Acórdão nº 84/07.0TVLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I - Nos presentes autos de recurso extraordinário de revisão, distribuído neste Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Maio de 2019, em 09 de Setembro de 2020, o relator proferiu decisão singular, indeferindo o recurso, nos seguintes termos: “I.

AA e mulher BB vieram interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido por este STJ em 14 de Março de 2019, terminando o seu requerimento com as seguintes conclusões: 1ª – O presente recurso tem por objecto a decisão transitada em julgado nos presentes autos, porquanto a recorrente apresenta documento de que não pode fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável ao ora recorrente, pelo que se fundamenta na alínea c) do artigo 696º do CPC.

  1. – O documento que fundamenta o presente recurso de revisão é o suporte áudio das declarações tomadas ao recorrido CC, em 7 de Dezembro de 2018, no âmbito do processo-crime que, com o nº .../11…, corre termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...

  2. – No suporte áudio das declarações tomadas ao recorrido CC, em 7 de Dezembro de 2018, é confessada a gratuitidade dos negócios impugnados nos presentes autos.

  3. – O suporte áudio é um documento nos termos e para os efeitos do artigo 362º do Código Civil. Com efeito, é documento não escrito onde a autoria humana respeita à formação de um conteúdo representativo de outra natureza, por acto material próprio ou de outrem, a quem ele é ordenado, ou por predisposição das condições técnicas necessárias para essa formação.

  4. – O suporte áudio é um documento não escrito que representa com permanência um facto de natureza instantânea – que nele é registado e onde a audição do documento permite deduzir do facto do registo a realidade do facto nele representado.

  5. – O recorrido CC, por sua vontade própria prestou declarações na qualidade de arguido e predispôs-se a fazê-lo, sabendo que as suas declarações seriam registadas em suporte áudio, ou seja, que existiam as condições técnicas para a formação de documento não escrito.

  6. – Pela audição do suporte áudio é permitido deduzir o facto do registo da realidade do facto nele representado, ou seja, a confissão do recorrido CC, quanto à gratuitidade dos negócios impugnados nos presentes autos, bem sabendo que tal facto lhe é desfavorável ( Cfr artigo 352º do Código Civil).

  7. – A confissão do recorrido CC é eficaz, judicial e espontânea, valendo, contudo, como confissão extrajudicial, porquanto é invocada fora do processo onde foi produzida (Cfr. artigos 353º nº 1 e 355º nºs 1, 3 e 4, todos do Código Civil).

  8. – O documento fundamento do recurso de revisão preenche o requisito da novidade, porquanto se formou apenas em 7 de Dezembro de 2018, cerca de 6 meses depois de apresentação das alegações de recurso de revista excepcional (11 de Junho de 2018) pelo que era impossível aos ora recorrentes, fazerem uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever.

  9. – O documento fundamento do recurso de revisão preenche o requisito da suficiência na medida em que é susceptível de modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida e visa demonstrar factos que foram alegados e discutidos na acção onde foi proferida a decisão transitada em julgado.

  10. – Fica, agora, provado que os réus DD e EE não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras e que estas foram negócios simulados – logo nulos – pelos 1º e 2ºs RR com o intuito de prejudicar o recorrente.

    Efectivamente, 12ª – Resultava já dos factos provados que os 1º e 2ºs RR maridos se conhecem de longa data e possuem negócios em comum. Que todos os RR sabiam que o valor das quotas das duas sociedades (detentoras do Hotel ...) era de € 5.500.000,00. Que os 2º RR conheciam o negócio celebrado entre os AA (aqui recorrentes) e os 1ºs RR, os termos do mesmo bem, como o facto que o A. marido AA ter sido nomeado gerente da X....

  11. – Da conjugação da confissão ora traduzida pelo documento fundamento com os factos já provados resulta o preenchimento de todos os requisitos da impugnação pauliana, nos termos do artigo 610º a 612º do Código Civil.

  12. – Está provado o crédito dos recorrentes sobre os 1ºs RR da quantia de € 3.165.813,60.

  13. - Está também provado que na celebração dos actos impugnados, os 1ºs RR e os 2ºs RR não podiam ignorar que, ao colocarem as quotas na titularidade dos 2ºs RR – activos que valem € 5.500.000,00 – em troca de nada, privavam os autores da garantia patrimonial pelo que, mesmo que se considere o crédito posterior, os actos impugnados destinaram-se a impedir a satisfação do direito do futuro credor e foram praticados com dolo (ainda que eventual).

  14. – Está ainda provado que a celebração dos actos impugnados resultou, para o credor, a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito, porquanto os 1ºs RR não lograram provar ter qualquer património em Portugal e figuram como contribuintes devedores à Fazenda Nacional no escalão de dívidas entre € 250.000.,00 e € 1.000.000,00.

  15. – Está, finalmente, provado por confissão resultante do documento fundamento do recurso de revisão que os actos impugnados foram gratuitos pelo que sempre procederia à impugnação (ainda que os 1ºs RR e 2ºs RR tivessem agido de boa fé, o que não é o caso.

    Terminam, referindo que, com o recurso de revisão, pretendeu o legislador assegurar o primado da Justiça sobre a Segurança, destinando-se o mesmo àquelas situações limite de tal modo grave que a subsistência da decisão seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada Justiça material, motivo pelo qual deve o presente ser aceite e concedido provimento.

    O requerido DD, ao abrigo do disposto no artigo 699º nº 2 do CPC, respondeu, apresentando as seguintes conclusões: 1. O recorrente adulterou, no seu articulado as declarações prestadas pelo CC.

    1. O recorrente omitiu a integralidade do teor das respostas dadas pelo arguido, não transcrevendo as partes em que o mesmo referiu a existência de dívidas pagas pelo recorrido.

    2. O recorrente tenta, com esta conduta processual, induzir em erro o tribunal, devendo essa atitude conduzir a que seja a mesma considerada como litigância de má fé 4. As respostas reais do arguido foram: 00.24.35 Magistrada Judicial: Pronto… Em relação aquilo que está na Acusação ..Sr CC, o senhor recebeu alguma coisa pela venda do hotel? Na cessão de quotas 00.25.00 CC: Não, não. Havia umas dívidas a pagar.

      00.26.02 Magistrada Judicial. “Pronto. E quando fez a cessão de quotas para o Sr DD, recebeu alguma coisa? 00.26.16 CC: Não, não recebi, não. Não recebi porque havia dívidas a pagar.

      00.26.32 Magistrada Judicial: E essas dívidas foram pagas pelo Sr DD? 00.26.35CC: Pelo Sr...

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