termo invocado na prorrogação do contrato não foi cumprido, por tal motivo deve declarar--se que a autora foi contratada sem termo e por tempo indeterminado, sendo nula a «adenda» aposta no verso do contrato.

Em 6 de Dezembro de 2002, foi-lhe entregue, em mão, uma carta datada de 15 de Novembro de 2002, informando-a de que o seu contrato terminaria em 7 de Dezembro de 2002, o que consubstancia um despedimento ilícito, por inexistência de justa causa e sem precedência de processo disciplinar, já que tinha adquirido a qualidade de trabalhadora permanente da ré, desde 8 de Agosto de 2002.

A ré contestou, sustentando, a validade do termo aposto no contrato de trabalho e na respectiva «adenda», bem como a licitude da cessação do contrato.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a ré: (a) a reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 7 de Fevereiro de 2002; (b) a reconhecer que a comunicação de 15 de Novembro de 2002, recebida em mão pela autora, consubstancia um despedimento ilícito, com efeitos desde 7 de Dezembro de 2002; (c) a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, com a antiguidade reportada a 7 de Fevereiro de 2002 e a categoria profissional de carteiro (CRT), e a pagar à autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, nos termos constantes da respectiva parte dispositiva.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão da primeira instância e absolvendo a ré do pedido, sendo contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: 1.ª O documento que constitui o contrato inicial, datado de 7.2.2002, foi elaborado pela recorrida e entregue à recorrente para assinatura; trata-se de um contrato a termo certo (6 meses) celebrado nos termos da alínea h) do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, com início em 8.2.2002; 2.ª A expressão, «[...] nunca ter sido contratado por tempo indeterminado», foi criada pelo Decreto-Lei n.º 257, de 21.8.86, para definir o que se devia entender por trabalhador à procura de primeiro emprego, mas, à data da assinatura do contrato, o conceito de trabalhador à procura do primeiro emprego era o constante na Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, que não coincide com aquela expressão atribuída à recorrente, nem os CTT deram por isso, quanto mais a recorrente; 3.ª Há a considerar que, à data da celebração do contrato inicial, vigorava a Lei n.º 18/2001, que impunha à recorrida (e não à recorrente) o ónus da prova «dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo...» (artigo 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 64-A/89); 4.ª Assim, se a recorrente preenchia ou não as condições para celebrar um contrato a termo certo à luz da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 cabia à recorrida curar de o saber antes de a contratar, se o não fez, sibi imputet, havendo, por parte dos CTT, culpa in eligendum e culpa in contrahendum e não da recorrente, que agiu de boa fé, não podendo atribuir-se a esta o venire contra factum proprium; 5.ª O contrato inicial podia legalmente ser renovado por duas vezes, mas não o foi uma vez que a recorrida comunicou atempadamente a vontade de não o renovar; assim, tal contrato caducou, extinguiu-se, ao fim de seis meses, em 8.8.2002, e se já não tinha existência jurídica, jamais podia ser «prorrogado», como se refere na «adenda» de 8.8.2002, acrescentada no verso do documento que constituiu o contrato inicial; se prorrogar é sinónimo de renovar, então tal contrato não podia ser prorrogado, porque extinto, e muito menos por um período superior a 6 meses como é o caso da «adenda» (4 meses), por a isso se opor o artigo 46.º, n.º 2, do D.L. n.º 64-A/89, que assim se mostra violado, pela decisão recorrida, nem para fins diferentes - é alínea h) versus alínea a) do artigo 41.º, n.º 1, do D.L. n.º 64-A/89, como se diz na referida «adenda», que assim também foi violado pela decisão recorrida -, pelo que, tal «adenda» constitui um novo contrato a termo certo, com o fim específico da recorrente substituir 8 carteiros (concretamente indigitados) durante as férias destes; 6.ª Porém, nunca a recorrente, nesse período de 4 meses, substituiu qualquer carteiro em gozo de férias, pois, continuou a executar as mesmas funções que sempre exerceu, com a mesma remuneração; assim, a referida «adenda», não podendo ser tida como renovação/prorrogação do contrato inicial, consubstancia um novo contrato a termo certo que, na prática, nunca foi posto em execução; havendo clara divergência entre os motivos invocados na «adenda» e as funções desempenhadas pela recorrente nesse período de 4 meses, tal desconformidade implica que se considere a recorrente trabalhadora efectiva da recorrida a partir, pelo menos, de 8 de Agosto de 2002.

    Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a conduta da autora consubstancia um evidente abuso de direito, pelo que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002, não pode considerar-se como contrato sem termo, e que, por outro lado, a «adenda» em questão configura um novo contrato de trabalho, verificando-se assim uma celebração sucessiva de contratos de trabalho a termo para o exercício das mesmas funções e para a satisfação das mesmas necessidades da ré, o que acarreta a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo, nos termos do n.º 1 do artigo 41.º-A da LCCT, pelo que, a revista deve ser parcialmente concedida, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  2. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas reconduzem-se a ajuizar: - Se é ou não válida a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 7 de Fevereiro de 2002; - Se a autora agiu com abuso de direito; - Se a «adenda» firmada, em 8 de Agosto de 2002, configura a renovação do anterior contrato de trabalho a termo ou antes um novo contrato de trabalho, e qual o valor jurídico da estipulação do respectivo termo; - Se a comunicação da não renovação do contrato de trabalho dirigida pela ré à autora consubstancia ou não um despedimento ilícito.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: A) Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, a ré e a autora celebraram por escrito o contrato de trabalho a termo certo de seis meses, em 7 de Fevereiro de 2002 e com início no dia seguinte, conforme documento subscrito por ambas as partes, junto em cópia a fls. 5 e aqui dado por integralmente reproduzido, com os seguintes dizeres: «CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO Empresa-A, com sede na Rua S. José, n.º ..., 1166-001 Lisboa...

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