Acórdão nº 2399/18.3T8STR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça* As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo AA intentou a presente acção contra BB.

Pediu a condenação do Réu a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a casa composta por ... e primeiro andar, destinada a habitação, tendo o rés-do-chão uma sala, cozinha, quatro casas de banho, duas arrecadações, adega, garagem e dois logradouros, e, o primeiro andar, quatro divisões, cozinha, duas casas de banho, corredor, duas despensas e duas varandas, inscrito na matriz predial urbana da freguesia .... sob o artº 72.... e, em consequência, restituir-lha, livre e devoluta de pessoas e bens, e a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, a título de lucros cessantes, contabilizada desde Novembro de 2007 até à entrega efectiva da casa devoluta de pessoas e bens, no montante de € 910,97 por cada mês em que se encontrar, por isso, impedida de arrendar o imóvel, liquidando-se as rendas vencidas, até à data do petitório, em € 118.426,23 (€ 910,97 x 130 meses), à qual acrescem juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data de citação do R. até integral e efectivo pagamento.

Acrescenta a A. que, à indemnização peticionada, deverá ser deduzido o valor do direito de crédito arrematado pelo R., a apurar nos presentes autos, mas que não poderá ser superior ao valor que o R. pagou pela arrematação do mesmo, no âmbito da acção executiva n.º 305/..., ou seja, € 40.150,00.

Alega ser proprietária do prédio urbano sito na Rua da ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial .... sob o n.º …90, adquirido por sucessão hereditária de CC, com quem foi casada. Ao longo dos anos foram edificadas várias construções no prédio, entre elas, a casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, e logradouros, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 72… da freguesia de ..., cujo … a A. deu de arrendamento desde Janeiro de 2001, recebendo a respectiva renda, mantendo o primeiro andar por acabar. Em 2000, cedeu ao seu afilhado o primeiro andar, comprometendo-se este a executar as obras de acabamento, o que ele fez.

Em 2003, foi surpreendida com uma notificação do Proc. n.º 305/..., do … Juízo do Tribunal ..., em que era exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e executados o seu afilhado DD e mulher, no âmbito da qual foi penhorado o direito a benfeitorias realizadas pelos executados no prédio. Contactou o afilhado que lhe transmitiu estar a tratar do assunto e lhe pediu para assinar documentos, sem compreender o seu conteúdo. Em 2005 foi ordenada a venda judicial do direito a benfeitorias, tendo o afilhado lhe pedido para assinar um documento com uma proposta de aquisição. Em 4 de Julho de 2006 foram abertas as propostas apresentadas, estando a A. presente, tendo sido aceite a proposta do R., no montante de € 40.150,00, por ser de valor superior à proposta por si apresentada. Em 12 de Março de 2007, o tribunal emitiu o título de transmissão.

Em consequência da incorrecta descrição do direito a benfeitorias, sucederam equívocos e, apesar das tentativas de esclarecimento pedidas por si, o certo é que o R. passou a considerar-se o proprietário da casa de rés-do-chão e primeiro andar, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 72... da freguesia ..., de que é proprietária, passando a receber a renda do inquilino do rés-do-chão desde Novembro de 2007. Apesar de ter conhecimento de que apenas adquiriu benfeitorias, o R. arroga-se proprietário do imóvel. Opôs-se à criação pelo R. de um novo artigo matricial, tendo recorrido para o Tribunal Administrativo e Fiscal ..., que lhe deu razão. Conclui que é a proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 72..., da freguesia .., facto que comunicou ao R., que continua a ocupar ilicitamente o prédio.

Alega ainda a A. que a ocupação do prédio pelo R. lhe causa danos, pois impede-a de receber as rendas desde Novembro de 2007, quer do ..., no valor de € 450,00 mensais, quer do primeiro andar, no valor de € 460,97, quantias a que acrescem juros.

Citado, o R. contestou invocando a excepção de caso julgado, face ao Proc. nº 305/..., do … Juízo de ..., renumerado em 3810/14..., do Juízo de Execução do ... – Juiz …, do Tribunal da Comarca ..., e impugnando os factos alegados pela A.

Alega que o prédio em causa não foi construído pela A., mas pelo seu afilhado, que, por ter dívidas, manteve a A. como titular. A credora CCAM sabendo que o prédio era do afilhado da A., nomeou à penhora a construção, seguindo-se as demais fases do processo, nas quais a A. participou, acompanhada do seu mandatário.

Ao R. veio a ser adjudicada a benfeitoria, que corresponde à totalidade do prédio artigo 72…., composta por casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, tendo o rés-do-chão uma sala, cozinha, quatro casas de banho, duas arrecadações, adega, garagem e dois logradouros, e, o primeiro andar, quatro divisões, cozinha, duas casas de banho, corredor, duas despensas e duas varandas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 72…. da freguesia……, passando a residir no primeiro andar e a receber as rendas relativas ao rés-do-chão, fazendo-o com base no título de transmissão.

As Decisões Judiciais Em 1ª instância, a acção foi julgada improcedente, com absolvição do Réu do pedido.

Ao invés, na Relação, o Réu foi condenado a reconhecer a Autora como proprietária da casa composta por rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 72… da freguesia ... e averbada pela ap. 1 de 04.12.2001 na descrição predial do prédio descrito sob o n.º …90, inscrito pela ap.7 de 1998.06.03 a favor da A., e a restituí-la, livre de pessoas e bens, à Autora, mantendo, no mais, a sentença recorrida.

A Revista Recorre agora o Réu de revista, formulando as seguintes conclusões: a. (…) b. Os presentes autos foram originados pela circunstância de o Recorrente ter adquirido em 2007, por venda judicial realizada no âmbito de ação executiva, em que eram executados DD (afilhado da Recorrida) e mulher, que correu termos no … juízo do Tribunal Judicial de ... com o nº de processo 305/…. (renumerado na sequência do novo mapa judiciário com o nº 3810/14 – Juízo de Execução ... – Juiz …), a edificação composta por ... e primeiro andar, destinado a habitação, tendo o rés-do-chão uma sala, cozinha, quatro casas de banho, duas arrecadações, adega, garagem e dois logradouros, e, o primeiro andar, quatro divisões, cozinha, duas casas de banho, corredor, duas despensas e duas varandas, com a área coberta de 234,5 m2 e a área descoberta de 118,5 m2, implementadas em terreno propriedade da Recorrida, sito na Rua ..., ..., freguesia ....

  1. A venda da construção fora publicitada na referida venda judicial como “benfeitorias” (factos 15. e 20 da matéria de facto provada) d. Sucede que, o bem adquirido pelo Recorrente por venda judicial no processo de execução acima identificado corresponde à totalidade de uma construção (pontos 5. e 24. da matéria de facto provada do Acórdão Recorrido).

  2. Assim, a questão essencial de direito que motiva os presentes autos de Recurso e que se submete à apreciação de V. Exas. resume-se à determinação da natureza jurídica das “benfeitorias”, ou melhor da construção penhorada no âmbito do processo executivo nº 305/... que correu termos no … Juízo do Tribunal Judicial de ... (renumerado na sequência do novo mapa judiciário com o nº 3810/14... – Juízo de Execução do ... – Juiz …) e adquiridas pelo Recorrente em 2007 através de venda judicial em sede daquela ação executiva, e em consequência o regime substantivo aplicável.

  3. Tal circunstancialismo remete-nos impreterivelmente para a dicotomia entre o regime das benfeitorias e acessão, como fora feito pelo Tribunal de 1ª instância e que incompreensivelmente não fora considerada pela Relação de Évora.

  4. A esse propósito, tem sido acolhido na nossa jurisprudência a orientação doutrinária de Pires Lima e Antunes Varela (ob. Cit., p. 163), no sentido de que, “A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. (…) São acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional. (…) As benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa beneficiada” (Acórdão da Relação de Coimbra, 13 de maio de 2014, proc. nº 1068/08.7TBTMR-B.C1).

  5. Aliás, esse mesmo entendimento encontra-se plasmado nos Acórdãos citados na decisão do Tribunal “a quo” (V. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de março de 2007, proc. nº 07B589 e de 27 de setembro de 2012, proc. nº 1696/08.0TBFAR.E1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

  6. Acolhendo essa posição doutrinária, o Tribunal de 1ª instância considerou, de forma douta, que, “(…) a construção do imóvel pelo afilhado DD não tinha por objecto conservar ou melhorar o prédio propriedade da A., antes constituindo um prédio autónomo, onde aquele passou a residir com a sua família, adquirindo assim a sua natureza de prédio próprio do DD, construído em terreno alheio (acessão).” j. O ponto fulcral para a ratio decidendi no caso sub judice é a determinação de existência de relação jurídica que ligue a pessoa à coisa beneficiada (benfeitoria) ou a inexistência da mesma (acessão).

  7. Ora, da matéria de facto provada resulta que o afilhado da Recorrida foi meramente autorizado por aquela a edificar a construção (ponto 3. da matéria de facto provada), pelo que é inequívoca a inexistência de qualquer relação especial que o unisse ao terreno da Recorrida, e consequentemente a inexistência regime jurídico específico que mande aplicar no presente caso o regime jurídico das benfeitorias.

  8. ...

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