Acórdão nº 3117/08.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução04 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Para se determinar quais os factos em que as partes divergem e quais aqueles outros em que estão de acordo, importa considerar, no seu conjunto, toda a matéria de facto articulada por cada uma delas, sendo certo que se tudo o que o réu alegou exclui, necessariamente, a possibilidade de ser verdadeiro determinado facto invocado pelo autor, se a posição definida sobre um facto não envolve admissão por acordo relativamente aos factos, não impugnados, que sejam dependentes ou estejam condicionados pelo facto impugnado, seria absurdo entender que aquele o aceitou como exacto, por o não ter impugnado, directa e especificadamente.

II - Se os efeitos da cessão de créditos entre as partes, isto é, entre o cedente e o cessionário, estão dependentes do tipo de negócio que lhe serve de base, já, em relação ao devedor, a eficácia da cessão, que não, propriamente, a sua validade, depende de um de dois factores, ou seja, a notificação e aceitação.

III - O devedor cedido pode impugnar, perante o adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente.

IV - Não podendo o devedor cedido invocar meios de defesa que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão, a compensação não procederá se, apenas, se tornar invocável após o conhecimento da cessão, o que significa que o contra-crédito do devedor cedido não se pode vencer depois da data em que o crédito transmitido ao cessionário seja exigível, porquanto, nessa altura, o cedente já não é credor, pois que tal posição é ocupada pelo factor.

V - Dependendo a extinção recíproca dos créditos da declaração compensatória, vindo esta a ser efectuada num momento em que o credor do réu, mercê da cessão financeira, era a autora, e não a cedente, já lhe não é oponível este meio de defesa.

VI - A renúncia à compensação é um acto voluntário de disposição, lícito e produtor de efeitos jurídicos, podendo ser expressa ou tácita, hipótese esta que tem de traduzir-se num comportamento incompatível com a vontade de compensar, para o que basta uma declaração unilateral do devedor.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA “AA, SA”, anteriormente, denominada “BB Factoring Portuguesa, SA”, com sede em Lisboa, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Município de Castro Marim, com sede em Castro Marim, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar à autora a quantia de €55.819,06, que inclui já os juros vencidos, até 10 de Novembro de 2008, e os juros vincendos sobre a importância de €45.917,53, desde aquela data e até integral reembolso, alegando, para o efeito, e, em suma, que celebrou com a empresa construtora “CC & Filhos, Ldª” um contrato de factoring, no âmbito do qual esta lhe cedeu um crédito de €45.917,53, que tinha perante o réu Município, referente a um contrato de empreitada de obras públicas, celebrado entre este e aquela empresa de construção, e que se encontrava titulado por uma factura, relativamente à qual o Presidente da Câmara de Castro Marim subscreveu uma declaração dirigida à autora, donde consta, textualmente, “De conformidade com o solicitado pela firma Construtora Barão, Ldª, declaro ter tomado conhecimento da cedência a V. Exªs do crédito titulado pela factura abaixo discriminada, no montante de €48.455,68.……Declaramos ainda que sobre o referido crédito vai ser descontado 5% como retenção de caução e 0,5% de desconto para a Caixa Geral de Aposentações, pelo que a importância liquidada será entregue directamente à BB Factoring Portuguesa, SA”.

Na contestação, o réu aceita os factos alegados pela autora, acabados de descrever, acrescentando que a cedente não cumpriu o contrato de empreitada, abandonando a obra, que, também, deixou com defeitos, que demandam correcção, o que determinou a rescisão do contrato, por parte do réu, com a consequente tomada de posse administrativa da obra.

Por outro lado, o réu desencadeou os procedimentos destinados a um novo concurso para a conclusão da obra, suportando custos com o incumprimento, em montante, largamente, superior ao valor do pedido formulado na acção, que importam a extinção do crédito da autora, por compensação.

Na réplica, a autora alega que não lhe são oponíveis os meios de defesa que o devedor pudesse invocar contra o cedente, desde que sejam posteriores ao conhecimento da cessão, como acontece com a matéria articulada na contestação do réu.

Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou, oficiosamente, verificada a excepção da incompetência, em razão da matéria, da Vara Cível de Lisboa, por entender ser antes competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e, em consequência, absolveu o réu da instância.

Deste saneador-sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando a decisão que absolveu o réu Município de Castro Marim da instância, considerando, materialmente, competente o tribunal «a quo», e, na procedência da acção, condenou o mesmo réu no pagamento da quantia de €45.917,53, com juros de mora, à taxa das empresas comerciais, desde 28 de Novembro de 2006, até cumprimento.

Do acórdão da Relação de Lisboa, o réu interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, dando-se sem efeito a matéria do ponto 6., do capítulo 3.2 (factos assentes), do douto acórdão recorrido e, além disso, julgando-se que os autos não contêm ainda matéria provada suficiente para uma decisão de fundo, determinando-se que os mesmos baixem à primeira instância, para aí prosseguir a acção os seus regulares termos, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª - Alegando o autor que o réu se obrigou a efectuar-lhe o pagamento de um crédito, adquirido por cessão, sem quaisquer outras deduções se não as expressamente indicadas, e respondendo o réu que quando interpelado para o pagamento explicou àquele as razões porque não o podia fazer, não se pode considerar assente por falta de impugnação aquela matéria atinente às deduções.

  1. - A decisão que julga assente tal matéria ofende o disposto no artigo 490°, n° 1, do Código de Processo Civil.

  2. - A declaração constante de um ofício subscrito pelo presidente de uma câmara municipal de que tomou conhecimento da cessão de um crédito e que após efectuadas certas deduções pagará esse crédito directamente ao cessionário destinatário do ofício não pode ser entendida como configurando uma vinculação directa entre o município e o cessionário.

  3. - O sentido e alcance da declaração negocial é, antes do mais, o que resulta da formulação literal, para uma pessoa comum, e ao advérbio de modo directamente aludindo à inexistência de intermediários, não pode ser atribuído outro significado que este.

  4. - O acórdão que diferentemente julga ofende os artigos 236°, n° 1 e 238°, n° 1 do Código Civil.

Nas suas contra-alegações, a autora conclui no sentido de que, não obstante o esforço desenvolvido pelo réu, a decisão recorrida não merece qualquer censura e deve ser confirmada.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, três novos factos, sob os nºs 7, 8 e 9, com base no teor dos documentos existentes nos autos, atento o disposto pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, do Código Civil...

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