Acórdão nº 149/07.9JELSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : I - Os arguidos foram, entre outros, condenados pela prática de crimes de falsificação de documento e de falsidade de declaração, em penas que variam entre 1 ano e 1 ano e 9 meses de prisão. Ao crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1 e 3, do CP, cabe a pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a 600 dias. Para o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359.º, n.º 2, do CP, está prevista a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

II - No caso em apreciação, o Tribunal da Relação confirmou na íntegra o acórdão do tribunal de 1.ª instância, estando-se perante dupla conforme condenatória, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso. O princípio da dupla conforme impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. Este princípio é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão. O acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição. As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado nos autos aquando do julgamento pela Relação.

III - Assim, os recursos dos arguidos, quanto à pretendida reapreciação das medidas das penas aplicadas pelos indicados crimes, são inadmissíveis, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, como já o eram à luz do anterior regime.

IV - Os recorrentes suscitam a existência de uma nulidade insanável, alegando que o tribunal de 1.ª instância para fundamentar a sua convicção utilizou um meio proibido de prova, pois que considerou a leitura dos telemóveis apreendidos, sem que a abertura daqueles tivesse sido precedida de autorização expressa da entidade judiciária. Mas esta questão da prova proibida é encarada sob duas perspectivas: a da nulidade por intercepção não consentida ou autorizada e a da nulidade por violação da intimidade e correspondência.

V - O cartão de telemóvel é o repositório de mensagens, a respectiva caixa de correio, que as recebe até serem inutilizadas pelo destinatário, e a mensagem uma forma de telecomunicação, por meio diferente de telefone, à qual se aplicam as regras sobre as escutas telefónicas, por força do art. 190.º, do CPP. No caso concreto, houve autorização judicial para intercepção de conversações ou comunicações, o que incluiria naturalmente as feitas por meio diverso do telefone e que é o telemóvel, mas não abarcando estas.

VI - No entanto, uma outra questão que tem se ser equacionada tem a ver com o efectivo interesse, a força real probatória que os elementos colhidos através da leitura dos cartões tiveram na solução global, havendo que indagar de que modo e com que peso contribuíram para a decisão de fundamentação da facticidade apurada, sendo que os recorrentes se limitaram a fazer afirmações genéricas, sem explicar porque o material foi decisivo para a decisão, nem porque teve peso forte na apreciação da matéria de facto.

VII - No acórdão recorrido afirma-se que “mesmo no tocante às vigilâncias e leitura da memória do telemóvel nada trouxeram de seguro que pudesse gerar uma convicção segura acerca dos elementos possíveis para incriminar os arguidos”, motivo pelo qual improcede a arguição de nulidade por uso de método proibido de prova.

VIII - Os arguidos invocaram também a nulidade do acórdão da Relação, por não ter conhecido da impugnação da matéria de facto, mas o certo é que no segundo acórdão recorrido, diversamente do que ocorreu da primeira vez, o Tribunal da Relação não se limitou a produzir uma afirmação genérica, colocando-se numa posição de alienidade em relação à pretensão impugnatória dos recorrentes, tendo antes cumprido o tema proposto, fazendo-o de forma detalhada, circunstanciada e fundamentada.

IX - Como se sabe, a reapreciação só poderá determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam ou sugiram uma outra decisão. Como o STJ tem reafirmado, o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros.

X - No presente caso, o Tribunal da Relação procedeu a uma efectiva e fundamentada “reavaliação” da forma possível ao momento (na ausência de oralidade, imediação e concentração) das provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que os recorrentes indicaram como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impunham ou não uma decisão diversa da recorrida. Sendo assim, não se verifica omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto.

XI - Os recorrentes suscitam também a questão da violação do princípio da presunção de inocência, porquanto no acórdão proferido na 1.ª instância se afirma “São, pois, demasiadas coincidências, e a compor o ramalhete, os antecedentes criminais (todos com condenações em crimes relacionados com estupefacientes) e a ausência de qualquer explicação para tanta coincidência”. Para se concluir como se concluiu, bastava atender ao tempo e ao modo, e à circunstância, do real e concreto pedaço de vida em que os arguidos foram interceptados por elementos da PJ, em local público e à luz do dia, sendo a convicção do tribunal balizada em vários outros – válidos, úteis, pertinentes, relevantes e convincentes elementos de prova –, que em absoluto dispensavam aquela referência absolutamente excrescente, desnecessária, e, no fundo, anódina.

XII - Trata-se de uma expressão perfeitamente escusada, inútil, de certo modo infeliz, que não induz qualquer valor acrescentado à argumentação maior, que não pode, nem deve situar-se na categoria de argumento a fortiori, tratando-se de uma mera excrescência, podendo ser integrada na categoria do “desabafo”, face ao que foi considerado um conjunto de coincidências várias sem qualquer explicação, a que deverá, nesta perspectiva, ser dado o devido tratamento, ou seja, deverá ter-se por não escrita. A presunção de inocência não foi, claramente, ilidida ou sequer beliscada por este meio, perfeitamente inidóneo para o efeito.

XIII - Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probando, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão recorrido, o que seria possível e apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é de todo o caso.

XIV - A questão que se coloca, no que respeita aos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, para mais correspondendo a sua invocação a uma reedição da arguição feita no recurso anterior para a Relação, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a arguição desses vícios – necessariamente da decisão da 1.ª instância – perante o STJ, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade. A especificidade do caso está em os recorrentes terem impugnado a matéria de facto, nos termos mais amplos consentidos pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, e em simultâneo invocarem a ocorrência desses vícios, cuja detecção apenas por via da análise do texto pode ser alcançada, para além de se esgrimirem com alegada errada valoração das provas, e violação do princípio in dubio pro reo. E, perante a arguição dos vícios decisórios em causa, é de colocar a questão de saber se o STJ pode deles conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.

XV - Actualmente, o STJ conhece oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentam como plausíveis. No recurso interposto de acórdão da Relação, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo Tribunal se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.

XVI - É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do art. 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica do STJ que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à...

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