Acórdão nº 5354/18.0T8LSB.L1.S.1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I - Relatório Os Autores vieram intentar a presente ação declarativa, com a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a: a) reconhecer que os certificados de aforro alegados no artigo 6º da petição integram as heranças abertas por óbito de CC e DD; b) reconhecer que aos Autores, enquanto únicos titulares das heranças abertas por óbito de seus pais, assiste o direito de exigir o reembolso do valor atualizado das unidades de participação constantes dos certificados de aforro discriminados no artigo 6º da petição; c) pagar-lhes a quantia de € 850.773,55, correspondente ao valor atualizado, capital e juros, desses certificados de aforro, bem como juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram: - São herdeiros de CC, falecido em … .04.2002, no estado de casado com DD, em primeiras núpcias de ambos e no regime dotal do Código Civil de 1867, por casamento celebrado aos … de março de 1947, com convenção antenupcial celebrada a 17 de fevereiro de 1947; - Sucederam-lhe como únicos herdeiros a referida sua mulher e os seus dois filhos, aqui Autores; - No dia … de setembro de 2017, faleceu DD, no estado de viúva de CC; - Tendo-lhe sucedido, como únicos herdeiros, os seus dois filhos, aqui Autores; - O referido CC era titular de uma conta aforro, com o nº …23, a qual, à data do seu óbito, era constituída por certificados de aforro que identificam, com um valor total de 198.022,64 €; - No dia 8 de janeiro de 2018, o 1º Autor requereu a emissão de certidão dos certificados de aforro e certificados do tesouro detidos pelo seu falecido pai; - Por carta de 10 de janeiro de 2018, a Ré informou que, nos termos da lei (artigo 12º do Decreto-Lei 122/2002, de 4 de maio), incide uma prescrição sobre esses mesmos certificados, por a habilitação se encontrar fora do prazo legalmente estabelecido para o efeito – 10 anos após o óbito do titular, em virtude de não ter sido apresentada qualquer prova conducente à interrupção ou suspensão da prescrição do prazo para a habilitação; - Até à data, a Ré não procedeu ao pagamento aos Autores das quantias correspondentes aos valores atualizados dos certificados de aforro (capital e juros); - Respeitando a vontade da mãe, e também porque cada um dos Autores vivia dos créditos dos seus salários, com os agregados familiares, nunca efetuaram partilhas totais por óbito de seu falecido pai.

- E, quando ele faleceu, desconheciam ambos, e também a sua mãe, que o seu pai era titular de certificados de aforro; - No início de janeiro deste ano os Autores decidiram desfazer a casa dos pais, de forma a dar destino aos móveis que constituem o seu recheio, bem como às roupas e vestuário de seus pais, que lá se encontravam guardados desde o falecimento do pai, em 2002; - Tendo encontrado, por mero acaso, dentro de uma agenda, misturado com outros papéis manuscritos pelo seu pai, numa cómoda, os títulos dos certificados de aforro acima alegados; - Os Autores tiveram conhecimento da existência dos certificados de aforro, titulados em nome de seu falecido pai, em janeiro de 2018; - O prazo aludido no artigo 7º do Decreto-Lei 172-B/86, de 30 de junho, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 12º do referido Decreto-Lei 122/2002, de 4 de maio, é um prazo de prescrição.

- Porque ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste (…) a contagem do prazo prescricional só se inicia com o conhecimento da morte do titular (facto neutro) e de que ele era titular de certificados de aforro.

- Razão pela qual os Autores estão em tempo para exercerem o seu direito ao reembolso dos certificados de aforro.

Citada, veio a Ré apresentar contestação, arguindo a exceção de prescrição do direito dos autores.

Defende a Ré que: - Determina o art.º 7º do Regime Jurídico dos Certificados de Aforro da série B (D.L. nº 172-B/86, de 30 de junho, alterado pelo D.L. nº 122/2002, de 4 de maio, e D.L. nº47/2008 de 13 de março): “1 - Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos: a) A transmissão da totalidade das unidades que o constituem; ou b) O respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data em que o reembolso seja autorizado.

2 - Findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição.” - O alegado desconhecimento sobre a existência de certificados de aforro é juridicamente irrelevante, dado que o início do prazo de prescrição, no caso, se afere pelo decesso do aforrista; - E uma vez falecido o aforrista, os herdeiros ficam em condições de poderem exigir os certificados de aforro ao IGCP; - Ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição não depende do conhecimento, mas sim da data da morte do aforrista.

Notificados para fins de contraditório, vieram os Autores apresentar articulado no qual defendem, sumariamente, que o exercício de um direito tem sempre, como precedente lógico, o seu conhecimento, concluindo que o termo inicial do prazo de prescrição depende do conhecimento do óbito e da existência dos certificados de aforro.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou procedente a presente ação e condenou a Ré a: 1) Reconhecer que os seguintes certificados de aforro a) nº …21, emitido em 06-04-1988, composto por 5.000 unidades; b) nº …94, emitido em 19-09-1988, composto por 10.000 unidades; c) nº …35, emitido em 19-10-1988, composto por 20.000 unidades; d) …76, emitido em 15-01-1991, composto por 3.000 unidades; e) nº …72, emitido em 03-06-1991, composto por 800 unidades; f) nº …63, emitido em 02-10-1991, composto por 8.000 unidades; g) nº …53, emitido em 11-05-1992, composto por 2.600 unidades; h) nº …13, emitido em 19-07-1994, composto por 4.000 unidades; i) nº …18, emitido em 04-10-1994, composto por 20.000 unidades; j) nº …95, emitido em 02-12-1994, composto por 6.000 unidades; integram as heranças abertas por óbito de CC e DD; 2) Reconhecer que aos Autores AA e BB, enquanto únicos titulares das heranças abertas por óbito de seus pais, assiste o direito de exigir o reembolso do valor atualizado das unidades de participação constantes dos certificados de aforro discriminados supra; 3) Pagar-lhes a quantia de € 850.773,55, correspondente ao valor atualizado, capital e juros, desses certificados de aforro, bem como juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Desta decisão recorreu a Ré para o Tribunal da Relação o qual, por acórdão proferido em 14.07.2020, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença da 1.ª instância.

A Ré interpôs recurso de revista excecional desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão da Formação, a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Nas suas alegações de recurso, a Ré apresentou as seguintes conclusões: i. Independentemente do desconhecimento dos herdeiros, o início do prazo de prescrição aplicável aos certificados de aforro da série B conta-se desde a morte do aforrista, conforme resulta do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/ 86, de 30 de junho e só se suspende ou interrompe uma vez verificada alguma das causas taxativas previstas na lei civil; ii. determinar que no contexto do regime legal dos certificados de aforro da série B a expressão “… quando o direito puder ser exercido ...” constante do artigo 306.º do código civil, se refere objetivamente à morte do aforrista como fator determinante para o direito poder ser exercido e para o início da contagem do prazo de prescrição; iii. o artigo 26.º do Código do Imposto de Selo é imperativo e impõe a obrigação dos herdeiros participarem e relacionarem a transmissão gratuita de bens do autor da sucessão, designadamente requerer ao IGCP a certidão relativa aos produtos de aforro do falecido; iv. o registo de produtos aforro existe desde a sua criação em 1960, uma vez que os certificados de aforro foram criados com natureza escritural e nominativa e, bem assim que a informação relativa à conta aforro dos aforristas falecidos constante desse registo de produtos de aforro sempre esteve disponível para os herdeiros, mesmo antes da publicação do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de junho.

Terminou, pedindo que se decretasse procedente a exceção perentória da prescrição dos direitos dos autores e, consequentemente, revogasse o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido, absolvendo o IGCP do pedido.

Os Autores apresentaram contra-alegações, sustentando a manutenção do decidido.

Os Autores vieram requerer a condenação da Ré, por litigância de má-fé, por esta ter junto acórdão não transitado em julgado para justificar a admissibilidade do recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672.º, n.º 2, c), do Código de Processo Civil.

* II – O objeto do recurso Tendo em consideração o conteúdo da decisão recorrida e as conclusões das alegações apresentadas cumpre decidir quando se inicia a contagem do prazo de prescrição estabelecido no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/ 86, de 30 de junho.

III – Os factos Neste processo foram considerados provados os seguintes factos: 1.

No dia … de abril de 2002, na freguesia ..., de onde era natural e onde teve a sua última residência habitual, na Rua …, nº …, …, faleceu CC, sem ter deixado testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade.

  1. O falecido era casado com DD, em primeiras núpcias de ambos e no regime dotal do Código Civil de 1867, por casamento celebrado aos … de março de 1947, com convenção antenupcial celebrada ao … de fevereiro de 1947, num Cartório Notarial da cidade ….

  2. No dia … de setembro de 2017, faleceu DD, no estado de viúva de CC.

  3. Tendo-lhe sucedido, como únicos herdeiros, os seus dois filhos, aqui Autores.

  4. ...

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