Acórdão nº 37/03.8TBRSD.P de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução23 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- Na estrutura organizativa dos baldios, o Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea i) do sobredito inciso legal.

II- Desta forma, não é a personalidade judiciária que aqui está em causa, pois esta será sempre a da comunidade local erigida em Assembleia de Compartes, em cujo nome e interesse age o seu conselho directivo, mas antes um problema de capacidade judiciária, pois tal comunidade de compartes só pode estar em juízo através dos seus órgãos, concretamente do Conselho Directivo, a quem compete expressamente essa função «ex vi legis» como se viu.

III- Como escreveu Jaime Gralheiro, «as Assembleias de Compartes são pessoas colectivas» e, mais adiante, acrescenta «as Assembleias de Compartes são pessoas morais de carácter social, face à natureza jurídica dos baldios e ao “escopo”» (J. Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, pg. 139).

Tendo personalidade jurídica, é evidente que as A. Compartes têm personalidade judiciária (artº 5º, nº 2 do CPC).

IV- Relativamente ao Conselho Directivo, o conceituado comentador, que vimos de citar, afirma: «o Conselho Directivo é uma emanação da Assembleia de Compartes; o seu órgão executivo» (Idem, pg. 156).

É ao dito Conselho que, ex vi legis, cabe propor as pertinentes acções em juízo in nomine da comunidade ou, na expressão legal, «recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio».

V-É esta susceptibilidade de estar em juízo como parte, que tem levado a que algumas decisões jurisprudenciais considerem existir uma verdadeira personalidade judiciária do Conselho Directivo, mas em rigor o CD não está suo nomine em juízo, já que, nos termos da alínea h) do artº 21º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, tais actos carecem de ratificação da Assembleia de Compartes.

VI- Como quer que seja, tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos temos do artº 288º, nº 1, alínea c) do CPC.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO O Conselho D....... de C............ da Freguesia de Feirão intentou no Tribunal Judicial de Resende a presente acção declarativa com processo ordinário contra a J------ de F---------de F..........

, AA, BB, CC e DD, pedindo: - Que se declarasse que os prédios identificados no n.º2 da p. i. não pertencem à J------ de F---------de F.......... e que esta não os adquiriu por usucapião; - Que tais prédios fossem declarados baldios e, como tal, propriedade comunitária dos povos da freguesia de Feirão; - Que os Réus fossem condenados a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade, e a absterem-se de qualquer acto que o possa perturbar; - Que fosse declarada nula e de nenhum efeito a escritura de justificação judicial referida em 9.º e 10.º da p.i., e ordenado o cancelamento de qualquer inscrição registral ou matricial efectuada a favor da 1.ª R. sobre os prédios identificados em 2.º da p.i.; - Que fosse declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de arrendamento referido em 17.º e 18.º da p.i. e efectuado entre a 1.ª R. e a 5.ª R., relativamente aos prédios identificados nesse contrato e nos números 1 a 9 do artigo 2.º da p.i.; - Que os 1º, 2.º, 3.º e 4.º RR fossem condenados, solidariamente, numa indemnização pelos prejuízos causados e a causar pela indevida utilização pela R. Junta de Freguesia desses baldios, incluindo o seu arrendamento, em montante a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alegaram, em síntese, que o povo do lugar e freguesia de Feirão é legítimo proprietário dos baldios correspondentes a dez prédios rústicos sitos nos Lugares de R........, Alto de ..... e Lavradio, V...... ou Alto de S...., Alto d........, Entre ...., Tujal, Rechão, Fonte ...., Alto da Pragueda e Cova da R...., Monte da ...., Ladário, Moita e Lavradio que identificam e que, desde há mais de 200 anos, que são utilizados pelos moradores da freguesia de Feirão, para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas. O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém e na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem.

Contudo, a Junta de Freguesia, tem tentado apossar-se de tais prédios, e representada pelos 2.º, 3.º e 4º Réus, em escritura de justificação notarial de 29.11.2002, declararam que aquela tinha adquirido, por usucapião, a propriedade dos supra referidos prédios. Sucede, ainda, que a Ré Junta de Freguesia, por contrato datado de 17.02.1997, arrendou a DD, (5.ª ré), nove dos supra referidos terrenos.

Com tais actuações, os Réus têm impedido o Autor de administrar os ditos baldios, o que lhe tem causado prejuízos.

A Ré J------ de F---------de F.......... veio contestar os pedidos formulados, pedindo a improcedência da acção e deduziu reconvenção onde pediu que se declarasse que a J------ de F---------de F.......... é a única e exclusiva proprietária dos prédios identificados em 2.º da p.i.

Para tanto, alega que nunca foi feito o recenseamento dos C........ de Feirão, não foi realizada a primeira assembleia de C.........., tendo em vista a aprovação do recenseamento dos C......., nem foram eleitos os respectivos órgão directivos dos c....... Assim, o Autor não tem existência jurídica porquanto nunca foi efectuada qualquer assembleia de compartes que o elegesse.

Todavia, desde há mais de 20, 30, 40, 50 e 100 anos que é a Ré quem corta o mato, explora a água, abre e limpa caminhos dos prédios em causa, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercer um direito próprio.

A 5.ª Ré, DD, também veio contestar os pedidos formulados, pedindo a improcedência da acção.

Alega, para tanto, que a propriedade dos prédios em causa pertence à Ré Junta de Freguesia.

Contudo, a entender-se que os prédios arrendados são baldios, o arrendamento integra um acto de administração permitido por lei. Na data da celebração do contrato não existia recenseamento de compartes, nem órgãos eleitos que os representassem pelo que era a Junta de Freguesia que tinha a sua administração. E mesmo a admitir-se que era a Junta que carecia de legitimidade para arrendar por falta de recenseamento, tal não conduz à nulidade do contrato de arrendamento, mas à mera anulabilidade, cujo prazo para arguição já expirou.

Termina deduzindo incidente do valor da acção.

O Autor veio replicar, dizendo, em resumo, que é parte legítima por ter sido eleito em Assembleia de C......., devidamente legalizada perante a Direcção Geral de Florestas e que a Ré, Junta de Freguesia, apesar de ter de proceder ao recenseamento dos compartes não o fez, motivo pelo qual foram utilizadas cópias dos cadernos de recenseamento eleitoral.

Depois de decidido o incidente do valor de causa, foi proferido despacho saneador, onde se relegou para final o conhecimento da questão da falta de personalidade e capacidade judiciária do autor. Seleccionou-se a matéria de facto e organizou-se a base instrutória de que se não reclamou.

Realizou-se o julgamento da matéria de facto, com gravação dos depoimentos prestados e proferiu-se sentença onde se julgou a acção procedente, por provada, e consequentemente: a) - Declarou-se que os prédios referidos de 1 a 10 dos factos provados não pertencem à J------ de F---------de F.......... e que esta não os adquiriu por usucapião; b) - Declarou-se que tais prédios são baldios e como tal, propriedade comunal dos povos da freguesia de Feirão; c) – Foram os RR condenados a reconhecer e a respeitar tal direito de propriedade, devendo abster-se da prática de qualquer acto que o possa perturbar; d) – Declarou-se a ineficácia da escritura de justificação notarial identificada em 11 dos factos provados e ordenou-se o cancelamento de qualquer inscrição registral ou matricial efectuada a favor da 1.ª R sobre tais prédios; e) - Declarou-se nulo o contrato de arrendamento, referido em 13), celebrado entre a 1.ª e a 5.ª R; f)- Foram os 1.ºs, 2.ºs, 3.ºs e 4.ºs RR condenados, solidariamente, a pagarem à A. a quantia que se vier a liquidar, pelos prejuízos causados com a sua actuação, no que tange aos prédios em causa, nomeadamente ao seu arrendamento.

Julgou-se a reconvenção improcedente e, consequentemente absolveu-se a A. de tal pedido.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a J------ de F---------de F.......... para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo que a mesma fosse revogada e substituída por outra que julgasse a presente acção totalmente improcedente, tendo este recurso sido julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT