Acórdão nº 19538/17.4T8LSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLEONOR CRUZ RODRIGUES
Data da Resolução03 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Procº nº 19538/17.4T8LSB.L1.S1 4ª Secção LR/JG/CM Acordam em conferência na Secção social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Inconformada com o acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 8 de Julho de 2020 nos presentes autos de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra si movida por AA, que, concedendo a revista, revogou o acórdão do Tribunal da Relação …...., repristinando, no que se refere à declaração de ilicitude do despedimento e à alínea b) do dispositivo, a sentença proferida pela 1ª instância, que, nesses segmentos do dispositivo, julgara ilícito o despedimento e condenara a Ré no pagamento das retribuições e subsídios de férias e natal intercalares, veio a Ré/recorrida, aqui Recorrente, “AUCHAN RETAIL PORTUGAL, S.A.” anteriormente “AUCHAN PORTUGAL HIPERMERCADOS, S.A:”, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigos 688º e segts. do Código de Processo Civil, alegando que o acórdão recorrido, relativamente a duas questões decididas, está em contradição com dois outros acórdãos, cada um deles incidindo sobre uma das questões decididas no acórdão recorrido, proferidos por este mesmo Supremo Tribunal, no domínio da mesma legislação, sobre as mesmas “questões fundamentais de direito”, que identifica como “Primeiro acórdão Fundamento” e “Segundo acórdão Fundamento”.

Os acórdãos deste Supremo Tribunal, que a Recorrente indicou estarem em contradição com o proferido nos autos, são os acórdãos de 2 de Dezembro de 2013 (Primeiro Acórdão Fundamento) e 5 de Junho de 2019 (Segundo Acórdão Fundamento), proferidos nos Processos nº 1445/08.3TTPRT.P2.S1 e n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1., respectivamente.

  1. Por decisão singular do Relator de 20 de Novembro de 2020 foi rejeitada a admissão do recurso de uniformização de jurisprudência interposto.

  2. O despacho reclamado tem o seguinte teor: I “Por acórdão proferido por esta Secção em 8 de julho de 2020, na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA intentou contra AUCHAN PORTUGAL HIPERMERCADOS, S.A.” foi decidido: «acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida, repristinando-se, no que se refere à declaração de ilicitude do despedimento e à alínea b) do dispositivo, a sentença proferida pela 1.ª instância».

    Este segmento da sentença proferida na 1.ª instância referia que «Por tudo o que se deixou dito, nos termos das disposições legais citadas, declaro ilícito o despedimento da trabalhadora e, em consequência, condeno a empregadora: a) – (…); b) – A pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 390.º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença».

    Notificada deste acórdão, veio a Ré «nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 688.º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), e 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho, requerer a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, em virtude de esse acórdão estar em contradição com outros dois acórdãos proferidos por este Alto Tribunal (o “Primeiro Acórdão Fundamento” e o “Segundo Acórdão Fundamento” adiante identificados), relativamente a duas questões decididas pelo Acórdão Recorrido, sendo que os três arestos foram proferidos no domínio da mesma legislação e as ditas questões constituem “questões fundamentais de direito”.

    Fundamentou a admissão do recurso e integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: 1.º O Acórdão Recorrido encontra-se em contradição com os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 1445/08.3TTPRT.P2.S1 (Primeiro Acórdão Fundamento) e n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1 (Segundo Acórdão Fundamento), os quais transitaram em julgado em momento anterior ao do trânsito em julgado daquele.

    1. Em ambos os casos de oposição, estão preenchidos os requisitos de que o artigo 688.º do Código de Processo Civil faz depender a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência.

    2. Assim, Acórdão Recorrido e Primeiro Acórdão Fundamento têm subjacente a mesma factualidade: em ambos está em causa despedimento de trabalhadores (i) com antiguidade superior a 20 anos, (ii) sem registo disciplinar até à data e que (iii) consumiram bens pertencentes ao respetivo empregador, inutilizando-os (iv) e procurando disfarçar a sua atuação.

    3. Tal factualidade suscitou, em ambos os arestos, a mesma questão jurídica: saber se a verificação de prejuízos materiais constitui pressuposto necessário ao preenchimento do conceito normativo de justa causa de despedimento, 5.° Subsumível, no caso do Acórdão Recorrido, ao artigo 351.º, n.º 1, do atual Código do Trabalho, de acordo com o qual «Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

    4. E subsumível, no caso do Primeiro Acórdão Fundamento, ao artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, ao abrigo do qual «O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento».

    5. Concluindo-se pela identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão de direito em causa, a aludida questão foi abordada, em ambos os arestos, no domínio da mesma legislação.

    6. A referida questão de direito constituiu, quer no Acórdão Recorrido, quer no Primeiro Acórdão Fundamento, thema decidendum e não mera questão secundária, lateralmente discutida, o que permite concluir pelo carácter fundamental e essencial da mesma.

    7. Ora, o Acórdão Recorrido encontra-se em manifesta contradição com o Primeiro Acórdão Fundamento a propósito da enunciada questão fundamental de direito, e não em circunstância de mera divergência.

    8. Sufragando a inexistência de prejuízos juridicamente relevantes em face da inexistência de prejuízos patrimoniais, o Acórdão Recorrido considerou ilícito o despedimento, atenta a circunstância de, no entender que perfilhou, não se encontrarem preenchidas as necessárias gravidade e consequências da conduta conducentes à inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, que integram o conceito de justa causa de despedimento.

    9. No Acórdão Recorrido o Tribunal assumiu, portanto, como pressuposto necessário à existência de justa causa, a existência de prejuízos de índole patrimonial.

    10. Tal afigura-se frontalmente contrário à interpretação que doutrina e jurisprudência nacionais fazem, de forma consistente, do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, no sentido de que o prejuízo determinante para se aferir da existência de justa causa de despedimento - mormente, quando assente em violação do dever de lealdade - reside na perda de confiança do empregador e não em danos patrimoniais, cujo valor ou até mesmo inexistência, apesar de atendíveis, não afastam, per se, a inexigibilidade da manutenção da relação laboral.

    11. O aludido entendimento doutrinário e jurisprudencial foi perfilhado pelo Primeiro Acórdão Fundamento, ao decidir pela licitude do despedimento por considerar irrelevante -enquanto (i) não unicamente determinante e (ii) de natureza lateral-eventual inexistência de prejuízos materiais, no contexto da aferição de justa causa de despedimento.

    12. Também ao Acórdão Recorrido e Segundo Acórdão Fundamento subjaz a mesma factualidade: ambos versam despedimento de trabalhadores em face de condutas praticadas fora do tempo e do local de trabalho.

    13. Os referidos pressupostos fácticos desencadearam, nos dois arestos, a mesma questão jurídica: a de saber se é admissível justa causa de despedimento “externa”, ou seja, baseada em conduta extralaboral, 16.° O que se subsume, em ambos os acórdãos, à interpretação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 351.º do atual Código do Trabalho, os quais postulam que: «1. - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. […] 3. - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».

    14. Verificando-se, portanto, identidade substantiva do quadro normativo em que se insere questão de direito em causa, a mesma foi abordada, nos dois casos, no domínio da mesma legislação.

    15. A versada questão de direito constitui, quer no Acórdão Recorrido, quer no Segundo Acórdão Fundamento, thema decidendum e não mera questão secundária, lateralmente discutida, o que permite concluir pelo carácter fundamental da mesma.

    16. Ora, também aqui, o Acórdão Recorrido encontra-se em manifesta contradição com o Segundo Acórdão Fundamento a propósito dessa questão fundamental de direito, e não em circunstância de mera divergência.

    17. Sufragando-se no Acórdão Recorrido que não foram violados deveres estruturantes da relação de trabalho por estarem em causa, única e exclusivamente, condutas extralaborais e, consequentemente, que inexistia justa causa para despedimento, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, naquele aresto, pela ilicitude do despedimento, 21.° Por não reconhecer a admissibilidade da justa causa “externa”.

    18. Contrariando, assim, o entendimento preconizado pela doutrina, a respeito da interpretação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, em especial no contexto da aferição...

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