Acórdão nº 106/06.2TBFCR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução24 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1. A posse precária não permite a aquisição por usucapião, salvo se se achar invertido o título da posse, na conformidade do disposto no art. 1290º C.Civil; e só a partir da inversão do título começa a correr o tempo necessário para a usucapião.

À inversão do título da posse não basta a mera constatação de que houve a intenção por parte dos detentores precários de inverter o título de posse. A oposição há-de objectivar-se em actos materiais ou jurídicos que revelem inequivocamente que o opositor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa e que essa actuação se dirija contra a pessoa em nome de quem detinha e dela se torne conhecida.

  1. A não entrega da coisa no final do contrato não assume o significado de uma inversão do título de posse se não for acompanhada de uma clara oposição.

  2. O título mediante o qual os autores começaram a possuir os prédios e se mantiveram nessa posse foi, neste caso, o contrato de arrendamento. Esse título, qualificativo da posse, confere-lhes a qualidade de possuidores em nome alheio, já que é pelo título que se afere da relação do possuidor com a coisa.

    Faltando o título, é a própria lei que então, em caso de dúvida, presume que o possuidor possui em nome próprio, ou, usando os termos legais em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto –nº 2 do art. 1252º C.Civil.

    Ora, não existindo, como não existia, no caso vertente, uma situação de dúvida quanto ao modo como se iniciou o poder de facto sobre a coisa, não funciona a aludida presunção.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA e mulher BB, Intentaram, 10 de Julho de 2006, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra - CC; - DD e mulher EE; - FF e mulher GG; - HH e mulher II; - JJ; - KK e mulher LL; - MM; - NN e marido OO; - PP; e - QQ e mulher RR, pedindo que: a- lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre dois prédios rústicos e os réus condenados a reconhecê-lo; b- sejam anulados os registos desses prédios efectuados em nome do réu CC e averbado o registo a seu favor; c- sejam os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam o exercício do seu direito pleno sobre tais prédios; c- e que sejam ainda condenado o réu CC como litigante de má fé.

    Invocam, no essencial, factos tendentes a demonstrar que se radicou na sua esfera jurídica, através da aquisição originária, o direito de propriedade sobre esses prédios, bem como a prática de actos, por parte dos réus, violadores desse seu direito, inclusive a celebração de uma escritura de compra e venda entre o réu CC, como comprador, e os restantes co-réus, como vendedores.

    Contestaram os réus para, em síntese, impugnarem os factos invocados pelos autores e deduzirem pedido reconvencional a fim de ser reconhecido ao réu CC o direito de propriedade sobre esses mesmos prédios, com base na aquisição originária e derivada.

    E os autores/reconvindos ainda condenados: - a restituir esses mesmos prédios livres de pessoas e coisas à posse do réu/reconvinte CC e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou turbem o seu exercício, gozo e fruição; - a pagar ao mesmo réu a quantia de € 2.040,00 anual ou seu proporcional, acrescida de juros, desde a data da entrada em juízo da reconvenção até entrega efectiva dos prédios; - a pagar, a título de reparação pelos danos não patrimoniais causados, a quantia de € 5.000,00 ao réu CC e a quantia de € 500,00 a cada um dos restantes réus/reconvintes; - condenados como litigantes de má fé.

    Replicam os autores para, no essencial, defender a posição inicialmente assumida e impugnarem os factos alegados na reconvenção.

    Treplicaram os reús para reafirmar os factos por si invocados.

    Saneado o processo, procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante com fixação dos factos tidos por assente e dos controvertidos.

    Prosseguiu depois o processo para julgamento e na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente, e: - declarado o direito de propriedade dos autores sobre os prédios inscritos na matriz sob os arts. 772 e 792 e os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam o exercício, pelos autores, do direito de propriedade plena sobre ambos os prédios; - determinado o cancelamento das inscrições registais a favor de CC; e improcedente a reconvenção com a consequente absolvição dos autores dos pedidos contra si formulados.

    Inconformados com o assim decidido apelaram os réus/reconvintes, mas sem sucesso, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença recorrida.

    Ainda irresignados recorrem agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, continuando a pugnar pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as alegações de recurso, o inconformismo dos recorrentes, radica, em síntese, no seguinte: 1- Assente nos autos que, em data anterior a 1968, os prédios em causa foram dados de arrendamento aos autores pela sua, então, proprietária e que eles iniciaram a exploração dos mesmos, enquanto seus arrendatários, e que nunca os deixaram de amanhar, agricultar, pastorear e colher os seus frutos até à data de propositura da acção, mesmo depois de extinta a relação locatícia (sem que se demonstrasse a existência de qualquer hiato ou solução de continuidade), não pode considerar-se que os autores beneficiam da presunção de posse (animus) do art. 1252º’ nº 2 do CC, sufragada na doutrina do acórdão uniformizador do STJ 14/5/96, apenas porque mantiveram o exercício dos poderes de facto sobre os prédios em causa após ter ocorrido a extinção da relação locatícia.

      2- A presunção de posse (animus) daquele que exerce o direito de facto consagrada no nº 2 do art. 1252º só ocorre em caso de dúvida, mas já não quando é conhecida a forma como se iniciou o poder de facto sobre a coisa, isto é, quando o poder de facto é causal, pois, se aquele que exerce os poderes de facto sobre a coisa iniciou esse exercício por acto de quem era dono e possuidor dessa mesma coisa, não há qualquer dúvida sobre a forma como se iniciou a prática dos actos materiais sobre a coisa.

      3- Na hipótese dos autos, inexiste dúvida, sabendo-se antes que o poder de facto sobre...

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