Acórdão nº 364/09.0GESLV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - Embora estando em causa, no caso em apreço, apenas penas inferiores a 5 anos, entende-se que o recurso para o STJ é, neste caso, admissível, face ao estatuído no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, uma vez que o recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de facto: a medida das penas aplicadas. Se não se admitisse o recurso relativamente às penas parcelares, estar-se-ia a privar os arguidos do direito ao recurso.

II - Como é jurisprudência pacífica no STJ, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

III -Para o efeito de determinação da medida concreta da pena que vai aplicar, o juiz serve-se do critério geral contido no art. 71.º do CP, estando vinculado ao critério ali estabelecido. Acatados e respeitados os critérios de determinação concreta da medida da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável.

IV -O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação tem por finalidade tornar possível o controlo – total no caso dos Tribunais da Relação e limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das Relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

V - Estando o conhecimento – em recurso de revista – limitado a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

VI - Quanto ao controle da fixação concreta da pena a intervenção do STJ tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.

VII - A moldura penal correspondente aos crimes praticados pelos arguidos/recorrentes é de prisão de 1 a 8 anos, para os crimes de roubo consumados, e de prisão e 1 a 5 anos, para o crime de roubo na forma tentada.

VIII - No acórdão recorrido aceitou-se expressamente que “a toxicodependência de ambos os arguidos terá sido o estímulo que os determinou à prática dos factos”. Os factos praticados por cada um dos arguidos são objectivamente graves. A ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, sendo diversos os bens tutelados – no caso (roubo) o património e bens jurídicos eminentemente pessoais – será de considerar como média. Os recorrentes agiram com dolo directo e intenso, embora o período de actividade ilícita em apreço tenha sido de cerca de um mês e o número de crimes e de vítimas tenha sido de cinco.

IX -As exigências de prevenção geral são elevadas, atentando-se no proliferar de condutas similares e, sobremaneira, nos efeitos devastadores que elas têm sobre as vítimas. Também as exigências de prevenção especial são elevadas, pois as personalidades dos arguidos mostram-se alheias ao assumir cabal das responsabilidades decorrentes das suas condutas. Além disso, as suas condutas anteriores aos factos não se mostram as mais conformes aos ditames das regras sociais, se atentarmos nas várias condenações sofridas por ambos os arguidos.

X - Há, porém, que ter em atenção, tal como dado provado, que: - o arguido A, de 32 anos de idade, é casado e tem dois filhos menores; à data dos factos encontrava-se desempregado havia cerca de 3 meses, recebendo subsídio de desemprego; com cerca de 18 anos iniciou o consumo de estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína; integrou o programa de metadona no CAT, onde mantinha acompanhamento psicoterapêutico; em meio prisional optou por abandonar o tratamento de metadona; beneficia de suporte afectivo, quer da família constituída, quer da família de origem; - o arguido B, de 41 anos de idade, é solteiro; iniciou os consumos de estupefacientes por volta dos 18 anos de idade, tornando-se heroinómano aos 21 anos; aquando da última saída da prisão, em Novembro de 2006, era um indivíduo sem recursos, necessitando da intervenção da rede social secundária a vários níveis; foi beneficiário do rendimento social de inserção e careceu de apoio social para alojamento e alimentação – manifestou, então, uma postura activa e empenhada em melhorar as condições de vida; manteve um relacionamento marital com uma agente da PSP, o qual veio a terminar por iniciativa da companheira; em meio prisional chegou a integrar o grupo terapêutico GATO, mas foi excluído por desestabilizar os outros; encontra-se actualmente inactivo; não conta com apoio familiar no exterior.

XI -Tendo tudo isto em consideração, e não esquecendo a idade dos arguidos à data da prática dos factos, é de concluir que as penas parcelares fixadas se mostram algo excessivas, afigurando-se justas e adequadas às finalidades de prevenção e proporcionais à culpa de cada um dos arguidos/recorrentes, para o arguido A a pena de 2 anos por cada um dos quatro crimes de roubo consumados e a pena de 14 meses de prisão para o crime de roubo na forma tentada, e para o arguido B a pena de 2 anos e 8 meses de prisão para cada um dos quatro crimes de roubo consumados e a pena de 20 meses de prisão para o crime de roubo tentado.

XII - A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade de cada um dos arguidos/recorrentes, entendem-se justas, adequadas e proporcionais, para o arguido A a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão e para o arguido B a pena única de 7 anos de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Círculo Judicial de Portimão, no processo comum nº 364.09.0GESLV do 1º Juízo da comarca de Silves, foram submetidos a julgamento perante tribunal colectivo, os arguidos: AA, casado, carpinteiro, nascido em 31.01.1977, filho de BB e de CC, natural de Viseu, residente na Rua ........., Lote ...... – ....., em Portimão; e DD, solteiro, pintor da construção civil, nascido em 29.12.1968, filho de EE e de FF, natural de Vila Real de Santo António, residente na Rua ........., ...., ....., em Portimão, Era-lhes imputada a prática: - Em co-autoria, de cinco crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, sendo um deles na forma tentada, e de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal; - Por cada um dos arguidos, em autoria material, de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359º, nº 2 do Código Penal.

A final, foi proferido acórdão, em 13 de Janeiro de 2010, que, julgando a acusação parcialmente provada, decidiu:

  1. Absolver os arguidos AA e DD dos crimes de falsidade de declaração e de dois dos crimes de roubo de que vinham acusados; b) Condenar o arguido AA, pela prática de quatro crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão para cada um desses crimes, e pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão.

    Operando o cúmulo jurídico destas cinco penas, foi o arguido condenado na pena única de seis anos de prisão.

  2. Condenar o arguido DD, pela prática de quatro crimes de roubo, pp. e pp. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de três anos e quatro meses de prisão para cada um desses crimes, e pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

    Operando o cúmulo jurídico destas cinco penas, foi o arguido condenado na pena única de oito anos de prisão.

    Inconformados com tal condenação os arguidos AA e DD interpuseram o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando: - O arguido/recorrente AA, pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação de penas parcelares mais baixas (não superiores a 2 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo e não superior a 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo na forma tentada) e pela aplicação de uma pena única não superior a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, ainda acompanhada de regime de prova; - O arguido/recorrente DD, igualmente pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação de penas parcelares mais baixas (não superiores a 2 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo e não superior a 1 ano de prisão pelo crime de roubo na forma tentada) e pela aplicação de uma pena única não superior...

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