Acórdão nº 1790/17.7T8VFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA.

intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB.

, pedindo que seja declarado o incumprimento do contrato-promessa celebrado entre as partes, por culpa exclusiva do R., e que seja obtida a declaração negocial do R. faltoso em cumprimento do mesmo contrato-promessa; ou, caso assim não se entenda, seja o R. condenado a pagar-lhe uma indemnização no valor total de € 49.750,95, acrescida de juros vencidos desde a data do incumprimento, por enriquecimento sem causa, assim como uma indemnização por danos morais; ou, ainda subsidiariamente, seja o R. condenado a pagar-lhe uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença, acrescida de juros.

Para o efeito alegou, em síntese, ser irmã do R. e que ambos são os únicos herdeiros de seus pais, tendo celebrado, em 06.06.2013, um contrato-promessa de partilha mediante o qual o R. prometeu adjudicar à A., que prometeu adquirir, o imóvel que descreveu e que faz parte da herança, pelo valor de € 35.000,00, já que ao imóvel foi atribuído o valor de € 70.000,00.

No contrato foi declarado que a A. já havia entregue ao R. € 23.500,00, por conta do valor de € 35.000,00 acima mencionado, quantia aquela onde se inclui o total dos montantes já liquidados pela A. a título do empréstimo bancário contraído para aquisição do imóvel e das quantias pagas pela A. às Finanças a título de IMI.

Quanto ao remanescente, no valor de € 11.500,00, a A. liquidou-o ao R., nos termos estipulados no contrato, mediante duas prestações de € 3.830,00 cada e uma última prestação de € 3.840,00, tendo a primeira sido liquidada na data da assinatura do contrato, a segunda no final de Dezembro de 2013 e a terceira em 02.04.2014.

No referido contrato-promessa ficou estipulado que a escritura de partilha seria outorgada no mês de Abril de 2014, ficando a A. de notificar o R. da respectiva data mediante envio de carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de quinze dias relativamente à data da escritura.

Alegou a A. ter efectuado, através da sua advogada, a marcação da escritura para dia 13.05.2014, bem como alegou ter enviado carta registada com aviso de recepção para o R., tendo este, porém, nos dias anteriores, revogado a procuração que havia conferido à mencionada advogada para que esta o representasse na dita escritura e não tendo comparecido no cartório notarial na referida data.

Desde então, alegou a A., o R. tem sistematicamente obviado à outorga da escritura, não tendo comparecido em 13.07.2016, nova data marcada para o efeito, no cartório que a A. indicou, nem tendo avisado que não iria comparecer.

Subsidiariamente, para o caso de se entender não ser possível a execução específica, sustenta a A. que o R. lhe deve restituir, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, tudo o que ela indevidamente suportou e pagou, no montante total de € 35.000,00, acrescido de metade da quantia de € 2.876,46 que liquidou junto das Finanças e de metade da quantia de € 840,00 que liquidou pelo condomínio do imóvel, bem como de metade da quantia de € 6.047,67 que liquidou no âmbito do empréstimo para cumprir o acordado no contrato-promessa, tudo no âmbito da gestão da herança, o que perfaz o montante total de € 39.882,06.

Sobre tal quantia alegou serem devidos juros de mora à taxa legal desde a data do incumprimento, ascendendo os juros vencidos ao montante de € 4.868,89.

Acrescentou a A. que, com toda esta situação e com a recusa do R. em assumir a sua responsabilidade, sofreu vários abalos, como nervosismo, preocupação e inquietação em virtude dos contactos que, sem sucesso, se viu obrigada a fazer. Como tal pretende ser indemnizada por danos não patrimoniais no montante de € 5.000,00.

O R. contestou, defendendo-se por impugnação, alegando nunca ter sido notificado para estar presente para outorga da escritura nas datas referidas na petição inicial e invocando que foi marcada telefonicamente a escritura para o dia 30.04.2014, não tendo a A. comparecido, apenas o tendo o R. e a sua companheira, sendo que nessa data não estavam pagos todos os impostos como a A. se comprometera a fazer, incluindo o imposto de selo, o que sempre obstaria à outorga da escritura.

Quanto aos valores que a A. reclama a título de pagamento, pela mesma A., do empréstimo, de impostos e das despesas de condomínio, alegou o R. que são os mesmos que aquela lhe reteve e incluiu no montante de € 23.500,00 referido no contrato-promessa.

Deduziu reconvenção, alegando que, desde 30.04.2014, tem sido ameaçado pela A. e que esta sabia que era doente oncológico e que tinha uma ordem de despejo, aproveitando-se da sua fragilidade para a celebração do contrato-promessa que ambos assinaram, o que lhe causou preocupações, dores de cabeça e angústia por estar a ser injustiçado. Sentindo-se, por outro lado, enganado porque a A. lhe reteve € 6.000,00 para pagamento de dívidas e, afinal, só pagou às Finanças em Julho de 2016, sendo que também o empréstimo da casa não se encontra ainda liquidado na íntegra, faltando pagar € 5.771,82, e assim correndo o R. o risco de poder vir a “ser penhorado” se a A. não pagar.

Pelo exposto alegou ter sofrido danos morais, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe uma indemnização a esse título, no montante de € 5.000,00, acrescido de juros legais desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

A A. replicou, defendendo-se por impugnação e pedindo a condenação do R. como litigante de má fé a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 3.000,00, invocando para o efeito que foi o mesmo quem não compareceu no dia 30.04.2014, às 16 horas, hora marcada para a escritura, bem como quem fez as contas e acertos das tornas que a A. lhe entregou e teria de entregar, daí resultando os termos expressos no contrato-promessa.

Após julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão: «Termos em que, face ao exposto, decido: A) Julgar totalmente procedente a presente ação quanto ao pedido formulado a título principal e, consequentemente, declarar adjudicar à A., por partilha da herança de seus pais, a fração designada pela letra “D”, correspondente ao ……. andar ……. do prédio sito na Rua …, em …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ….. da referida freguesia de ….. e inscrito na matriz respetiva sob o artº …., com origem no artº ……..; B) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pelo R. e, nessa medida, absolver a A. reconvinda desse pedido.» Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação ……., pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 21 de Janeiro de 2020 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o dispositivo sob a) da decisão impugnada, julgando-se a ação totalmente improcedente, mantendo-se, no mais, o decidido em primeira instância.» 2.

Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões: «1.º Entende-se que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resultou minimamente provada qualquer factualidade em concreto, da qual se possa considerar dado como provados os factos, 11) alterado pela decisão recorrida e o facto 25) aditado, pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação ……...

  1. No caso em apreço, resulta por demais evidente que os Venerandos Juízes Desembargadores, não podiam fundamentar a decisão ora recorrida, com base em meras presunções judiciárias, uma vez que não resultou da audiência de discussão e julgamento qualquer tipo de factos e elementos dados como provados, com a mínima de segurança e certeza que é exigível, que os levassem a concluir que “A escritura referida em 6) foi marcada pela Dra. CC., para o dia 13.5.2014, pelas 16 h, no Cartório Notarial de …..»; e que “O Réu não recebeu nenhuma carta registada com AR, notificando-o para a realização da escritura nos dias 13.5.2014 e 13.7.2016.» 3.º Deste modo, dúvidas não subsistem, que estamos perante uma manifesta violação quer do princípio da livre apreciação da prova, quer do princípio da interpretação da lei ao caso concreto.

  2. Isto porque, apesar da prova ser suscetível de apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, não significa que consista numa liberdade de decidir e apreciar a prova com base no arbítrio e em meras impressões subjetivas do julgador, o que efetivamente sucedeu.

  3. Face ao exposto, entende-se que nunca os Venerandos Juízes Desembargadores, não poderiam julgar improcedente, por não provada, a respetiva ação perante uma situação de dúvida quanto à matéria de facto provada e não provada.

  4. A decisão ora recorrida carece de fundamentação em toda a sua essência, pelo que deve a mesma ser revogada, e consequentemente, ser a ação julgada procedente, por provada, ou caso V. Exas. assim não o entendam, em caso de dúvida, ser ordenada a realização de nova audiência de discussão e julgamento para esclarecimento da questão, factos provados e não provados.

  5. Por outro lado, no que concerne ao incumprimento perpetrado por parte do recorrido, resulta quanto a esta matéria, e com interesse para a decisão do presente recurso, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, considerou como provados, e bem a nosso ver, os factos constantes nos números 11), 12), 13), e 14).

  6. Na verdade, não nos restam dúvidas, de que a recorrente, em cumprimento do contrato de promessa, procedeu ao envio de carta registada com aviso de receção, para o recorrido com indicação do local, data e hora para a realização da escritura, assim como foi o mesmo informado pela Dr.ª CC. (mandatária que acompanhou e elaborou o presente contrato de promessa de partilha e que detinha procuração com poderes especiais daquele recorrido, que fora revogada) conforme facto provado.

  7. Se assim não o fosse, faria...

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