Acórdão nº 2970/19.6YRLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, vêm apresentar reclamação do despacho da Exma. Senhora Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 9 de Janeiro de 2020.

2.

O despacho impugnado é do seguinte teor: 1. ZENTIVA K.S. e ZENTIVA PORTUGAL, LDA, vieram interpor recurso! de revista do acórdão desta Relação proferido em recurso interposto de decisão do tribunal arbitral constituído na vigência e nos termos da Lei 62/2011, que rege quanto à composição extrajudicial dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial em que estejam em causa medicamentos de referência e genéricos.

Alegou, em síntese, quanto à admissibilidade do recurso, que, tendo o acórdão decidido sobre matéria relevante quanto à competência material do tribunal, sempre seria admissível revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 629.5, n.o 2, alínea a), do CPCivil.

Concretamente, refere: Ao concluir que o Despacho n.s 8 impedia o Tribunal Arbitral - e que também impedia, consequentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto órgão de recurso - de apreciar a defesa por excepção fundada na nulidade do certificado complementar de protecção da patente, o acórdão recorrido decidiu sobre a questão relativa à competência material dos tribunais arbitrais constituídos ò luz da Lei n.? 62/2011, de 12 de Dezembro.

Nas suas contra-alegações, a GILEAD SCIENCES, INC. defendeu que o acórdão não decidiu sobre a matéria da competência material do tribunal, antes expressamente referiu que lhe estava vedado dela conhecer. ; Concluiu que, não sendo o caso passível de integração na previsão do artigo 629.2, n.a 2, está vedada a revista pelo disposto no artigo 3.2, n.s 7, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro (Litígios emergentes de Direitos De Propriedade Industrial - Medicamentos De Referência/Genéricos).

  1. Não está em causa nem a tempestividade nem a legitimidade das Recorrentes, sendo apenas controversa a questão da admissibilidade do recurso.

    Quanto a ela, no âmbito em causa, o dos litígios relativos a propriedade industrial entre medicamentos de referência e medicamentos genéricos, a doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado amiudadas vezes, estando em causa a norma do artigo 3.9, n.9 7, que pode ser interpretada segundo três linhas de orientação dominantes. São elas:

    1. Está previsto apenas um grau de recurso da decisão arbitral para o Tribunal de Relação competente, estando vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Apenas é admissível a revista excepcional.

    2. Está previsto apenas um grau de recurso, sem prejuízo dos casos em que no regime processual geral é sempre admissível recurso da decisão das Relações, nos termos do artigo 629.e, do CPCivil. Apenas são admissíveis a revista excepcional e a revista normal atípica ou extraordinária.

    3. A norma limita-se a estatuir a admissibilidade de recurso da decisão arbitral para a Relação, regendo após as normas processuais civis gerais quanto à admissibilidade da revista. São admitidas as modalidades de revista normal, normal atípica e excepcional.

  2. Apreciando as indicadas orientações.

    3.1. A primeira posição louva-se no teor da norma do artigo 3.9, n.s 7, interpretada à luz da exposição de motivos da proposta de Lei 13/XII que esteve na origem da Lei 62/2011 onde se lê: Adopta-se, ainda, uma tramitação consentânea com a preocupação de celeridade, com garantia pelo devido contraditório das partes, bem como o direito a uma instância de recurso, fixando-se o efeito meramente devolutivo do mesmo, de modo a manter os efeitos da decisão arbitral até à decisão que sobre o mesmo recair.

    Não encontrámos jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que sufrague esta posição.

    3.2. A segunda orientação nega a possibilidade de revista normal:

    1. Pelos indícios colhidos do elemento gramatical de interpretação recolhido do texto da norma - da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente - que expressamente refere o recurso para a Relação e não o recurso amplo para os tribunais estaduais; b) Pelo elemento histórico constituído pela mencionada exposição de motivos da proposta de iei; c) Pelo elemento sistemático que recolhe, como indicado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017, proferido no processo 17/15.0YRLSB.S1 (António Piçarra), das normas que sobre recursos regem no Código da Propriedade Industrial ou na Lei da Arbitragem Voluntária: Com efeito, o n.$ 3 do artigo 46.? do Código da Propriedade industrial - em cujo regime substantivo se buscaria, em parte, a solução para o caso em apreço - prevê que «Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível»[15j, fixando, assim, a Relação como normal tecto recursórío para o recurso, de plena jurisdição, previsto no artigo 39.º desse Código, tendo por objecto a impugnação das decisões que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial.

    Por outro lado, a alínea g) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro[16]), define como tribunal judicial competente para conhecer das específicas questões ou decisões arbitrais aí referidas, relativas a litígios pertencentes ò respectiva jurisdição, a Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem, atrlbuindo-lhe «o grosso das questões e decisões que devem ser sujeitas (em 1ª ou 2ª instância) aos tribunais judiciais»[17j e o n.2 8 do mesmo preceito que estatui sobre o recurso dessas decisões salvaguarda, na parte final, sempre «que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa».

    Esta linha hermenêutica pondera ainda que a norma do artigo 3.2, n.9 7, enuncia uma restrição da recorribilidade das decisões arbitrais em sede de arbitragem necessária estabelecida para litígios emergentes de direitos da propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e genéricos, mas que essa restrição não é aplicável nos casos em que o recurso de acórdãos das Relações são sempre admissíveis, ou seja, nos casos do artigo 629.9, n.° 2, do CPC.

    A posição vem exposta exaustivamente no acórdão de STJ de 23 de Junho de 2016, proferido no processo 1248/14.6YRLSB.S1 (Lopes do Rego), sendo a específica matéria em apreciação no acórdão a da contradição de decisões da Relação.

    E a decisão pela recorribilidade funda-se na consideração de que se pode considerar como princípio geral do direito processual a admissibilidade de recurso quando se destine a resolver conflitos jurisprudenciais.

    Diz-se no acórdão: Pode, aliás, considerar-se como princípio geral subjacente ao nosso actual ordenamento adjectivo a existência de um específico mecanismo recursório que - mesmo em matérias que, pela sua natureza, não comportem a possibilidade de acesso ao STJ - se destine a suprir ou resolver conflitos jurisprudenciais que, sem ele, se poderiam eternizar.

    Esta posição é sufragada pela maioria da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos acórdãos de 12 de Setembro de 2019, proferido no processo 222/18.8YRLSB.S1 (Oliveira Abreu) de 15 de Março de 2018, proferido no processo 1503/16.0YRLSB.S1 (Hélder Almeida), de 23 de Junho de 2016, de 2 de Fevereiro de 2017, proferido no processo 393/15.5YRLSB.S1 (Olindo Geraldes), ou de 10 de Dezembro de 2019, proferido no processo 1849/17.0YRLSB.S2 (Oliveira Abreu), para além dos acima citados.

    3.3. A terceira posição pondera que o artigo 3.2, n.e 7, da Lei 62/2011, deve ser interpretado no contexto que lhe deu origem, a saber, a sucessiva pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a conformidade dos regimes de arbitrabilidade necessária com a lei fundamental se encontrar indissociavelmente ligada à admissibilidade de recurso para os tribunais estaduais, o que justificaria a menção do artigo 3.5, n.e 7, de pendor afirmativo mais do que limitativo da possibilidade de recurso.

    Nesse sentido e mais decisivamente, a interpretação decorrente da aplicação subsidiária da lei da arbitragem voluntária estatuída pelo n.9 8 da norma: Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime gerai da arbitragem voluntária.

    Esta norma determina a aplicabilidade da do artigo 59.9, n.e 8 da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária - LAV), com o seguinte teor: Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo [tribunais estaduais], de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.

    Ora, defende esta orientação, se assim é quanto a decisões arbitrais proferidas no âmbito da arbitragem voluntária com regime restrito de recorribilidade, mais o deve ser em sede de arbitragem necessária, cuja constitucionalidade anda de par com o regime de recorribilidade.

    No sentido da recorribilidade, embora sem que a natureza da expressão (voto de vencida) permitisse enunciação da motivação, pronuncia-se a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza no acórdão 393 supra.

  3. No sentido da jurisprudência maioritária se pronuncia Evaristo Mendes (cf.

    http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo Menses Patentes de medicamentos- Instancias de recurso na arbirtragem necessária ao abrigo da Lei 62-2011.pdf): Incidentalmente Sofia Ribeiro Mendes refere a Relação como instância de recurso, sem indicar outra (cf. O Novo Regime da Arbitragem Necessária de Litígios Relativos...

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