Acórdão nº 99A796 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução23 de Novembro de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O M.P. intentou contra B acção com processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, tendo formulado os seguintes pedidos: a) Que a Ré seja condenada a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais que constituem os nºs 7 (1ª parte, até "ocorrência"), 17 e 18 das "condições gerais de utilização" dos contratos de emissão e utilização de cartões de débito denominados "Caixautomática/Multibanco", "Caixautomática Electron" e "Eurocheque" em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição; b) Que a a Ré seja condenada a dar publicidade a tal proibição, e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar na própria sentença, sugerindo-se que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos. Fundamentando a sua pretensão, o A alegou que as referidas cláusulas foram previamente elaboradas pela R. e são apresentadas, já impressas, aos candidatos à obtenção dos referidos cartões, limitando-se cada candidato a preencher, nos espaços em branco constantes do rosto do impresso, a sua identidade e a assinar o contrato, sem que exista qualquer negociação entre a R. e a contraparte quanto ao teor dessas condições gerais de utilização e condições específicas. E que tais cláusulas são nulas, uma vez que: (a) alteram as regras respeitantes à distribuição do risco, sendo, por isso, absolutamente proibidas em face do artigo 21º, alínea f), do DL nº 446/85; (b) permitem à Ré predisponente denunciar livremente o contrato sem pré-aviso adequado, e resolver o contrato sem motivo justificado previamente conhecido do outro contraente ou fundado na lei. Contestando, a Ré pediu a absolvição do pedido, alegando que, entre a Ré e a contraparte há um acordo de vontades, e que a circunstância de tais cláusulas se encontrarem pré-impressas não retira ao interessado na obtenção do cartão a sua liberdade de contratar. Mais alegou que a cláusula 7ª, a operar uma alteração nas regras relativas ao risco, o faz em sentido contrário ao alegado pelo A, uma vez que a R. aceita, por via dela, suportar o risco no montante que exceder o contravalor de 15o ECU por ocorrência no período anterior à comunicação, no caso de utilização abusiva por terceiro em caso de extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão, quando, se assim não fora, o respectivo titular deveria suportá-lo por inteiro. Mais refere que essa cláusula é imposta à Ré face ao disposto pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 166/95, de 15 de Julho, pelo Aviso nº 4/95 do Ministério das Finanças, de 27.07.95 e pela Instrução do Banco de Portugal nº 47/96 (BNBP nº 1, de 17.06.96), tudo em conformidade com o nº1 do artigo 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, relativa às transacções realizadas através de um instrumento de pagamento electrónico. Alega por fim que também as cláusulas 17ª e 18ª não violam as cláusulas contratuais gerais, devendo ser mantidas, uma vez que, não só há justo motivo para a resolução do contrato (cláusula 17ª), mas também o prazo de três dias para a livre denúncia é hoje suficiente para que o titular do cartão - assim o entendendo - celebre outros contratos e obtenha novos cartões. Proferida, em 23.04.98, sentença no saneador, foi decidido, em síntese: (a) declarar a nulidade das cláusulas 17ª e 18ª, por violação do disposto no artigo 22º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, operando a nulidade da cláusula 18ª apenas na parte em que confere à Ré a possibilidade de denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, com uma antecedência mínima de três dias; (b) condenar a Ré a abster-se de utilizar tais cláusulas, com o alcance referido, em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar; (c) condenar a Ré a dar publicidade a tal proibição; (d) absolver a Ré do restante pedido. Inconformados, apelaram A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 20.04.99, decidido: (a) julgar procedente a apelação do A em relação à cláusula 7ª e, em consequência, declarar a sua nulidade, de acordo com o pedido; (b) julgar procedente o recurso da Ré quanto à cláusula 17ª e, em consequência, revogar a decisão, quanto a ela, da 1ª instância, não se julgando, pois, tal cláusula proibida; (c) manter a decisão recorrida relativamente aos restantes pedidos, designadamente: (c1) declarando-se a nulidade da cláusula 18ª, com os efeitos constantes do saneador/sentença; (c2) condenando-se a Ré a abster-se de utilizar as cláusulas 7ª e 18ª; (c3) condenando-se a Ré a dar publicidade à decisão. Continuando inconformados, trazem A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, recurso de revista. A) Conclusões oferecidas pela Ré: 1. Nos contratos de utilização dos cartões, autónomo do contrato de depósito, não há transferência do domínio sobre uma coisa; 2. Para além de que o contrato de depósito se não caracteriza essencialmente pela entrega de uma soma em dinheiro pelo depositante, mas sim pela existência de um crédito sobre um saldo, que pode até resultar de um crédito concedido pelo banqueiro; 3. No contrato de utilização do cartão, o seu titular tem a disponibilidade directa e imediata do crédito sobre o saldo da conta, podendo utilizar o cartão e proceder a levantamentos, mesmo sem a existência de saldo, como sucede nos levantamentos "off-line", e sem qualquer intervenção do depositário; 4. Mais, a utilização fraudulenta do cartão ocorre em circunstâncias tais - através de uma máquina automática - que o depositário fica impossibilitado de obstar à lesão do seu património, enquanto o depositante detém a derradeira oportunidade de evitar a consumação da lesão; 5. Numa altura em que o titular do cartão ainda não comunicou à emitente qualquer facto susceptível de levar à utilização indevida do mesmo, sendo legítima a sua co-responsabilização, até determinado montante, por tal utilização; 6. Assim, a cláusula 7ª das condições gerais de utilização dos cartões não é subsumível ao disposto no nº 1 do art. 796º do CC; 7. A situação em apreço configura um pagamento ao credor aparente, mas subsumível à excepção da al. f) do art. 770º do CC; 8. Trata-se de uma excepção ao regime do pagamento a credor aparente por determinação legal, ou seja, do art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...), que manda ter em conta, na situação dos autos, as Recomendações dos órgãos competentes da União Europeia, sendo que o nº 1 do artº 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, tem um conteúdo semelhante ao da cláusula em questão; 9. Mas ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se estivesse perante uma hipótese de repartição do risco, os princípios da boa-fé que estão na base do regime das cláusulas contratuais gerais, consagrado no Decreto-Lei nº 446/85 (...), na redacção de Decreto-Lei nº 220/95 (...), deverão conduzir a uma interpretação restritiva do disposto na al. f) do seu art. 21º, de modo a só actuar nas situações de abuso do contraente que participou na estipulação das cláusulas gerais; 10. Já que a recorrente na elaboração das cláusulas dos contratos de utilização dos cartões respeitou os avisos e instruções do Banco de Portugal, entidade de supervisão e regulamentadora do sistema bancário e actuou conformemente às directrizes do legislador e das Recomendações da Comissão Europeia, não podendo por isso dizer-se que agiu abusando da sua posição de contraente mais forte, já que o conteúdo da estipulação não foi por si determinado, mas pelas autoridades monetárias; 11. De resto, a não ser assim, as instituições de crédito portuguesas ficariam em clara desvantagem face às restantes instituições de crédito da União Europeia, nas quais vigora o regime da citada Recomendação, contrariando a pretendida harmonização normativa, numa área de forte concorrência, o que seria de todo incompreensível e contrário ao interesse nacional; 12. Também o prazo de 3 dias de aviso prévio para a denúncia dos contratos de utilização dos cartões por parte da recorrente, previsto na cláusula 18ª, é adequado, face à existência de diversos meios de levantamento dos fundos depositados, para além do cartão; 13. E face à concorrência bancária, sobretudo tendo em conta a facilidade existente na concessão de cartões de débito, logo, na abertura das contas de depósito; 14. É ainda adequado porque necessário a evitar que, após a denúncia do contrato, o cartão possa ser indevidamente utilizado, com manifestos prejuízos para o recorrente; 15. Logo, a referida cláusula não viola o disposto na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 (...); 16. Assim, o acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto na al. f) do art. 21º e na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 e violou o art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...). B) Conclusões oferecidas pelo Autor a) As cláusulas 17ª das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixa Automática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"), que estabelecem que "a inobservância, por qualquer das partes, das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata" são cláusulas contratuais gerais sujeitas às regras de Dec. Lei nº 446/85, de 25/10; b) As referidas cláusulas 17ª permite à Ré, segundo o seu exclusivo critério, e sem necessidade de qualquer justificação, retirar imediatamente ao contraente-aderente a possibilidade de utilizar o dito cartão, uma vez que toda e qualquer acção ou omissão deste, intencional ou negligente, pode ser havida por "inobservância" do contrato e constituir "motivo...

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