Acórdão nº 237/04.3TTPTG.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos pertinentes e resultantes do desenvolvimento adjectivo do pleito, em cujo acervo se incluem não apenas aqueles que hajam sido firmados na decisão de facto propriamente dita, mas também os factos cuja prova resulta da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante, independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação.

II - Nada impedia, pois, a Relação de, usando os poderes constantes do art. 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – aplicável ao recurso de apelação pelo sequente artigo 713.º, n.º 2 – tomar em consideração um facto, sob a motivação – que é bastante – de o que o mesmo relevava para a decisão da causa e não se mostrava controvertido.

III - De todo o modo, sempre o Supremo Tribunal de Justiça estaria, por força do disposto no art. 712.º, n.º 6, impedido de sindicar a bondade do veredicto que, a propósito do sobredito facto, foi o alcançado pela Relação.

IV - Tal como decorre do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença, em contencioso laboral, deve ser feita expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso – assim se permitindo que o Tribunal recorrido se pronuncie e, eventualmente, supra os vícios invocados – sendo entendimento jurisprudencial pacífico que a mencionada norma é também aplicável à arguição de nulidades assacadas ao Acórdão da Relação – arts. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

V - Não curando o recorrente de arguir a nulidade que aponta ao Acórdão da Relação – nulidade por excesso de pronúncia – no requerimento de interposição de recurso – limitando-se à sua arguição em sede de texto alegatório – é a mesma insusceptível de ser apreciada por este Supremo Tribunal, por intempestividade.

VI - A equiparação consagrada na LAT – art. 2.º, n.º 2 – e no Código do Trabalho de 2003 – art. 10.º – reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade.

VII - A referida equiparação tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto na LAT.

VIII - Assim, um contrato assumidamente tido como prestação de serviço jamais confere ao prestador a protecção consagrada no domínio da sinistralidade laboral: estamos, nesse caso, perante trabalhadores independentes, que exercem uma actividade por conta própria e que devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na LAT.

IX - Estando definitivamente assente e qualificado como sendo de prestação de serviço o vínculo que unia Autor e Réu, não cabe a este a reparação do acidente que aquele foi vítima.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

Patrocinado pelo M.º P.º, AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Portalegre, acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB, de quem reclama, nos termos constantes da P.I., a reparação do sinistro laboral de que foi vítima ao serviço do demandado.

Em desabono dos direitos accionados pelo Autor, o Réu caracteriza a vinculação entre as partes como um contrato de prestação de serviço e, subsidiariamente, questiona as sequelas do acidente, tal como as mesmas se mostram coligidas no petitório inicial.

1.2.

Instruída e discutida a causa, veio a 1.ª instância a proferir sentença absolutória do Réu, sob o fundamento de que “... a actividade prestada pelo autor tinha como substrato jurídico um contrato de prestação de serviços e que este era trabalhador independente ...”.

Irresignado com tal decisão, dela apelou o Autor, com o que veio a obter inteiro sucesso, pois o Tribunal da Relação de Évora revogou a sentença apelada, condenando o Réu a pagar ao sinistrado: “a) a quantia de € 22.386,50, de indemnização por incapacidades temporárias; b) a pensão anual e vitalícia de € 5.929,00, devida desde 8/8/2006, e a pagar nos termos do art. 51.º, ns.º 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 143/99, de 30/4; c) a quantia de € 4.387,20, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente”.

Para confortar esse dissidente juízo decisório, considerou a Relação que “... mesmo não questionando o entendimento da 1.ª instância, quando considerou não estar configurada uma relação laboral subordinada ...”, havia de se ter como assente a necessária dependência económica do Autor para com o Réu, sendo que este índice é “... bastante para integrar o conceito de “trabalhador por conta de outrem” em matéria de acidentes de trabalho”.

1.3.

Desta feita a discordância provém do Réu, que pede a presente revista, onde colige o seguinte núcleo conclusivo: 1- ao acórdão sob crítica foi aditada à matéria de facto considerada provada, alegadamente ao abrigo dos arts. 664.º e 712.º n.º 1 al. b) do C.P.C., o facto n.º 1-A, com a seguinte redacção: “A construção desse prédio era executada pelo R.”; 2- e dele foram retiradas consequências jurídicas que, na opinião do recorrente, não podiam ser subsumidas; 3- na verdade, o acórdão reconhece que o facto aditado sob o n.º 1-A é um “aspecto fáctico que não é sequer controvertido”, isto é, tal facto não foi alegado pelas partes, não foi alvo de apreciação, nem resulta de qualquer meio de prova plena junto aos autos, consequentemente, não foi alvo do exercício do direito ao contraditório por parte do aqui Recorrente; 4- assim, tal facto foi aditado em manifesto desrespeito de tal princípio processual; 5- além de que o regime decorrente dos mencionados arts. 664.º e 712.º n.º 1 al. b) não permitiam o aditamento “tout court” pela Relação do facto n.º 1-A, tendo a 2.ª instância extravasado as poderes que lhe são conferidos no que concerne à modificabilidade da decisão de facto; 6- consequentemente, por referência ao mencionado art. 712.º n.º 1 al. b), e ao princípio do contraditório, violou o acórdão a lei adjectiva; 7- sem prejuízo do exposto o Tribunal da Relação, funcionando como tribunal de cassação, para exprimir a formação, lógica, racional e razoável, da sua livre convicção acerca da matéria de facto controvertida e da prova produzida, tinha que especificar no acórdão, de forma clara e objectiva, os fundamentos de facto e as concretas provas que justificaram a sua decisão – arts. 205.º n.º 1 da C.R.P. e 158.º, 659.º e 713.º do C.P.C.; 8- no entanto, no acórdão recorrido não foi observada tal exigência de fundamentação, em virtude do que violou os referidos artigos, mostrando-se ferido de nulidade por inconstitucionalidade e ilegalidade – art. 668.º n.º 1 al b) ex vi art. 716.º do C.P.C.; 9- mais: com todo o respeito, não tendo sido impugnada a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, não podia aquele tribunal, em princípio, alterá-la oficiosamente. Porém, fê-lo, no entendimento do Recorrente, usando indevidamente os poderes conferidos pelo art. 712.º, o que legitima a intervenção deste Tribunal Superior no sentido de revogar o que não foi correctamente alterado; Sem prescindir; 10- daquele facto n.º 1-A extrai a Relação que o A. trabalhava com carácter de regularidade em obras executadas pelo R. e conclui que está demonstrada a necessária dependência económica que ... “o art. 2.º n.º 2 da L.A.T. “erige como índice bastante para integrar o conceito de “trabalhador por conta de...

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