Acórdão nº 1237/15.3T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório O Autor propôs uma ação declarativa, com processo comum, contra os Réus, pedindo que se: A. Declare anulado o contrato-promessa de compra e venda referido e caracterizado no articulado, celebrado entre si e a dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”; B. Declare ainda, em consequência da anulabilidade, que tem direito ao valor da prestação que efetuou no montante de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros desde a citação e até efetivo pagamento, bem como da quantia indicada no art.º 73.º da Petição Inicial; C. A título subsidiário, na hipótese de improcedência dos pedidos anteriores, que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre si e a dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, identificado na Petição, e, em consequência, condenar-se os Réus a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal, em singelo, no valor de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros legais, desde a citação dos Réus, até efetivo pagamento, e ainda da quantia indicada no artigo 73.º da Petição Inicial; D. Em caso de improcedência de qualquer dos pedidos acima formulados, que o Tribunal, por motivos de equidade, reduza o valor do sinal entregue à dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, por força do contrato-promessa descrito no articulado, no montante de setenta e um mil e cem Euros, e ordene que os Réus sejam condenados à restituição parcial do mesmo, no valor que tiver por adequado, por aplicação analógica do art.º 812.º ao art.º 442.º do Código Civil; E. Declare responsáveis por essa restituição (em relação a qualquer dos pedidos formulados anteriormente) os Réus, porquanto atuaram com intenção de o prejudicar, como credor da sociedade dissolvida e, por outro lado, com inobservância culposa das disposições destinadas à proteção dos credores sociais, no exercício das suas funções de gerentes, transmitindo previamente todo o património social da extinta sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.” a terceiros (Réus sócios gerentes, e não sócios), sem a correspondente prestação ter entrado na caixa social; por um lado, e, por outro lado, designadamente, com violação das regras atinentes à distribuição de bens da dissolvida sociedade aos Réus (artigos 141.º - 154.º pi), com desrespeito pelo disposto no artigo 35.º CSC (artigos 165.º - 175.º pi), pelo regime de suprimentos à sociedade efetuados pelos Réus sócios e gerentes da dissolvida sociedade, e violação das regras atinentes à sua restituição, por não verificação dos pressupostos legais para que a restituição pudesse ser efetuada (artigos 120.º a 140.º da pi), por violação do disposto no artigo 158.º CSC (artigos 156.º - 165.º da pi), pela não realização das operações atinentes à liquidação da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, atenta a existência do seu crédito (artigos 116.º - 11... pi), por terem atuado com abuso de direito, por incongruências várias ao nível da prestação de contas e contabilidade da dissolvida sociedade, com prejuízo para si (credor social) – artigos 11... a 175.º -, e também pelo facto da venda dos bens por escrituras de 19/12/2013 (dissolvida sociedade vendedora) terem sido efetuada por valor inferior ao seu justo valor, e em desrespeito do artigo 63.º do CIRC, tudo gerando a responsabilidade dos Réus, nos termos do disposto (entre outras normas) no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais, atenta a insuficiência do património para a satisfação do seu crédito; F. Declare a nulidade do registo de dissolução e liquidação da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, por na ata de deliberação (22), em que se consignou que a mesma não tinha passivo, sendo tal facto falso, com todas as legais consequências, por não verificação dos pressupostos a que alude o artigo 27.º do Decreto-Lei 76-A/2006 (artigo 81 – 85.º da pi); G. Condenem os Réus a pagar-lhe a referida quantia de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como da quantia descrita no artigo 73.º da pi; H. Declarem ainda verificados relativamente ao seu crédito os requisitos da impugnação pauliana nos negócios de compra e venda celebrados pela dissolvida “Vasquez Rodrigues, Lda.” com os Réus melhor identificados nos artigos 8... a 116.º da pi, e pelas escrituras neles identificadas, e, em consequência, serem declaradas ineficazes as transmissões operadas pelos aludidos contratos de compra e venda em relação a si, assim como ineficaz o respetivo registo, podendo ele executar as frações no património dos Réus nas mesmas identificadas, na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito.

Em síntese, alegou o seguinte, para fundamentar estas pretensões: - Os 1.º, 3.º, 5.º, 6.º, 8.º Réus e o falecido RR foram, entre outros, os sócios fundadores da sociedade comercial “Vasquez Rodrigues, Lda.”, a qual foi constituída com um capital social de € 50.000,00 e tinha como objeto a compra e venda de terrenos, urbanização, construção e venda de imobiliário e quaisquer atividades concernentes ao desenvolvimento do turismo nacional.

- Esta sociedade foi dissolvida no dia 26/03/14, mediante apresentação da Ata n.º 22 da assembleia geral extraordinária, realizada no dia 24/03/14, de onde resulta que a sociedade tinha cumprido integralmente o seu objetivo social e não tinha qualquer ativo ou passivo.

- Os sócios da dita sociedade agiram com dolo, ao negarem o passivo existente aquando da dissolução da sociedade e ao, previamente à dissolução terem praticado atos de transmissão do património social para terceiros, incluindo os próprios sócios, com a intenção de não pagarem aos credores sociais e de ficarem com o ativo da sociedade, bem como que os demais Réus atuaram em conluio com os Réus-sócios, sendo deles familiares.

- Em 14/06/05, o Autor outorgou com a dita sociedade um contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma correspondente a uma habitação do tipo T2, sita no ... andar, do bloco ..., com a identificação provisória “AAJ”, com lugar de garagem e um arrumo, do prédio urbano denominado “...”, sito na Rua ..., Rua ... e Rua de ..., no …, pelo preço de € 155.000,00 (entretanto aditado do valor de € 82.000,00, para a execução de alterações e acabamentos).

- No ato da assinatura do contrato, o Autor pagou à sociedade a quantia de € 23.700,00, tendo pago ainda, posteriormente, mais duas tranches de igual valor, no valor global de € 71.100,00.

- Nesse contrato-promessa ficou acordada uma previsão da conclusão da construção do prédio até ao dia 31/12/06 e que o contrato prometido seria outorgado nos primeiros 30 dias após a obtenção da licença da habitabilidade.

- A sociedade em referência apenas procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 22/12/08, muito depois do prazo acordado de 30 dias, sem ter notificado o Autor com a antecedência de 15 dias e apresentando a fração defeitos vários.

- O Autor enviou uma carta à sociedade enumerando um conjunto de desconformidades que, no seu entender, eram condicionantes absolutas para a realização da escritura, não tendo a sociedade acatado esta sua pretensão.

- O Autor não recebeu a notificação para comparecer na escritura, uma vez que estava internado no hospital.

Os 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º Réus, e os herdeiros do falecido RR, OO, PP, QQ, 8.º, ..., 10.º, 11.º, 12.º Réus, vieram contestar, aceitando a celebração do contrato promessa e impugnando a demais matéria de facto da Petição Inicial.

Alegaram ainda o seguinte: - O Autor sempre acatou, sem qualquer reclamação, o atraso na conclusão da obra.

- Não foi marcada a escritura pública no prazo acordado de 30 dias após a obtenção da licença de habitabilidade porque o Autor indicava sucessivas desconformidades e apresentava sucessivas exigências quanto aos acabamentos.

- Foram retificadas todas as desconformidades e defeitos existentes, tendo sido o Autor quem protelou sistematicamente o desfecho harmonioso entre as partes, refugiando-se em motivos falsos.

Concluíram, sustentando a improcedência dos pedidos formulados e a consequente absolvição dos Réus.

Notificado o Autor para se pronunciar quanto às exceções invocadas na contestação, o mesmo veio impugnar a factualidade constante das mesmas.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, com a seguinte decisão: Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo na íntegra os réus BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, PP, QQ e OO da totalidade dos pedidos contra si formulados pelo autor AA.

Desta decisão recorreu o Autor para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 27.10.2020, julgou procedente o recurso e condenou os Réus sócios e liquidatários da sociedade Vasquez Rodrigues, Limitada, BB, DD, GG, RR, II e FF a restituírem ao Autor as quantias recebidas a título de sinal e reforço de sinal, num total de € 71.100,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação dos Réus e até efetivo pagamento.

Os Réus interpuseram recurso de revista desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: 1ª Celebrado contrato-promessa entre autor e a empresa Vasquez & Rodrigues, Ldª, do imóvel, fração autónoma melhor identificada nos autos, após data da efetiva conclusão da construção do prédio, entre Agosto e Setembro de 2008. Tidas prévias conversas pessoais entre o autor e um dos sócios, bem como com o representante da empresa (SS), a Vasquez & Rodrigues, Ldª, solicita ao promitente-comprador, por carta registada de 5 Dezembro de 2008, uma visita/vistoria ao imóvel com objetivo de marcar a escritura.

  1. O promitente-comprador responde por escrito através dessa missiva de 12 Dezembro 2008, elencando variadíssimas desconformidades, inúmeros defeitos, e muitas deficiências de toda a espécie no interior do apartamento.

  2. A construtora procedeu a várias intervenções no apartamento com vista à reparação dos defeitos apresentados. Este facto resultou...

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