Acórdão nº 97P1151 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 1997 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARLINDO COSTA
Data da Resolução30 de Outubro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Assento 8/99 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, reunido em Pleno: A, arguido, requereu recurso extraordinário, nos termos do artigo 437 do Código de Processo Penal, para fixação de jurisprudência, por entre os acórdãos da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1993 (acórdão fundamento) e da Relação de Évora de 23 de Abril de 1996 (acórdão recorrido, ambos transitados, haver contradição sobre a questão da legitimidade do assistente, desacompanhado do Ministério Público, relativamente ao seu pedido concernente à espécie ou medida da pena. Este Supremo, por acórdão interlocutório, julgou verificada a oposição. Apenas se pronunciaram o Ministério Público e o requerente, ambos no sentido de se negar legitimidade ao assistente, se desacompanhado do Ministério Público (se bem que este, por se reportar ao caso concreto, com formulação diferente), para recorrer quando esteja em causa apenas a medida ou espécie da pena. Colhidos os vistos. Decidindo: 1. - Mantém-se os pressupostos relativos a este recurso, havendo efectivamente contradição sobre a mesma questão fundamental entre os acórdãos, ambos transitados da Relação e proferidos no domínio da mesma legislação. Não está em crise a legitimidade do assistente, desacompanhado do Ministério Público, no concernente à natureza condenatória ou absolutória da decisão de que recorre nem quanto à divergência sobre a qualificação jurídico-penal operada na mesma decisão. Questiona-se aquela apenas quando o objecto do recurso for ou onde seja a discordância em relação à espécie ou à medida da pena aplicada. A solução ali e aqui terá de ser concordante se a unidade do sistema jurídico o impuser (CC - 9, 1). Caso contrário e a tal não se opondo os princípios informadores do processo penal (CPP - 4), nada obsta a possam divergir, ainda que frontalmente. 2. - Os Tribunais Superiores têm adoptado, a este respeito, fundamentalmente, 3 posições: - afirmando a legitimidade do assistente; - negando-a; e - admitindo-a apenas se, in casu, houver um concreto e próprio interesse em agir. 3. - Se a solução dependesse da antinomia: justiça pública-vindicta privada ou se, em última instância, o comportamento do assistente se puder, em concreto, reconduzir a essa antinomia a resposta seria linear, por a nossa lei privilegiar, desde antanho, aquela. Identicamente, para quem confunda interesse em agir com legitimidade ou nela o considere integrado (mas essa não é a posição da nossa lei - artigo 401-2 CPP) a resposta não sofre dificuldade - só em princípio, pois não só a própria noção de interesse em agir como a eficácia do caso julgado podem ainda assim evidenciar-lhes que aquele goza de uma certa autonomia face a esta. A questão não se apresenta com essa linearidade. Em vão, por outro lado, se procurará no direito comparado contributos para o problema (o próprio Fig. Dias indirectamente o reconhece - cfr. RDES XIII/40). Apenas à lei processual penal portuguesa haverá que atender e tendo sempre presente quer a unidade do sistema jurídico quer os princípios informadores daquela disciplina. 4. - No nosso processo penal, a titularidade (exclusiva) da acção penal pertence ao Ministério Público (CRP - 221, 1; CPP - 48; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 1990, in Rev. MP, ano 11, n. 41, página 73, ocupando o assistente uma posição de colaborador, cuja actividade é subordinada à daquele (CPP - 69). O actual CPP veio assinalar, de forma particularmente vincada, que a posição do assistente é, no campo processual penal, a de mero auxiliar do Ministério Público. Todavia, não há que concluir (quod erat demonstrandum) que no exercício da acção penal quis o legislador constitucional incluir toda a problemática relativa à determinação da espécie ou da medida da pena. Uma tal demonstração resolveria imediatamente o problema da interpretação dos artigos 69-1 e 2 alínea c) e 401-1 alínea b) e 2, do CPP que teria de lhe estar subordinada, ou seja, não poderia contrariar a exclusividade cometida ao Ministério Público. Um eventual reconhecimento da legitimidade do assistente no caso sub iudice nada retira (e nada acrescenta, diga-se), em princípio, ao facto de o exercício da acção penal ser "a função própria e mais importante" do Ministério Público. E o princípio da legalidade da acção penal não será sequer beliscado se for de perfilhar a tese que mitiga a negativa pela consideração, em concreto, do interesse em agir. 5. - "Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvo as excepções da lei. Compete em especial aos assistentes: Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito" (CPP - 69, 1 e 2 alínea C)). "Têm legitimidade para recorrer: ... o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir" (CPP - 401, 1 alínea b) e 2). O processo penal não pode ser entendido como um corpo fechado em que as suas decisões não importem reflexos noutros campos de direito que não os estritamente penais (reflexos a manifestarem-se no próprio processo em curso, mas em matéria não-penal, ou em processo de outra natureza). Por outro lado e em relação ao problema que ora nos ocupa, não pode o intérprete desligar-se quer da natureza do crime quer da posição que o assistente tomou ao longo do processo, desde logo, se ou não acompanhou a acusação deduzida pelo Ministério Público. 6. - A medida da culpa é o limite máximo da medida da pena. Se o assistente tiver ficado vencido quanto à matéria da culpa (considerar a decisão, v.g., que concorreu culposamente para a produção do facto ou para o agravamento das suas consequências) e houver pedido cível deduzido, ao assistente interessa demonstrar que a culpa do arguido deve ser graduada em percentagem superior ou mesmo que é exclusiva ou, inclusive, que foi grosseira. E, a sê-lo, embora tal se vá reflectir no pedido de indemnização pelo dano causado pelo ilícito penal, não sofre dúvida que comporta uma carga "mais" em relação ao que vinha estabelecido, razão, por que, nos termos do artigo 72 - 1 e 2 do Código Penal, provocará um mais forte juízo de censurabilidade que se irá traduzir num agravamento da pena. Mas o interesse na definição e graduação da culpa não se reduz apenas à responsabilidade civil (CC - 494, 497 e 570, entre outros), importando ainda a outros campos dos quais se destacam a atribuição do direito ao arrendamento e os direitos de família. 7. - O que ficou referido importa, quando o reflexo a ter seja em processo não-penal, que se possa considerar indiscutível o decidido por força do caso julgado. Sobre esta matéria, pronunciou-se recentemente este Supremo em dois acórdãos (vd. um de 27 de Abril de 1995, in B. 446/158; outro, de 3 de Junho de 1997, no processo n. 816/96, 1. secção), sendo deles as seguintes considerações: O Código de Processo Penal de 1987, contrariamente ao Código de Processo Penal de 1929, não disciplina o caso julgado penal salvo no seu reflexo no pedido cível. No que não for contrariado pelo processo penal ter-se-á de se procurar a sua regulamentação no processo civil (a terem-se como revogadas as disposições respectivas do Código de Processo Penal de 1929 pela norma do artigo 2 - 1, do decreto-lei 78/87, de 17 de Fevereiro, como pressupondo a revogação global desse Código de Processo Penal; se, porém, se atentar no artigo 4 do Código de Processo Penal de 1987, muito embora as normas se devam considerar revogadas, é legítimo fazê-las reviver não por si, mas nos princípios que as informavam os quais mantêm uma plena actualidade). Beleza dos Santos, anotando o acórdão de 9 de Junho de 1933 (in RLJ 66/135 e seguintes, considerava, como requisitos para que esta excepção se pudesse verificar, simultaneamente a tripla identidade (de objecto, de litigantes ainda que esta pudesse não ser perfeita e de fundamentos). Esta excepção tem uma função negativa pois impede a renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cavaleiro de Ferreira, in Curso PP III/36 e seguintes, e Eduardo Correia, in Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, página 7). Mas renovar em relação a quem? Tratando-se de caso julgado sobre questões prejudiciais, no seu reflexo no processo penal, ensinava Cavaleiro de Ferreira (op. cit., página 57) que não havia demarcação pelos limites subjectivos. Tratando-se de caso julgado penal, havia divergência em relação à comparticipação (CPP de 1929 - 149 a 151) e daí a necessidade desses artigos 149 e 150 serem explícitos, decidindo que se verificava a identidade, ainda que ao agente fosse atribuída comparticipação de diversa natureza, não sendo pois extensivo a terceiros (Cavaleiro de Ferreira, op. cit., página 54). Tratando-se de sentença penal absolutória, além daquelas disposições, não se podia deixar de ter presente o artigo 154 (sobre este, além dos autores já citados, cfr. Figueiredo Dias, in RLJ 107/123), pois que uma tal absolvição não podia resolver interesses diferentes. Renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cavaleiro de Ferreira e Eduardo Correia, embora tendo a identidade do facto como pressuposto do caso julgado material, concebiam-na diferentemente, aquele numa base naturalística a este segundo um critério teleológico), ainda que o objecto do novo processo seja mais restrito do que o facto apreciado na anterior sentença transitada. Se absolutória por falta de tipicidade ou extinção da acção impede nova acção contra quem quer que fosse (no CPP de 1929 - artigo 148). Em processo civil (CPC - 498, 2), a diversidade de posição processual não obsta à identidade de sujeitos. Em processo penal, é necessário atentar nela, pois que se implicar postergar o direito de defesa ou tão só a sua limitação, impede que se verifique este requisito do caso julgado. Subjacente a toda esta problemática sempre o princípio que, de uma forma mais explícita se consagra no processo civil (CPC - 673) - para...

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