Acórdão nº 15189/15.6T8LSB-I.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

BB., instaurou incidente de resolução de diferendo entre progenitores, contra AA., relativo a questões de particular importância, pedindo: - Que seja autorizada que a menor CC., filha de ambos, resida na companhia da mãe em … e, a frequentar a Escola Primária …, igualmente em … .

Alega, em síntese, que se encontra desempregada e que o marido em 01.05.2019, celebrou um contrato de trabalho com a Escola …. na …. como colaborador científico, auferindo mensalmente o montante de € 7 365,00; que viajou para …. em Agosto com a sua filha CC. para conhecer Escolas e o Conservatório de Música …. para avaliar a possibilidade de mudança com a sua filha; que escolheu em … a Escola Primária …; que a CC. terá aulas de francês, gratuitas; que será integrada numa turma de alunos portugueses para facilitar a sua integração; que frequentará o Conservatório de Música … para ter aulas de piano; receberá logo que esteja a viver em … um abono de família no valor de € 184,00 e poderá utilizar os transportes públicos gratuitamente; terá um seguro de saúde; a CC. terá, pelo menos, as mesmas condições de vida que tem em …; a CC. deseja ir e está entusiasmada com a ideia; tem uma óptima relação com a mãe e com o padrasto; não tem relação com o pai e recusa-se a estar com o mesmo; que as aulas em … tiveram início a 26 de Agosto; deveria prestar provas na primeira semana de Outubro para ingressar no Conservatório de música de …; e que enquanto o Tribunal não decidir, a CC. continua a frequentar a Academia de Música … .

  1. Foi designada data para a realização da conferência a que alude o artigo 35.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 44.º, n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.

    Realizada conferência de pais e uma vez que não foi possível o acordo, opondo-se o progenitor à mudança de residência da CC., foram ambos notificados para alegar.

  2. Ambos os pais apresentaram alegações e indicaram prova nos termos do artigo 39.º, n.º 4, do RGPTC.

  3. Realizado o julgamento, em 5.02.2020, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório: “IV.

    Decisão Em face do exposto, julga-se improcedente o incidente suscitado por BB.

    por falta de acordo dos progenitores e, em consequência, decide-se:

    1. Não autorizar que a CC.

    se desloque para …., na …, para aí residir com a sua mãe.

    B) Custas pela requerente, fixando ao incidente o valor de € 30 000,01”.

  4. Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação, tendo, em 10.09.2020, o Tribunal da Relação … proferido Acórdão em que consta do dispositivo: “Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação …, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, autorizando a menor, CC., a deslocar-se com a mãe para …. e ali residir na companhia da mãe e a frequentar a Escola Primária …. nesse país.

    Custas: pelo recorrido”.

  5. Pugnando pela revogação do Acórdão e pela repristinação da sentença, é, desta vez, o requerido quem interpõe recurso de revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

    Invoca dois fundamentos para a interposição do recurso: “violação da lei substantiva consistindo em erro de interpretação das normas nacionais e internacionais pressupostas do conceito do 'superior interesse da criança' (art.° 874°, n° 1 e al. a) e n° 2 do C.P.C.

    [1])” e “nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (art.° 615°, ex vi 674°, n° 1, al. c) do C.P.C.

    ”.

    Pede que seja fixado efeito suspensivo ao recurso, “atenta as consequências derivadas da alegada nulidade”.

    A terminar as suas alegações, formula as seguintes conclusões: “

    1. O douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação … é recorrível porque é nulo por omissão de pronúncia e, B) Nesta medida pode criar uma situação de exclusão da competência dos Tribunais portugueses em matéria da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais em conformidade com os artigos 8o, n° 1 e 9o, n° 1 do Regulamento (CE) n° 2201/2003, de 27 de novembro e artigos 5° e 7o da Convenção de Haia 1996 - Proteção de Menores - com as dificuldades inerentes para o Recorrente; C) É recorrível ainda porque aprecia deficientemente a prova e viola direitos fundamentais e normas de direito substantivo (dos artigos 36°, n° 3, 68°, n° 1 e 2 da C.R.P., com violação dos artigos 1878°, n° 1, 1885°, n° 1, art.° 1906°, números 5, 6 e 7, todos o C.C.) e o disposto no art.° 11°, n° 1 da Convenção sobre Direitos da Criança assinada em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990 e aprovada para ratificação por resolução de AR n° 28/90 de 12 de setembro); D) A nulidade do douto Acórdão resulta da omissão sobre o pedido formulado pela Apelante no fecho das suas alegações que consistia no estabelecimento do regime de visitas ao Pai; E) O Acórdão não se pronuncia sobre o tema em concreto, embora faça várias referências ao longo do texto, ao facto de se encontrarem pendentes Incidentes de Incumprimento e Alteração; F) Todavia na ótica decisória do Tribunal a quo, este deveria ter não regulado, mas ordenado a baixa do processo ao Tribunal de Família para que estabelecesse um regime de Exercício das Responsabilidades Parentais, devendo para o efeito ouvir o Pai, aqui Recorrente; G) Ao omitir tal pronúncia criou a possibilidade da Recorrida se ausentar de imediato, o que EFETIVAMENTE ACONTECEU; H) Atenta a profunda alteração na vida da menor produzida pelo douto Acórdão Recorrido, o regime provisório estabelecido não é adequado, pelo que, nesta data se verifica um vazio na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais da menor CC.; I) O facto de a Mãe/Recorrida se ter ausentado de imediato com arrimo, no Acórdão da Relação, segundo noticiou ao Recorrente, ir-lhe-á permitir no prazo de 3 meses, baseado nas disposições de tratados internacionais citados em B) destas conclusões, requerer nos Tribunais …… a Declaração de Residência Habitual da menor, excluindo a competência dos Tribunais portugueses; J) O Recorrente deu conta da iniciativa da Recorrida ao Senhor Procurador Geral Adjunto, no Tribunal da Relação, conforme documento que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; K) O Acórdão em Revista deve ser declarado nulo, sem nenhum efeito, nos termos do art.° 615°, n° 1 ai. d) ex vi 674°, n° 1, ai. c), todos do C.P.C., e ordenado o regresso de imediato da Recorrida e da menor, a fim de se regular na Instância própria o Exercício das Responsabilidades Parentais sobre a CC., ordenando-se o regresso da Recorrida a ….; L) Não obstante e sem conceder, o douto Acórdão deve ser revogado no segmento em que decidiu autorizar a saída da menor para …. e aí residir com a Mãe; M) Com efeito embora fundado no superior interesse da criança o Tribunal a quo com uma visão estreita e redutora do conceito, ignorou quer as contra-alegações do Recorrente, quer a matéria de facto que claramente evidencia que a falta de convivência da filha com o Pai se deve à interferência negativa da Recorrida; N) A figura de referência e de progenitora psicológica foi enunciada, mas não foi analisada, tendo o douto Acórdão tecido e construído a justificação para alterar a Decisão da 1a Instância, à volta desta falsa verdade e da afirmação lapidar de que o direito da filha acompanhar a Mãe se sobrepõe ao direito de visitas do Pai "com quem não convive".

      O) Ora a matéria de facto revela que a falta de convivência se deve à Mãe, figura que instrumentaliza a filha, decorrendo daqui que a figura de referência e progenitora psicológica não apresenta as melhores qualidades para formar e educar a filha; P) Mas e sobretudo não pode tal argumento ser utilizado pelo Tribunal para justificar sem mais a saída do país da menor CC. contra a vontade do Pai, impedido de ser qualquer possível referência para a sua filha; Q) Por outro lado o douto Acórdão revidendo alterou a matéria de facto não provada no que respeita ao contrato de trabalho do marido da Recorrida, de forma não sustentada, mas criando uma estabilidade económica, que é precária; R) Com efeito tratando-se de um contrato de trabalho a termo de um ano é imprescindível a sua redução a escrito em Portugal e na legislação …. E o que consta contratualmente é um contrato até 2021, com a expetativa de renovação anual.

      S) Esta alteração factual permitiu ao Tribunal a quo sustentar em razões económicas a deslocação da menor, mas fê-lo à custa do sacrifício das razões de índole moral que devem prevalecer na densificação do conceito do superior interesse da criança; T) Revelam os autos que a "progenitora psicológica", cujo direito a estabelecer residência onde entenda não se discute, criou paulatinamente as condições para que o direito da menor ao seu Pai e ao que ele representa, ou devia representar na sua história pessoal, fosse apagado; U) Cortou a liberdade de relação parental da menor e impediu a concretização dos direitos do Recorrente, enquanto Pai e o direito da sua família considerarem no seu seio a menor CC.; V) A "progenitora psicológica", "figura de referência" da menor CC. ao eliminá-la progressivamente da estrutura familiar paterna desguarneceu o suporte de segurança emocional e equilíbrio pessoal futuro da criança; W) Pôs em questão o património afetivo da menor a que tem direito, relacionado com o seu Pai; X) Se a "figura de referência" for construída à custa do afastamento e sacrifico da outra figura que também devia, natural e legalmente, ser referência para a filha, não pode ser referência. Pode ser figura mas não de referência modelar.

      Y) O conceito de "figura de referência" significa referência modelar, valorativa, no qual não pode considerar-se quem atropela, impede e viola os direitos daquele para quem supostamente é modelo/referência.

    2. Tais atos da Recorrida não podem ser considerados de nula importância ao invocar-se o superior interesse da criança e daí que a douta sentença da 1a Instância muito bem considerou que a saída da menor seria a "machadada" final nas relações Pai/filha...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT