Acórdão nº 5279/17.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou, em 27 de Fevereiro de 2017, a presente acção de alteração da obrigação de alimentos contra BB, alegando, em síntese, o seguinte: - A. e R. casaram em … de Setembro de 1982 e divorciaram-se em … de Novembro de 2006; - Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de €1.400 mensais; - O acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção, por parte do A., de que a R. não tinha meios de subsistência; - Este acordo foi homologado pela Conservadora do Registo Civil …, no âmbito do processo de divórcio, que correu termos por aquela Conservatória; - Em 12 de Julho de 2010, A. e R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para €650,00; - Este acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu termos no ….º Juízo do Tribunal de Família e Menores …, ….ª Secção, com o n.º de processo …/…; - Até à data, o A. pagou à R., a título de pensão de alimentos, a quantia de €113.800,00 (de Dezembro de 2006 a Setembro de 2010 / 46 meses x €1.400 = €64.400,00 e de Outubro de 2010 a Janeiro de 2017 / 76 meses x €650,00 = €49.400,00); - Sucede que, entretanto, o A. tomou conhecimento de que a R. vive em união de facto desde Dezembro de 2006; - Verifica-se, assim, erro sobre as circunstâncias em que A. e R. acordaram a prestação de alimentos, ao qual, nos termos do artigo 252.º, n.º 2, do Código Civil, é aplicável o disposto nos artigos 437.º a 439.º do mesmo Código, pelo que assiste ao A. direito à resolução daquele acordo; - Acresce que se encontram reunidos os pressupostos do artigo 227.º do CC, assistindo ao A. o direito a ser indemnizado pelos danos que lhe foram causados pela R., ou seja, o direito à devolução de todas as prestações pagas a título de alimentos desde Dezembro de 2006; - Com fundamento em enriquecimento sem causa (art. 437.º, n.º 1 do CC), tem o A. direito a que sejam restituídas todas as prestações pagas a título de alimentos, desde Dezembro de 2006; - Além de que, nos termos do artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os recebe deixe de precisar deles; - Sendo a união de facto uma instituição jurídica equiparada ao casamento (art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), verifica-se que, desde Dezembro de 2006, a R. não necessita da prestação de alimentos e que, cumulativamente, o A. não tem a obrigação de prestar alimentos à R. desde essa altura; - De todo o modo, face ao preceituado no artigo 2016.º, n.º 1, do CC, dez anos após o divórcio, mesmo que não vivesse maritalmente com o seu actual companheiro, a R. já devia prover ao seu sustento.

Termina pedindo que:

  1. Seja reconhecida a cessação da obrigação de prestar alimentos à R. por parte do A.; b) Seja a R. condenada a devolver ao A. todas as prestações recebidas daquele, a título de alimentos, no montante de €113.80,00, ao qual devem acrescer juros à taxa legal.

    A R. contestou alegando, essencialmente, o seguinte: - Pelo ano de 1978/1979, A. e R. iniciaram uma relação afectiva, decidindo a R., de acordo com o A., rescindir o seu contrato de trabalho no …. para o poder acompanhar no exercício da sua actividade de bancário em vários países; - Tendo a R. acompanhado o A. na ida para …, onde, no ano de1982, vieram a contrair matrimónio; - Nos anos que se seguiram e por períodos de cerca de dois anos em cada país, A. e R. viveram em …, no …, novamente em …, em …, na …, na …., na … e em …; - Durante a segunda estadia em …, nasceu a filha de ambos; - Três a quatro anos antes do divórcio, e por comum acordo, a R., para poder dar estabilidade à filha de ambos, atendendo a que a mesma necessitava de permanecer numa única escola, ficou a viver com a filha em …, sendo que era o A. quem vinha a ... quando a profissão lho permitia, para estar com a mulher e com a filha; - Durante todos esses anos, que foram cerca de vinte sete, foi a R. quem cuidou da casa e da filha, gerindo toda a organização do lar e a vida da filha, levando e trazendo a então menor da escola e de todas as actividades extracurriculares; - Por acordo com o A., a R. abdicou da sua vida profissional em prol da vida familiar, contribuindo assim em espécie para a economia comum, através de trabalho desenvolvido no seio do seu lar, na educação da filha, assim como no acompanhamento do marido; - No ano de 2006, A. e R. divorciam-se, tendo o A., reconhecendo todos os factos atrás descritos, que se traduzem num crédito da R. sujeito a compensação pelo A., aceitado pagar à R. o valor mensal de €1.400,00 a título de pensão de alimentos; - Não é verdade que a R. viva ou tenha vivido em união de facto com CC; - CC é amigo de longa data da R., permanecendo temporadas em ..., na casa onde reside a R., que também lhe pertence; - A R. não exerce actividade profissional desde os anos de 1978/1979, não tendo experiência nem contacto com os novos meios informáticos ou técnicas laborais; - Está há 35 anos fora do mercado de trabalho, tem 62 anos de idade, sofre do coração e de doença crónica, vive em constante ansiedade, provocada pelo facto de o aqui A. pretender retirar-lhe o valor da pensão de alimentos de que necessita em absoluto para viver; - Bem sabe o A. que a R. acedeu em reduzir a pensão de alimentos de €1.400,00 para €650,00, com efeitos a partir de 01.10.2010, na condição de o A. não voltar a questionar o acordo relativo a alimentos; - Sendo que os motivos que o A. invocou na presente acção judicial são iguais aos plasmados no processo n.º …, que correu termos na … Secção do … Juízo de Família e Menores de ….

    Assim, face às possibilidades do A. e à incapacidade da R. em prover à sua subsistência, pugna pela improcedência da acção.

    Por sentença de 26 de Novembro de 2018 a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido e mantendo-se a pensão de alimentos a pagar pelo A..

    Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

    Por decisão proferida em 27 de Junho de 2019, e mantida por acórdão de 28 de Novembro de 2019, o recurso foi julgado parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se a cessação da obrigação de o A. prestar alimentos à R..

    1. Por requerimento de 17 de Dezembro de 2019, a R. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. Considerando tudo o que atrás se explanou e o que doutamente for suprido pelos Venerandos Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, não poderá ser passível de outra decisão a questão em análise, senão a revogação da douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

    2. Como é consabido a obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles” (art.º 2013.º, n.º 1, alínea b) do C.C.)”.

    3. Recai sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do C.C.

    4. Ora, não obstante, o Recorrido ter tido conhecimento em Dezembro de 2006 de que a Recorrente vivia em união de facto com CC (vide art.º 11º da matéria dada como provada), o mesmo só invocou este facto cerca de três (3) anos depois (Novembro de 2009) quando intentou a ação de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no extinto …Juízo do Tribunal de Família e Menores ….., … secção, com o nº de Proc. …, sendo que nessa mesma ação, em 12 de Julho de 2010, aceitou pagar à Recorrente uma pensão no montante de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) mensais, tendo tal acordo sido homologado por sentença proferida em 17 de Setembro de 2010.

    5. Acresce que, o Recorrido não logrou provar que aquando da propositura da presente acção, em 27 de Fevereiro de 2017, a Recorrente vivia e continua a viver em união de facto com CC e como tal a mesma passou a estar em condições de prover ao seu sustento, sem qualquer auxílio do Recorrido.

    6. Aliás, atento o plasmado no art.º 10º da matéria dada como provada e alínea D dos factos dados como não provados, que não foram postos em crise pelo Recorrido, a Recorrente viveu em união de facto com CC, de Dezembro de 2006 a Dezembro de 2011.

    7. Do que se deixa dito, há pois que concluir que a mera invocação e comprovação de que a Recorrente após o seu divórcio viveu cinco anos em união de facto com outro homem, não é bastante para afastar o seu direito a exigir alimentos ao seu ex-marido, na medida em que a verificação dos pressupostos da cessação de alimentos deve ser analisada no momento da propositura da ação.

    8. Como ficou inequivocamente demonstrado, o Recorrido não logrou provar os factos constitutivos do seu direito, pelo que não existe, assim, fundamento para a cessação da obrigação alimentar.

    9. Laborou em erro o douto Tribunal da Relação …. ao considerar verificado um dos pressupostos da cessação de alimentos, previsto no art.º 2019º, do C.C., violando assim o disposto nos arts. 3, 4 e 5 do art.º 607º, do C.P.C. e arts. 2009º, 2013, n.º 1, alínea b) e art.º 2019, todos do C.C.

    10. Assim, deverá o Douto Acórdão recorrido ser totalmente revogado, mantendo-se integralmente a decisão da Primeira Instância.» O Recorrido apresentou contra-alegações em 28 de Janeiro de 2020, concluindo nos termos seguintes: «1. Ficou provado nos presentes autos que a Recorrente, enquanto ex-cônjuge do Recorrido, iniciou uma união de facto.

      Pelo que, 2. Nos termos do art. 2019º do CC, encontra-se cessada a obrigação de prestar alimentos à Recorrente, por parte do Recorrido.

    11. Sendo, para o caso, irrelevante se se alteraram, ou não, as necessidades económicas da Recorrente ou se a Recorrente mantém, ou não, a união de facto com o seu companheiro CC.

    12. A actual redacção do art. 2019º do CC resulta da Lei nº 23/2010, de 30 de agosto.

      Pelo que, 5. Só após a entrada em vigor deste diploma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT