Acórdão nº 3495/19.5T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3495/19.5T8PRT.P1.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA instaurou, em 12/2/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda., ambos melhor identificados nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 124.305,00 € (cento e vinte e quatro mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: . Em 15/3/2006, o Autor celebrou com a Ré um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo esta R. assumido a respetiva responsabilidade por todas as fases do processo: a de projeto, a de consultas e de contratação e a fase da obra.

. Do projeto de licenciamento constava como técnico responsável pela direção técnica da obra o Eng. BB, ….. da Ré.

. Em 31/10/2008, foi lavrado auto de recepção provisória.

. Em 23/01/2009, o Autor deslocou-se à moradia em causa e deparou com uma inundação e com diversas deficiências, tendo solicitado ao Instituto da Soldadura da Qualidade a inspeção ao imóvel, de que resultou relatório descrevendo as diversas deficiências.

. A sociedade empreiteira EDITRAVANCA, encarregada da realização da obra, que a Ré deveria acompanhar, não reparou os aludidos defeitos, o que implicou que o Autor tivesse despendido € 41.091,95 em obras urgentes.

. O A. instaurou acção contra aquela empreiteira, mas esta não pagou a quantia em que ali foi condenada, acabando por ser declarada insolvente e encerrado o processo.

. Por sua vez, a Ré omitiu os deveres de acompanhamento da obra, não analisando os métodos de construção/execução, não verificando o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada, não detetando as causas dos defeitos e não conformidades, não assegurando o padrão de qualidade definido nos diversos projetos, não fiscalizando as operações executadas pelo empreiteiro, sendo a R. responsável pelos prejuízos que advieram ao Autor.

A Ré contestou, por excepção e impugnação. Invocou a sua ilegitimidade, o caso julgado, a caducidade do direito do Autor e a aprovação tácita da sua actuação por parte daquele. E alegou, em síntese, que o Autor e a esposa acompanharam o desenvolvimento da gestão e fiscalização por parte da Ré; que a Ré cumpriu a prestação a que estava obrigada; a qualidade da obra é um reflexo das opções estéticas e das escolhas e aplicação dos materiais que o Autor e sua esposa impuseram a par do orçamento mínimo que dispuseram para a obra. Concluiu pela improcedência da acção pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé.

O Autor pronunciou-se pela improcedência das excepções deduzidas.

Na fase do saneamento, em 26/6/2019 foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado e, conhecendo do mérito, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, bem como foi o Autor absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …, por acórdão de 19/5/2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida. Ainda irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, a qual foi admitida pela Formação, por douto acórdão de 19 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

O Autor/recorrente apresentou as respectivas alegações com as conclusões que aqui se transcrevem, na parte que pode relevar para a matéria ainda em causa: «I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

… IV - As instâncias decidiram a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina (efeito reparador).

V - De acordo com a sentença proferida pelo Juízo Central Cível … - confirmada pelo Tribunal da Relação …. - foi a acção julgada totalmente improcedente, na medida em que ambas as instâncias entenderam que o Recorrente renunciou à indemnização na medida em que deram a conduta da Recorrida aprovada por meio do silêncio do Recorrente.

VI - Sucede, porém, que as duas instâncias decidiram em clara violação do disposto nos artigos 218º., 1161º. nº. 1 c) e 1163º. do Código Civil e ao arrepio das mais consolidadas doutrina e jurisprudência.

VII - Pires de Lima e Antunes Varela salientam que a obrigação prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 1161º., ou seja, a comunicação (ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu) tem “efeitos importantes quanto às relações entre as duas partes (cfr. art. 1163º.)”.

VIII - Em anotação ao artigo 1163º. Cód. Civil, os aludidos autores esclarecem a consequência que pode decorrer do cumprimento da obrigação de comunicação: “Como vimos (cfr. anotação ao art. 1161º.), o mandatário é obrigado a comunicar ao mandante a execução ou inexecução do mandato. A falta de cumprimento desta obrigação torna o mandatário, nos termos gerais, responsável pelos prejuízos; o seu cumprimento, porém, pode ter as consequências previstas neste artigo 1163º.: decorrido o prazo dentro do qual o mandante, segundo os usos (cfr. art. 3º.) ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, devia pronunciar-se e não se pronunciou, considera-se aprovado o mandato, mesmo que o mandatário haja excedido os seus poderes ou desrespeitado as instruções recebidas.” (…) IX - “Esta aprovação da conduta do mandatário só vale quando se verifiquem os requisitos indicados: É necessária, em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita, como diz a lei (art. 1161º., alínea c)), com prontidão. É necessário, em segundo lugar, o silêncio do mandante, ou seja, como diz o Código italiano, il retardo del mandante a rispondere, por tempo superior ao fixado pelos usos ou resultante da natureza do assunto.” (…) X - “Este é um caso, pois, em que, nos termos do artigo 218º., a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial. Parece ser esta, de facto, a melhor reconstituição do pensamento legislativo subjacente ao artigo 1163º., e não aquela que veja na aceitação da conduta do mandatário a consequência da caducidade do direito que o mandante tinha de reagir contra o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação da outra parte.” (in Código Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1968, pág. 479).

XI - O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 31/05/2005, publicado in www.dgsi.pt, refere que: “E, no mandato, a lei atribui ao silêncio o valor de declaração negocial apenas no contexto do art. 1163: "comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário..."Mas esta "aprovação" só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial." "Fora das hipóteses previstas no art. 218, diz Inocêncio Galvão Teles, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente não são admissíveis neste domínio as presunções do julgador (presumptiones hominis)." XII - E no acórdão do Supremo Tribunal Justiça datado de 03/04/2003, publicado em www.dgsi.pt, esclarece-se que: “É visível que a alínea c) do artº 1161º, do Código Civil, regula a obrigação do mandatário comunicar ao mandante, com prontidão, a execução ou inexecução do mandato. Na sequência, o artº 1163º, regula o valor do silêncio do mandante como aprovação da conduta do mandatário, após aquela comunicação por este.” XIII - O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 15/07/2019, determina que a aprovação do mandato nos termos do artigo 1163º. do Código Civil “só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial.”. - acessível in www.dgsi.pt.

XIV - No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/04/2015, que esclarece que: “a norma invocada (1163) aplica-se à situação prevista na alínea c) do artigo 1161 do C.C. em que incumbe ao mandatário comunicar, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que o não fez. Se o mandante, face à comunicação do mandatário nada disser, durante um período considerado razoável, dentro dos usos, é considerado ratificado o mandato, isto é, aprovada a sua conduta.”.

XV - “A aprovação tácita do mandato prevista no artigo 1163º. do Código Civil exige a comunicação imposta na alínea c) do artigo 1161º. do mesmo Código.” - vd. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/06/1994, cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt.

XVI - O acórdão recorrido, perante o facto de não ter havido comunicação do mandatário – referindo, até que “não tinha sentido a comunicação a que alude a alínea c) do artigo 1161º.” – entendeu que “não se encontra fundamento para tratar de modo diferente as situações em que o mandatário comunicou a execução ou a inexecução do mandato daquelas em que tal comunicação está dispensada por efeito de acto do mandante que fez cessar o contrato cuja execução a mandatária devia fiscalizar”.

XVII - Afigura-se ao Recorrente que o acórdão em causa colide frontalmente com o disposto no artigo 218º. do Cód. Civil, ao atribuir valor ao silêncio – admitindo-se, por cautela de patrocínio, que o Autor esteve em silêncio – em hipótese não...

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