Acórdão nº 19646/01.3TVLSB.L2.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português e a sociedade Maxirent - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ….., designado pelo nº …, com a área de 400 m2, a destacar do prédio urbano descrito junto … Conservatória do Registo Predial …, Freguesia ….., sob o nº …...
Para tanto alegaram, em resumo, que: - desde 1973 utilizam a parcela reivindicada, na qual edificaram a sua habitação, sem terem conhecimento de existir qualquer proprietário, à vista de todos e sem oposição, com a convicção de serem os respetivos titulares, adquirindo-a assim por usucapião.
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Citados, os Réus apresentaram contestação, em separado, sustentando, em síntese, que: O Réu Estado Português - os terrenos onde os AA. alegam habitar e os confinantes pertenciam ao Palácio ….. e mais tarde à Fazenda Nacional; - em 20 e 21 de novembro de 1992 foram publicados editais no jornal “......”, referentes a éditos que correram termos na Repartição de Finanças ..… Bairro Fiscal … e afixados éditos à porta da Repartição de Finanças, na Junta de Freguesia e no próprio local a citar os incertos para no prazo de sessenta dias a contar do anúncio, apresentarem a sua reclamação devidamente instruída, aquando da justificação de domínio dos terrenos aqui em causa por parte da Fazenda Nacional; - os AA. não deduziram qualquer pretensão ou reclamação; - o Estado tolerou o uso de parte do referido terreno, como um uso precário, transitoriamente e por razões de cariz social; - a parcela reclamada está situada na área de proteção do Palácio ….; - mesmo que a parcela reclamada fosse suscetível de ser adquirida por usucapião ainda não decorreu o prazo legal.
A Ré Maxirent - Fundo de Investimento Imobiliário - a Ré adquiriu ao Estado Português o prédio denominado Zona de Proteção do Palácio …, por escritura de compra e venda celebrada em 30 de março de 2000; - a construção dos AA. foi implantada em terreno pertencente ao Estado Português desde tempos imemoriais e estão situados na área envolvente do Palácio ….; - os AA. sabiam ser o Estado o proprietário do terreno onde implantaram a construção e nunca tiveram atitude ou comportamento de proprietário da construção implantada em 400 m2 do terreno em pleno bairro …., - em 1992, o Estado, para efeitos de registo, justificou o seu domínio sobre os terrenos onde se integra a construção dos AA.; - e, no processo que então decorreu, os AA., podendo reclamar o seu alegado direito, não o fizeram; - e, em todo o caso, ainda não havia decorrido o prazo legal para que os AA. tivesse adquirido por usucapião.
A Ré veio, ainda, deduzir pedido reconvencional contra os AA., pedindo que os AA. fossem condenados a pagar à Ré uma indemnização a liquidar em execução e a entregar-lhe a parcela de terreno e construção que ocupam, livres e devolutas, alegando que: - está previsto para o local um projeto imobiliário em fase de implementação; - a ocupação abusiva dos AA. vem causando prejuízos à Ré, pois impede o normal desenvolvimento e implementação do projeto.
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Os AA. apresentaram réplica, na qual vieram sustentar que: Quanto ao Réu Estado Português - só tiveram conhecimento de que o prédio fazia parte da Zona de Proteção do Palácio … na altura em que começaram a ser demolidas as casas contíguas à sua, durante o ano de 2000; - o imóvel a que pertence a parcela que se reivindica não é, e nunca foi, parte integrante do domínio público do Estado, - e nunca foi alvo de proibição absoluta de construção; - os éditos publicados no âmbito do mencionado processo, foram-no pela Repartição de Finanças …. Bairro Fiscal ….., e não por nenhum Tribunal; - os AA. nunca tomaram conhecimento do conteúdo dos éditos e só tomaram conhecimento de toda esta situação quando a Câmara Municipal …. começou a contactar as pessoas ali residentes, com o objetivo de as integrar no PER.
Conclui pela improcedência das exceções alegadas pelo Réu Estado Português.
Quanto à Ré Maxirent – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado - os AA. construíram a sua casa em 1973, aí passando a habitar; - foi aberta uma rua, a Rua …, que é via pública por todos utilizada; - foi-lhes permitido instalar eletricidade, água canalizada e telefone, sem que, em todo o tempo lhes tenha sido exigido o pagamento de renda, ou sem que alguém tenha reclamado a propriedade do terreno; - assim, nunca os AA. tiveram qualquer razão para suspeitar que se encontrassem a lesar o direito de alguém; - os AA. foram excluídos do PER, depois de terem recusado a habitação que lhes propuseram atribuir, bem como a indemnização que lhes foi oferecida, por entenderem que nenhuma das soluções era admissível, como troca pela residência em que habitam desde 1973; - em 1973, os AA. não sabiam que os terrenos pertenciam ao Estado, e passaram a agir como proprietários daquela parcela de terreno, pensando que não se encontravam a lesar o direito de outrem; - a aquisição a favor do Estado por usucapião não é suscetível de provocar a interrupção da contagem do prazo para usucapião; - os AA. nunca foram contactados pela Ré para se retirarem do local; - os únicos trabalhos efetuados pela Ré foram os relativos à demolição das casas dos vizinhos dos AA., que aceitaram o realojamento que lhes foi proposto pela Câmara Municipal ….; - no decurso dos trabalhos foi ligeiramente danificada a vedação da habitação dos AA. que, junto dos trabalhadores que ali se encontravam, demonstraram prontamente o seu desagrado com tal situação, uma vez que foi feito na dita vedação um buraco e a Ré consertou a vedação.
Conclui pela improcedência das exceções e do pedido reconvencional.
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Por despacho de fls. 157, com fundamento em arbitramento efetuado, o Tribunal de 1ª instância fixou à causa o valor de 1 003 500,00 €.
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Foi designado dia para a realização de audiência preliminar, e, no âmbito do despacho saneador, foi declarada a ilegitimidade do Réu Estado Português, tendo sido absolvido da instância; foram declarados os factos e organizada a base instrutória. 6.
Foram habilitados BB, DD e EE como sucessores do falecido A., AA.
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Procedeu-se a julgamento e, depois, foi proferida a sentença de fls. 518/534, que decidiu absolver a R., Maxirent – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, do pedido formulado pelos Autores e, outrossim, condenar estes a entregarem à R. a construção e a parcela onde esta se encontra edificada e que ocupam no prédio identificado nos autos e absolver os Autores do pedido de indemnização formulado pela R.
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Agravaram os Autores do despacho de fls. 157, e apelaram da sentença de fls. 518/534.
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Mereceram tais impugnações recursivas a tomada de conhecimento do Acórdão do Tribunal da Relação … de 19 de dezembro de 2012, dando provimento ao agravo dos recorrentes AA e BB, revogando o despacho de 23 de novembro de 2004 (fls. 157), fixando o valor à presente causa em 1 000 0000,00€. Mais julgou procedente a apelação dos sobreditos recorrentes, anulou o julgamento, bem como a sentença de 27 de maio de 2011 (fls. 518/534) e determinou que se procedesse a novo julgamento quanto aos pontos 2, 10 e 13 da base instrutória, com devida perfeição na gravação áudio.
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Remetidos os autos ao Tribunal a quo, apresentaram os Autores articulado superveniente (fls.651/659), requerendo a adição à base instrutória de factos demonstrativos da sua atuação possessória, continua, pública e pacífica, desde a propositura da causa e o momento em que se deduz este pedido.
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A Senhora Juíza indeferiu tal requerimento, por despacho de 14 de março de 2013 (fls.676), louvando-se em o Tribunal da Relação …. ter somente ordenado a repetição do julgamento de quesitos específicos, tendo as AA. interposto recurso de agravo.
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Foi proferida nova sentença, com data de 11 de junho de 2013, que manteve aqueloutra que inicialmente foi tomada (fls.746/755) e, julgou a ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência decidiu: a) Absolver a Ré do pedido formulado pelos Autores; b) Condenar os Autores a entregarem à Ré a construção e a parcela onde esta se encontra edificada que ocupam no prédio identificado nos autos; c) Absolver os Autores do pedido de indemnização formulado pela Ré.
13.
Os AA. interpuseram recurso desta decisão.
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Recebidos os autos de novo no Tribunal de 2ª instância, com as competentes alegações de recurso (fls.766/837), juntaram os Autores recorrentes três documentos.
Por requerimento de fls. 846/848, vieram pedir a junção de mais outro documento.
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Por Acórdão de 25 de setembro de 2014, proferido no Tribunal da Relação …., deliberou-se julgar improcedente a douta apelação de BB, DD e EE e confirmar a sentença de 11 de junho de 2013 (fls. 746/755).
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Inconformadas, as AA. recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça que, por Decisão Singular de 19 de março de 2015, determinou a anulação do Acórdão de 2ª instância, mais impondo que fosse tomado conhecimento da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações dos recorrentes a fls.839/842, bem como de outros juntos a fls. 849/850, e, bem assim, do recurso de agravo interposto a fls.683, e que não foi conhecido.
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Por Acórdão de 28 de abril de 2016, o Tribunal da Relação decidiu: - não admitir a junção dos documentos dos documentos apresentados por AA e BB a fls. 839/842, em anexo às suas alegações de recurso, bem como de outro junto a fls. 849/850; - julgar improcedente o douto agravo de AA e BB do douto despacho de 14 de março de 2013 (fls.676); - julgar improcedente a douta apelação de BB, DD e EE e confirmar a sentença de 11 de junho de 2013 (fls. 746/755).
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Inconformadas com tal decisão, as A.A./Apelantes interpuseram recurso de revista.
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Em 17 de novembro de 2016, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão: “- Revogar o Acórdão da Relação, determinando-se a junção dos documentos juntos com as...
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