Acórdão nº 1482/15.1PBSTB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 1482/15.1PBSTB-A. S1 Recurso extraordinário de Revisão Acordam, precedendo conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. Nos autos de processo comum supra identificados, a Magistrada do Ministério Público junto do Juízo Local Criminal ….. (Juiz ….) vem, nos termos do preceituado nos artigos 449. °, n.º s 1, al. c) e 2 e 450. °, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal (CPP) interpor o presente recurso extraordinário de revisão da sentença proferida, nos presentes autos, em 14 de Dezembro de 2016, transitada em julgado a 26 de Janeiro de 2018, na parte em que condenou o arguido AA, pela prática, em 29 de Outubro de 2015, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 2 (dois) meses de prisão.

    O arguido foi ainda condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.°, n.º 1, al. b), do Código Penal (CP), na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova.

    Apresenta as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) 1.O arguido AA foi condenado, no âmbito dos autos á margem identificados, por sentença de 14 de Dezembro de 2016 e transitada em julgado a 26 de Janeiro de 2018, pela prática, em 29 de Outubro de 2015, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.°, n,° s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 2 (dois meses de prisão e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.°, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova (a qual não se encontra extinta).

  2. Ora, os factos que serviram de fundamento à condenação do arguido nos autos à margem referenciados são inconciliáveis com a factualidade dada como provada no processo comum singular n.º 70/18…., deste Juízo Local Criminal - Juiz …., no qual, por sentença proferida a 29 de Outubro de 2019, transitada em julgado em 28 de Novembro de 2019, AA - no que ora nos importa considerar - foi absolvido da prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos nos dias 25 de Agosto de 2018 e 29 de Outubro de 2018, respectivamente e condenado pela prática de duas contraordenações previstas no art.º 130.°, n.º 7, do Código da Estrada, no valor de € 120 (cento e vinte euros) cada, perfazendo o total de € 204 (duzentos e quatro euros); 3.Na data da prática dos factos pelos quais o arguido foi condenado nestes autos (29 de Outubro de 2015), o art.º 130. ° do Código da Estrada tinha uma redacção distinta daquela que vigorava à data da prolação da sentença (14 de Dezembro de 2016); 4.Estando perante uma sucessão de leis no tempo, do confronto dos dois regimes, verifica-se que a lei nova é concretamente mais favorável, porquanto o comportamento do arguido é punível não como crime, mas como contraordenação, não se colocando, sequer, in casu, a questão analisada na sentença do processo n.º 70/18….. de saber se o cancelamento da carta de condução ocorre automaticamente com o decurso do prazo de cinco anos desde a caducidade ou se tem de ser declarado oficialmente pelo IMT.

  3. Pelo que, sendo a lei posterior mais favorável ao arguido, ao Tribunal impor-se-ia ter aplicado o art.º 130.º do Código da Estrada na redacção vigente á data da decisão e, em consequência, ter condenado o arguido pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelo n.º 7 daquele dispositivo legal.

  4. Verifica-se, pois, em ambos os processos uma diferente conclusão: nestes autos, concluiu-se que o arguido (antes de decorridos cinco anos sobre a caducidade do título de condução) conduziu sem habilitação legal e praticou o correspondente crime; no outro processo, considerou-se que, mesmo após o decurso desses cinco anos, o arguido teria apenas praticado contraordenações; 7. Consideramos que, dessa oposição, resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação nestes autos, pelo que deverá a revisão ser autorizada, ao abrigo do preceituado no art.º 449. °, n.º 1, al. c), e nos termos do disposto no art.º 457. °, ambos do Código de Processo Penal, por forma a proceder-se a uma reanálise dos factos apurados neste processo.

    Nestes termos, e noutros que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso ora apresentado, autorizando-se a revisão da sentença, por forma a proceder-se a uma reanálise dos factos apurados neste processo, á luz do preceituado nos art.º s 130.°, do Código da Estrada e 2.°, n.º 4, do Código Penal.

    (…).

  5. O arguido não respondeu ao recurso.

  6. Em 15.10.2020, nos termos do disposto no artigo 454.º, do CPP, foi prestada a seguinte informação pelo Sr. Juiz, nos termos que se transcrevem: (…) Na óptica do signatário o recurso extraordinário de revisão interposto em benefício do condenado AA merece provimento.

    Motivando o porquê da conclusão firmada no parágrafo antecedente, é de salientar que o referido AA foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 26 de Janeiro de 2018, na pena de dois meses de prisão mercê do cometimento de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1., e na pena parcelar de quatro meses de prisão devido à prática de um crime de desobediência do artigo 348.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, sendo-lhe aplicada a pena única de cinco meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.

    A sentença a que se alude supra assentou no seguinte conjunto de factos provados: (...) 1.No dia 29 de Outubro de 2015, pelas 11h, na Estrada ….., …, o arguido AA conduzia o veiculo automóvel com a marca …., com a matrícula …-…-JR, manobrando o mencionado veículo pela via pública, sem que fosse titular de licença de condução para o efeito emitida por autoridade competente.

  7. O título de condução, de que o arguido foi titular, expirou a validade em 09.07.2012, que não renovou.

  8. O arguido sabia que não podia conduzir um veículo motorizado sem estar habilitado com a respectiva licença de condução, e, apesar disso, não se coibiu de o fazer, conforme era sua intenção.

  9. O veículo acima identificado encontrava-se apreendido desde 14 de Maio de 2015.

  10. O veículo havia ficado à guarda do arguido, que o recebeu na qualidade de fiel depositário tendo, em tal ocasião, ficado ciente de que não podia utilizar ou alienar o veículo enquanto estivesse à sua guarda, que tinha a obrigação de o entregar quando tal lhe fosse exigido e que, se não o fizesse, incorreria na prática de um crime de desobediência.

  11. O arguido, que ficara ciente de que sobre si impendia o dever de guarda do bem apreendido, que havia sido colocado sob o poder público e que não o podia utilizar, ainda assim fê-lo, conduzindo-o, como acima descrito.

  12. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser proibida e punida por lei a sua conduta, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação. (...)" Assim, na sentença emitida nos vertentes autos partiu-se do pressuposto de que o então arguido não é (era) titular de habilitação legal para o exercício da condução de veículos automóveis porque o título que se lhe referia expirou a validade em 9 de Julho de 2012 sem que tivesse sido renovado.

    Acontece, todavia e conforme refere a Digna Magistrada do Ministério Público no recurso que ora interpõe, que no âmbito do processo n.º 70/18…, também deste Juízo Local Criminal … (Juiz …), foi proferida sentença, transitada em julgado em 28.11.2019, que absolveu o sobredito AA da prática de dois crimes de condução sem habilitação legal do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1., sendo que a referida decisão, cuja certidão consta de fls. 204 e seguintes, atém-se a factos ocorridos em 25 de Agosto de 2018 e 29 de Outubro de 2018, ou seja, a episódios ocorridos após o trânsito em julgado da sentença emitida no contexto dos presentes e, inclusivamente, no período respeitante à suspensão da execução da pena única de prisão.

    Mais concretamente, é de registar que na sentença do processo n.º 70/18…. deu-se como provado, entre o mais, que: "(...) 1. No dia 25 de Agosto de 2018, pelas 21h35, na Praça ….., em …., o arguido conduziu o veículo de marca ….., modelo …., com a matrícula …-…-IQ, sendo titular de carta de condução por referência às categorias A, A2, A1, B e B1, tendo ocorrido a caducidade das mesmas em 9 de Julho de 2012, sendo que nessa ocasião foi interveniente em acidente de viação.

  13. No dia 29 de Outubro de 2018, pelas 18h20m, na Rua …, em …., o arguido conduziu o veiculo de marca ….., modelo ….., com a matrícula …-…-IQ, sendo titular de carta de condução por referência às categorias A, A2, A1, B e B1, tendo ocorrido a caducidade das mesmas em 9 de Julho de 2012. (...)".

    Por outro lado e com inelutável importância, consignou-se enquanto não provada a seguinte factualidade: A. Por referência ao descrito em 1. e 2., o arguido actuou sem que fosse titular de licença de condução que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo, nem qualquer outro.

    B.A propósito do referido em 1. e 2., o arguido actuou bem sabendo que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, a condução de veículo a motor na via lhe estava vedada. (...)." Resulta, pois, inequívoco que as referidas sentenças são inconciliáveis entre si não apenas no que se atém à conclusão - uma de carácter condenatório a respeito de um crime de condução sem habilitação legal e a segunda absolutória a propósito de dois crimes do artigo 3.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. - Mas também no que se atém aos factos provados e não provados, conforme resulta do conjunto fáctico...

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