Acórdão nº 98P953 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Janeiro de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA GUIMARÃES
Data da Resolução07 de Janeiro de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Perante tribunal colectivo na Comarca de Monção, respondeu, em processo comum, o identificado arguido A, acusado, pelo Ministério Público, da prática, em autoria material e concurso real, de um crime de burla agravada na forma continuada, previsto e punido nos artigos 313 e 314, alíneas a) e c), do Código Penal de 1982 (presentemente enquadráveis nos artigos 217, n. 1 e 218, ns. 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal revisto), de um crime de falsificação, previsto e punido no artigo 228, n. 1, alínea a), 2 e 3 do Código Penal de 1982 (presentemente enquadrável no artigo 256, n. 1, alínea a), 3 e 4, do Código Penal revisto) e de um crime de peculato, previsto e punido no artigo 424, n. 1, do Código Penal de 1982 (presentemente enquadrável no artigo 375, n. 1, do Código Penal revisto). Deduziu, ainda, o Ministério Público, pedido cível de indemnização, impetrando o pagamento por banda do arguido, aqui demandado, da quantia global de 45477900 escudos (quarenta e cinco milhões, quatrocentos e setenta e sete mil e novecentos escudos), acrescida de juros, parte da qual correspondente a valor apropriado pelo arguido e outra parte a juros já vencidos. Realizado que foi o respectivo julgamento, veio o arguido a ser condenado, como autor material e em concurso real, pela prática dos seguintes crimes, na forma continuada, entendendo o tribunal como sendo concretamente mais favorável ao sobredito arguido, face ao artigo 2, n. 4, do Código Penal, o regime definido no Código Penal revisto (de 95): De um de burla agravada, previsto e punido nos artigos 217, n. 1 e 218, ns. 1 e 2, alínea a), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; De um de falsificação, previsto e punido no artigo 256, ns. 1, alínea a), 3 e 4, na pena de 3 (três) anos de prisão; De um de peculato, previsto e punido no artigo 375, n. 1, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. Operado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, obtida foi, nela ficando o arguido condenado, a pena única de 6 (seis) anos de prisão. Mais decidiu o Colectivo julgar parcialmente procedente o pedido cível formulado, assim condenando o arguido a pagar ao Estado - Ministério da Educação - Escola C+S de Tangil, a quantia de 19392865 escudos e 50 centavos (dezanove milhões, trezentos e noventa e dois mil, oitocentos e sessenta e cinco escudos e cinquenta centavos) acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento. Inconformado com a decisão, desta recorreu o arguido, concluindo a sua motivação, da seguinte forma: A actividade delitiva do arguido decorreu ao longo de dez anos, sendo os factos praticados sistematicamente e quase diariamente; A actividade do arguido decorreu por forma homogénea, uniforme, essencialmente igual, pelo recurso aos mesmos procedimentos; A mesma actividade delitiva teve sempre como "pano de fundo" a sua condição de funcionário público (tesoureiro e chefe dos Serviços Administrativos); A actividade do arguido visou a apropriação ilegítima, em proveito próprio, do dinheiro do Estado, pelo recurso à falsificação de documentos; Nestas circunstâncias deverá apenas considerar-se o preenchimento de um único tipo de crime quando "concorra" o peculato com a burla e a falsificação de documentos - proibição de acumulação - protegido o mesmo bem jurídico, o património; A medida abstracta da pena de peculato - artigo 375, do Código Penal - é maior do que a medida abstracta da pena de burla - 217, do Código Penal - que só foi agravado pelo facto de o agente ser funcionário público circunstância característica do peculato, e o valor ser consideravelmente elevado; Foram violados os princípios "ne bis in idem" e "lex consumenis derrogat lex consumatae"; O crime de peculato consome o de burla e falsificação. Violaram-se as normas dos artigos 217, n. 1, 218, ns. 1 e 2, alínea a) e 375, n. 1, do Código Penal, bem como o artigo 30, n. 2, do mesmo Código; Invoca-se, por cautela, que não foram considerados os perdões previstos nas Leis ns. 15/94, de 11 de Maio e 23/91, de 4 de Julho, pelo que foram elas violadas; As penas mostram-se exageradas face às particulares circunstâncias da conduta do arguido; O acórdão recorrido violou, assim, por erro de interpretação, as normas legais supracitadas; Deve ser revogado e substituído por outro que condene o arguido na forma que vem requerida, com a diminuição da pena pela óbvia verificação de um único crime praticado pelo arguido. Contramotivou o digno magistrado do Ministério Público, assim se sintetizando conclusivamente a sua resposta: Os bens jurídicos protegidos com a criminalização das condutas subsumíveis aos crimes pelos quais o arguido foi condenado são necessariamente diferentes; Por isso, a conduta das outras é subsumível aos três tipos constantes da decisão, na sua forma continuada e pelos fundamentos da dita decisão; Estando-se em presença de factos que se prolongaram no tempo, por dez anos, muito para além do período temporal abrangido por qualquer lei de clemencia, de amnistia ou perdão, precisamente pela própria natureza das coisas - crime continuado e não concurso real ou efectivo de infracções - por isso a censurar nos termos do artigo 79, do Código Penal, é de concluir que daquelas benesses não pode usufruir o arguido; As condições pessoais do arguido, gravidade da actuação, prática reiterada, posição concreta do recorrente no decurso do julgamento, não aceitando assumindo de um modo integral a sua responsabilidade, as prementes necessidades de reprovação/punição e ainda de prevenção geral e especial, são sinais seguros de que o tribunal, na fixação da pena em concreto, agiu com ponderação, determinando pena equilibrada; Deve ser mantida a decisão impugnada. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, promoveu o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto que se designasse dia para a realização de audiência. Recolhidos que foram os legais vistos, procedeu-se a julgamento com estrita obediência ao formalismo exigido. Cabe, então, apreciar e decidir. A tanto se passa. Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se em função das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação: segue daqui que o do ora interposto se circunscreve a aventar a violação dos princípios "ne bis in idem" e "lex consumenis derrogat lex consumatae", face aos tipos de ilícito considerados e à natureza dos interesses jurídicos por eles violados (pelo que o crime de peculato consumiria os de burla e falsificação), a suscitar a eventualidade de aplicação, em sede de perdões, do estipulado nas Leis ns. 23/91, de 4 de Julho e 15/94, de 11 de Maio e a questionar a dosimetria punitiva desencadeada, reputando-a como exagerada perante as particulares circunstâncias da conduta do arguido. Deu o Colectivo como certificada a factualidade seguinte: O arguido exerceu durante os anos de 1985 a 1995 as funções de chefe dos serviços de administração escolar e tesoureiro, simultaneamente, na Escola C+S de Tangil, neste concelho. E fez parte da comissão instaladora desta escola em Tangil, no ano de 1985 (folha 99). O edifício onde está actualmente sediado este estabelecimento de ensino foi construído em 1995. Por inerência das suas funções era secretário do Conselho Administrativo da Escola C+S de Tangil, Monção. Entre outras tarefas, competia ao arguido providenciar pelo pagamento de todas as despesas desse estabelecimento de ensino; Para o efeito, a Escola C+S de Tangil detinha na agência da Caixa Geral de Depósitos em Monção as seguintes contas bancárias: a) n. 3108730 - Escola C+S de Tangil - Monção (folhas 187-219 do 2. Volume), sendo titulares o Presidente do Conselho Administrativo (1.), o Vice-Presidente do Conselho Administrativo (2), e o Tesoureiro - o ora arguido (3); para movimentar tal conta eram necessárias duas assinaturas, sendo a do tesoureiro (arguido) obrigatória (folhas 187-219 do 2. Volume); b) n. 31088730 - SASE - Escola C+S de Tangil - Monção (folhas 220-278 do 2. Volume), sendo titulares o Presidente do Conselho Administrativo (1.), o Vice-Presidente do Conselho Administrativo (2.), e o Tesoureiro - o ora arguido (3.); para movimentar tal conta eram necessárias duas assinaturas, sendo a do tesoureiro (arguido) obrigatória (folha 200 do 2. Volume). Desde 1985 até Julho de 1995, mercê da confianaça que foi granjeando junto dos membros do Conselho Directivo e, simultaneamente, do Conselho Administrativo da Escola C+S de Tangil, o arguido geriu os Serviços de Administração Escolar (tesouraria, contabilidade, vencimentos e SASE - serviços de acção social escolar), elaborando os respectivos mapas; No exercício das suas funções, o arguido formulou o propósito de se apoderar de dinheiro atribuído à Escola C+S de Tangil, tendo concretizado tal desígnio. Para atingir esse fim, decidiu fazer seu o valor de vários cheques, por si preenchidos e assinados, sacados sobre as contas atrás descritas, destinados ao pagamento de gastos efectuados ou inventados, constantes de facturas genuínas ou adicionadas pelo seu próprio punho, de forma a conseguir obter a autorização e assinatura de um dos outros dois titulares das contas bancárias, sem a qual não lhe seria possível concretizar tal plano. Bem como, alterar o extenso e numerário do valor de vários cheques, com as devidas assinaturas e autorizações de pagamento de despesas reais, para o que, deixava previamente um espaço em branco nos respectivos lugares, que posteriormente preenchia, fazendo suas as quantias tituladas pelos mesmos. Para dissimular a retirada de tais importâncias, relacionava as despesas nas listagens para as contas de gerência e fazia coincidir os valores dos documentos de despesa com os valores constantes dos mapas da conta de gerência (mapa anual). Mais decidiu, no que concerne à gestão do refeitório da Escola C+S de Tangil, inscrever refeições fictícias nos documentos de despesa e receita, mapas e modelos EST - DAL/5, de forma a fazer suas as importâncias que resultavam do...

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