Acórdão nº 99P137 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Março de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMARIANO PEREIRA
Data da Resolução24 de Março de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Sob acusação do Ministério Público, tendo-se constituído Assistente D, foi julgado em processo comum e tribunal colectivo, no Tribunal de Círculo de Coimbra, o arguido: - A, casado, comerciante, nascido em 24 de Dezembro de 1942, filho de B e de C, natural de Trouxemil, Coimbra e residente em Condeixa-a-Nova, a quem era imputado um crime de incêndio doloso, previsto e punido no artigo 272 n. 1 alínea a) do Código Penal e um crime de burla relativa a seguros, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 202 alínea b) 219 n. 1 alínea a), 4 alínea b), 22 e 23 todos do Código Penal. A Assistente deduziu pedido cível contra o arguido pedindo a sua condenação na quantia líquida de 1008073 escudos e juros vencidos e vincendos, e na quantia que se vier a fixar em execução de sentença relativa a honorários dos seus mandatários, custas judiciais e valor da indemnização até ao limite de 42164330 escudos. Após julgamento, foi decidido absolver o arguido dos crimes que lhe eram imputados e também do pedido cível formulado. Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a Assistente "D" que motivando-o conclui, em síntese: 1 - Existem contradições insanáveis na apreciação da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova - artigo 410 n. 2 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal. 2 - Dos factos resulta que o arguido prosseguiu os seus intentos de consumar o crime que havia planeado em 1995 e a conclusão da sentença no que concerne a não existirem factos provados quanto à intenção do arguido ter prosseguido a intenção criminosa não apaga a tentativa da prática dos crimes de incêndio e burla ocorrida em 1995. 3. Não se podem dissociar os factos de 1995 e o incêndio de 1997 no que toca à elaboração mental preparação e execução de um plano feito pelo arguido e o incêndio ocorrido em 1997. 4. O incêndio ocorreu e foi criminoso, sendo certo que se mantêm a intenção do arguido em receber a indemnização da Recorrente. 5. De acordo com as regras da experiência comum é impossível aceitar que alguém que planeia um crime da forma idêntica à do arguido, não prossiga o seu plano até final. 6. O hiato de tempo ocorrido em 1996 não pode ser considerado um abandono nos termos descritos no n. 1 do artigo 23 do Código Penal e para efeitos da desistência da prática do crime. E tal hiato justifica-se face às regras da experiência comum perante a necessidade que o arguido teve de se distanciar da execução do crime. 7. O arguido omitiu sempre a justificação do projecto e execução dos crimes reportados a 1998. 8. Verifica-se uma contradição entre os factos assentes e a fundamentação jurídica que se lhe segue já que o arguido não aderiu a um plano, mas planeou e executou esse plano, sendo o N seu parceiro no crime. 9. O crime não foi executado por razões alheias ao arguido, nem tinha de ser, porquanto, a sua parcela de empenhamento era preparar, executar e pagar (como pagou) os actos necessários a que o incêndio ocorresse. 10. E o "iter criminis" não tem uma duração temporal definida, nem a lei o exige. 11. A determinação subjectiva do N não exonera o arguido enquanto mandante. 12. O arguido efectuou todos os actos que lhe competiam efectuar no plano arquitectado: - contactou o N, comprou as mercadorias e pagou o preço. 13. A noção da palavra "manifesta" no corpo do artigo 23 do Código Penal significa adequação objectiva dos meios em função de um resultado desvalorado penalmente perante um juízo indubitável do que se entende ser comum para todas as pessoas. 14. Ora para a generalidade das pessoas - baseadas na experiência comum o "meio" utilizado pelo arguido é idóneo. 15. Ao contrário do que é dito na sentença existe sério perigo de lesão de bens jurídicos com a actuação do arguido, designadamente, o comércio jurídico e o património da Recorrente para não falar do mal necessário que foi incendiar os pavilhões. 16. O verdadeiro cerne da punibilidade da tentativa reside na avaliação da perigosidade referida no bem jurídico. 17. Dado o circunstancialismo em que o arguido actuou existe um desvalor da acção que deve ser punido, já que denotou perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que assuma a forma de mera aparência. 18. É manifesto o perigo de ofensa de bens jurídicos gerada pela conduta do arguido pelo que não podem passar incólumes os seus actos praticados em 1995 ainda que de forma tentada. 19. Verifica-se a violação dos artigos 272 n. 1 alínea a), 202 alínea b), 219 n. 1 alínea a) - 4 alínea b), 22, 23 do Código Penal e 374, 377. Termina pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação do acórdão. Responderam o Excelentíssimo Representante do Ministério Público junto do tribunal "a quo" e o arguido defendendo a justeza da decisão. Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência oral. Cumpre decidir. Factos considerados provados: 1. A 25 de Maio de 1984 o arguido, sua esposa E, seus enteados F e G, bem como as esposas destes, H e I, constituíram a sociedade "J" com sede em Condeixa, com o capital social de 15000000 escudos, e cujo objecto social consiste no comércio de artigos electrodomésticos, pertencendo a respectiva gerência ao arguido e à esposa, embora, de facto, seja aquele o único gerente e o rosto visível da sociedade, nomeadamente nas suas relações comerciais com clientes, fornecedores e instituições bancárias. 2. A referida firma abriu, gradualmente, três lojas de venda ao público uma em Coimbra e duas em Condeixa-a-Nova, lojas em cujo negócio foi florescendo, o que lhe permitiu auferir lucros não apurados de montante apreciável, designadamente até princípios da década de 90. 3. Em 1992, o arguido adquiriu para a sociedade mais três pavilhões fechados, sitos no lugar de Quinta Nova, Valada, Condeixa-a-Nova, que destinou a armazém de electrodomésticos. 4. Através da apólice de seguros multiriscos - ramo comércio n. 95006800 da D com sede em Lisboa, tais pavilhões, armazém e seu recheio eram objecto de seguro, subscrito pelo arguido como legal representante da "J" até ao montante global de 130000000 escudos, sendo de 50000000 escudos a cobertura dos edifícios e de 80000000 escudos a cobertura do seu recheio, cujo contrato garantia, além do mais, até ao limite do capital seguro, a indemnização ao segurado dos prejuízos materiais sofridos ou a sofrer em consequência directa de riscos diversos, enumerados no artigo 3 das condições gerais da apólice, riscos causados no edifício que servia de armazém e recheio, designadamente em consequência directa de incêndio acidental. 5. Tal contrato de seguro teve início em 1993, no L, e foi transferido para a D (por um sobrinho do arguido ser angariador desta seguradora) em 4 de Fevereiro de 1995, sendo válido pelo prazo de 1 ano e seguintes e designadamente em 20 de Janeiro de 1997. 6. Sucede, porém, que, desde há cerca de 4 anos a esta parte, o arguido e a "J" iniciaram um período de recessão económica (tendo encerrado, entretanto, as lojas de Coimbra), o que ficou a dever-se a factores conjunturais, como a concorrência das grandes superfícies comerciais, a gestão efectuada pelo próprio arguido e o seu próprio estilo de vida, de frequentador de casinos e de casas de jogo clandestinas, onde dissipava o seu património e da sociedade. 7. Perante tais dificuldades económicas e para evitar a "cobiça" dos seus credores, o arguido e a esposa, em 15 de Julho de 1994, cederam as suas quotas na aludida sociedade aos enteados daquele e filhos desta, acima referidos, continuado embora, o arguido a ser de facto o único gerente da firma, nos termos supra mencionados. 8. É perante este quadro a que acresce um investimento como sócio da sociedade "M" com sede em Pombal onde o arguido é titular de uma quota de 3400000 escudos, investimento não rentável no curto prazo que o arguido admite incendiar os aludidos armazéns e o seu recheio, com vista a reclamar e receber a respectiva indemnização da seguradora. 9. Assim, durante o ano de 1995, em Coimbra, conversou o arguido várias vezes com o seu conhecido e colega de jogo N sobre o incendiar...

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