Acórdão nº 24/20.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2021
Magistrado Responsável | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS |
Data da Resolução | 25 de Março de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Procº nº 24/20.1YFLSB Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA, Juíza Conselheira……, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 164.°, n.° 1, alínea c), 166.°, n.° 2, 169.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e 37.° do CPTA, intentar acção administrativa contra o Conselho Superior de Magistratura (CSM), tendo como contra-interessado BB, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação .........
Pede que a presente acção seja julgada procedente, declarando-se que a deliberação do Plenário do CSM de 07.07.2020 que ordenou o arquivamento dos autos de processo de inquérito instaurado contra o Contra-Interessado, é inválida, sendo a mesma anulada, mais devendo o mesmo ser condenado a converter os aludidos autos de inquérito em autos de processo disciplinar.
Em síntese, alegou que o Conselho Superior da Magistratura, ao arquivar o inquérito violou o disposto nos artigos 82.º, 110.º e 126.º do EMJ, na medida em que o participado praticou factos que importam em infracção disciplinar.
Entende a autora que as afirmações feitas pelo participado e constantes do artigo “Militâncias e Justiça” que o mesmo, invocando a qualidade …… da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, fez publicar no jornal ….., na edição …… de Julho de 2020, violam os deveres de boa fé, lealdade e correção, previstos nos artigos 70.º, n.º 1, 73.º, n.º 2, alªs g) e h), da LGTFP, ex vi art.º 32.º do EMJ (na redacção da Lei n.º 21/85, de 30-07, vigente à data dos factos) e, ainda, o dever de reserva previsto no art.º 7.º-B, n.º 2, 3 e 4, do EMJ (na redacção introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto).
O demandado, Conselho Superior de Magistratura, contestou, pedindo a improcedência da excepção de ilegitimidade da autora ou, caso assim se não entenda, deverá a presente ação ser julgada improcedente.
Em resumo, disse que em 09-12-2019, a autora apresentou participação disciplinar junto do CSM, contra o Juiz Desembargador BB, mediante a qual lhe imputou a violação dos deveres profissionais acima já referenciados.
Por deliberação do Plenário do CSM, datada de 03-03-2020, foi determinada a instauração de inquérito para apreciação dos factos participados contra o Senhor Juiz Desembargador, BB e, também contra-participados, relativamente à Senhora Juíza Conselheira AA.
Em 05-06-2020, foi elaborado relatório pelo Exmº Senhor Inspector Judicial Extraordinário nomeado para proceder à instrução do inquérito, no qual se concluiu pela falta de indícios suficientes para responsabilização disciplinar do participado Juiz Desembargador BB, propondo-se, em consequência, o arquivamento do inquérito.
No âmbito da deliberação de 07-07-2020, ora impugnada, foi decidido aprovar por maioria, o arquivamento dos presentes autos de inquérito em que são visados a demandante Exmª Senhora Juíza Conselheira Dra. AA, e o contra-interessado Juiz Desembargador Dr. BB.
Em matéria disciplinar o direito dos cidadãos em geral esgota-se na faculdade de participar ao CSM factos ou decisões susceptíveis de constituir infracção disciplinar.
Uma vez deduzida a participação ou queixa, cumpre ao CSM, nos termos legalmente previstos e no âmbito das competências que lhe são confiadas enquanto órgão constitucional dotado de autonomia administrativa e responsável pela gestão e disciplina dos juízes da jurisdição judicial, decidir, fundamentadamente, acerca do arquivamento ou do prosseguimento do processo em matéria disciplinar.
De resto, desde há muito que o sentido dominante e pacífico da Secção do Contencioso do STJ é de que falta legitimidade ao participante para impugnar contenciosamente a deliberação do CSM que, apreciados os concretos circunstancialismos da participação ou queixa apresentada, decide pelo seu arquivamento.
No caso dos autos não se vislumbra em que medida o arquivamento da queixa apresentada e não prossecução de acção disciplinar poderia reflectir-se, directa e pessoalmente na esfera jurídica da autora, lesando-a.
A deliberação que decidiu pela não instauração do procedimento disciplinar, concluindo pela inexistência de indícios suficientes do cometimento de infracção disciplinar, não é suscetível de causar prejuízo à autora, uma vez que essa decisão não causa qualquer prejuízo directo e imediato na sua esfera jurídica. A autora não tem interesse directo e legítimo, nem é lesada, nos termos do disposto nos artigos 164.º, n.º 2, do EMJ, e 55.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 169.º do EMJ, na redacção actualmente vigente, aprovada através da Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto.
Donde, forçoso será concluir que a autora carece de legitimidade para impugnar contenciosamente a deliberação que decidiu pelo arquivamento da participação disciplinar que apresentou.
Deverá ser liminarmente rejeitada a presente acção administrativa, por falta de legitimidade da autora.
Caso assim se não entenda, inexistem elementos que indiciem a violação, por parte do Juiz Desembargador participado, de qualquer dever funcional susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade disciplinar, pelo que não podia ser outro o sentido da deliberação ora posta em crise, sendo indiferente a discordância, ainda que legítima, da autora participante.
Outrossim, inexiste a verificação de qualquer interesse pessoal, directo e legítimo da autora participante quanto à sequência de tal responsabilidade disciplinar.
A deliberação em questão não padece de nenhum vício, seja omissão de pronúncia, falta de fundamentação, violação de lei, ou outro, sendo irrepreensível do ponto de vista da sua validade e plena eficácia.
O contra-interessado BB contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Em síntese, alegou que a deliberação impugnada não padece de qualquer ilegalidade, porque os factos praticados não consubstanciam uma infracção disciplinar. Mais alegou que a notícia respeitante à renúncia das funções da autora no Tribunal ….. gerou imensa polémica, visto que foi amplamente difundida na imprensa, e que por esse motivo e atendendo aos seus contornos específicos, e no entendimento do contra-interessado, revelou ser negativo e desprestigioso para a imagem da justiça e dos juízes.
Nessa decorrência, e apenas por esse motivo, sendo o contra-interessado Presidente da ASJP, no cumprimento dos Estatutos da ASJP, do mandato que lhe foi conferido pelos juízes associados e do programa de acção da direcção a que preside, escreveu um artigo de opinião quanto ao assunto vertente – a legitimidade ética de se assumirem publicamente militâncias em causas sociais, políticas, ideológicas, religiosas ou outras – reitere-se, que se encontrava em discussão nos jornais, onde expressou a opinião maioritária dos juízes e tendo sempre em consideração o Compromisso Ético dos Juízes Portugueses sufragado nos órgãos próprios da ASJP pelos juízes.
O contra-interessado não violou o dever de reserva decorrente do disposto no artigo 7º-B do EMJ, uma vez que agiu na qualidade de presidente e representante de uma associação sindical, comentando assuntos relevantes para o exercício dessa função e incluídos no respetivo objecto estatutário.
Não comentou ou teceu comentários quanto a um processo judicial em concreto, mas quanto a uma notícia que era veiculada por diversos jornais (de natureza Pública).
Tendo por base o veiculado na comunicação social, o contra-interessado limitou-se a fazer uma reflexão sobre o tema e aquilo que o Compromisso Ético dos Juízes Portugueses determina, agindo ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 1, alíneas a) e g), dos Estatutos da ASJP.
Mais alegou que, no caso em concreto, impunha-se ao contra-interessado, e na qualidade de representante dos Juízes Portugueses, a tomada de posição quanto a um assunto que era veiculado na comunicação social, por diversos jornais, e que colocava em causa a imagem da justiça, que expressasse a opinião dos juízes que representa.
Impõe-se que o artigo 7ºB do EMJ, seja interpretado em consonância com o decorrente nos artigos 3º, alíneas a) e g), dos Estatutos da ASJP, sob pena de se coarctar o direito à liberdade de expressão do dirigente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, aqui contra-interessado, e assim se impedir o exercício da actividade sindical em pleno, que se traduz em concreto na defesa dos interesses dos magistrados e da imagem da justiça, pelo que outra interpretação se revelará inevitavelmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 55º, nºs 1 e 6, da CRP.
Razão pela qual, se deverá entender que a conduta do contra-interessado não consubstancia numa infracção disciplinar e assim na violação do dever funcional/profissional do direito de reserva, uma vez que a conduta adoptada teve como justificação o exercício da actividade sindical, e não existiu, entre o mais, a intenção.
Por outro lado, não se vislumbra de que forma o artigo de opinião possa violar os deveres de lealdade e correcção, atendendo que a linguagem empregue não é de todo ofensiva ou menos própria e não se poderá considerar que os sobreditos deveres se encontram violados pelo facto de o artigo não ser de feição à autora.
O artigo em questão é um artigo de opinião que não visou directamente a autora mas uma reflexão sobre o tema em discussão, demonstrando o que se impõe aos juízes, pelo que mais não fez que exercer o seu direito de liberdade de expressão, e que se impunha em prol da defesa dos interesses da colectividade (juízes e imagem da justiça).
A autora replicou, dizendo que o contra-interessado acusou a autora de usar uma decisão judicial em que, na qualidade de juíza, interviria, como veículo de propaganda de determinada convicção política ou ideológica cuja partilha lhe imputou.
A acusação feita - de a autora instrumentalizar a função judicial a interesses que lhe seriam alheios - constitui - julga-se - um dos piores insultos que pode fazer-se a um Magistrado Judicial.
Tal discurso coloca em crise os atributos de independência e imparcialidade que segundo o EMJ - cf. artigos 4.° e 6.°- C - são apanágio dos Magistrados Judiciais, estando a sua...
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