Acórdão nº 37/17.0T8VPA.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCURA MARIANO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I – Relatório AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra os três primeiros Réus, pedindo que seja declarado o seu direito a preferir na compra e venda do prédio identificado na petição inicial, reconhecendo-se o seu direito de adquirir o prédio em causa pelo preço declarado e ordenando-se o cancelamento dos registos efetuados na sequência da escritura outorgada pelos 1.º e 3.º Réus.

Alegou, para tanto, em síntese, que é herdeiro de BB e CC e que das heranças abertas por morte destes faz parte um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …., confinante com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …., relativamente ao qual os 1.º e 3.º Réus celebraram, em 5.8.2016, escritura de compra e venda, sem que ao Autor ou ao seu irmão tivesse sido feita a devida comunicação para preferência.

Acrescentou que o seu prédio tem área inferior à unidade de cultura e que sobre o prédio objeto da venda incide também uma servidão de aqueduto e passagem constituída por escritura pública, a favor do prédio do Autor.

Procedeu ao depósito de € 30.144,00, correspondente ao preço da venda, respetivos impostos e despesas.

O Réu DD contestou, alegando que o prédio em causa estivera diversos anos à venda e fora oferecido para compra ao Autor, que recusou o negócio, conhecendo todos os elementos do mesmo.

Mais negou a existência do direito de preferência, em virtude de existir entre os dois prédios um caminho de consortes, pelo que os mesmos não confinam, além de não se destinar o prédio vendido a cultivo.

Acrescentou que o preço do negócio foi de € 33.000,00.

Excecionou, ainda, a ilegitimidade, em virtude de na ação não estarem os demais proprietários confinantes.

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar os € 33.000,00 acrescidos de € 3.342,56, relativos às despesas que teve com a venda do prédio, para a hipótese de a ação proceder.

AA deduziu réplica contestando o pedido reconvencional.

EE, co-herdeiro juntamente com o primitivo Autor, das heranças de BB e CC, deduziu incidente de intervenção principal espontânea, aderindo e fazendo sua a petição inicial, alegando ter o direito de adquirir, em conjunto com este, o prédio alienado.

Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva por ausência dos demais confinantes, conheceu parcialmente do mérito da reconvenção, julgando improcedente o pedido de condenação no pagamento das despesas reclamadas pelo Réu/reconvinte, no valor de € 3.342,56, e deferiu a intervenção espontânea de EE, por ter considerado que a presente ação exigia um litisconsórcio necessário dos herdeiros das heranças onde se integrava o prédio confinante.

Falecido o Autor primitivo, AA, foi habilitada como sua sucessora a atual Autora.

Realizada a audiência de julgamento, veio o interveniente EE declarar desistir de todos os pedidos formulados.

Notificada, FF, habilitada na posição do primitivo Autor, entretanto falecido, requereu o prosseguimento dos autos, porquanto tratando-se de litisconsórcio necessário tal desistência apenas poderá relevar em sede de custas.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos formulados e julgou prejudicada a apreciação da reconvenção, por haver sido deduzida a título subsidiário.

Desta decisão foi interposto recurso pela Autora para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 20.02.2020, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Deste acórdão interpôs a Autora recurso de revista excecional, alegando que esta decisão contraria o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2002 e que constitui uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito.

O Réu contestante apresentou contra-alegações, em que se pronunciou pela inadmissibilidade do recurso e sustentou a decisão recorrida.

No Tribunal da Relação foi proferido acórdão, rejeitando a existência da nulidade arguida nas alegações de recurso.

Tendo os autos sido remetidos à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi proferido acórdão que admitiu a revista excecional, por se verificar contradição, relativamente à solução encontrada para a mesma questão, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, estando em causa a uniformidade e a certeza na aplicação do direito.

São as seguintes as conclusões das alegações de recurso: (...) 4 - O direito de preferência dos proprietários, com base na confinância entre terrenos confinantes, de área inferior À UNIDADE DE CULTURA, a quem não seja proprietário confinante, afigura-se com um direito de particular relevância nas zonas agrícolas do País e na certeza geral das relações contratuais que se pretendem claras e indubitáveis para os cidadãos.

A certeza nas relações jurídicas contratuais e entre vizinhos é um dos pilares do nosso direito civilista e a contradição na aplicação do direito em situações iguais apresenta-se como um mal que deve ser evitado e esclarecido.

5 - Os conflitos de direito privado entre vizinhos, os relativos a questões de propriedade privada, a questões de exploração agrícola, em especial zonas rurais, como é o caso, são de particular importância económica, ambiental, mas acima de tudo social, no sentido de pacificação de conflitos, certeza do direito e sua aplicação e melhor exploração do solo, com o menor impacto ambiental.

6 - O douto Acórdão em crise, é contraditório em relação a outros Acórdãos, já transitados, e sobre a mesma legislação e matéria de Direito.

7 - O entendimento constante desses anteriores Acórdãos está em consonância com a lei e a sua orientação é a mais consentânea com a legislação em vigor.

8 - Com efeito, o Acórdão Recorrido rejeita reconhecer que os prédios …. e ….. são confinantes, pelo facto de entre ambos se verificar um desnível, e entre eles se interpor uma levada.

9 - Esse foi o motivo para indeferir o Pedido.

10 - Esta conclusão não pode deixar de causar perplexidade, sobretudo porque o artigo 1380.º do CC não estabelece diferença entre confinância.

11 - Neste sentido vide Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/05/2002, Processo 02A1137.

12 - “O rego que está de permeio entre os prédios … não constitui obstáculo à unificação dos prédios nem impede que da superfície fundiária assim conseguida, mais próxima da unidade de cultura, se possa obter o desiderato conducente a uma melhor produtividade e a uma melhor rentabilização – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in CJ XIII/1/74.

13 - A existência de um rego não impede uma melhor exploração agrícola, nem o acesso de um terreno ao outro tal como a sua localização num outro ponto do terreno não impediria a exploração e o acesso entre parcelas, que num mesmo terreno por força do atravessamento por aquele, se formassem.” 14 - O mesmo Acórdão do STJ trata a matéria da existência de um desnível entre os prédios: “Entre os dois prédios existe um desnível de 1,5m … Valem aqui as considerações anteriores, sendo de concluir, como este Supremo num caso em que o desnível era o dobro do aqui verificado afirmou - «não se vê que um desnível possa servir de obstáculo à formação de unidade de cultura, como obstáculo constituirão, por exemplo, a existência de um muro de vedação ou de socalcos sustentados por botareús… Acórdão de 86.04.17 in B. 356/368.” 15 - Temos assim, pelo menos três Acórdãos, dois da autoria do Supremo Tribunal de Justiça, e um do Tribunal da Relação de Coimbra, que defendem interpretação diversa do artigo 1380.º do C. C., não deixando de considerar como confinantes dois prédios, rústicos, apesar de entre eles existir desnível e rego de água.

16 - Esta interpretação e orientação é aquela que melhor garante o desiderato da lei de procurar a unificação de propriedades que melhor assegurem uma aproximação da unidade de cultura, garantindo uma melhor exploração agrícola que se pretende.

17 - Daí a boa e, que deve manter-se, inatacável, orientação até agora seguida pelos Tribunais Superiores de considerar que não deixa de se considerar como confinantes dois prédios, rústicos, apesar de entre os mesmos existir desnível e rego de água.

18 - A ação base é de preferência, invocando o Autor como origem desse direito (real) o disposto no artigo 1380.º do C.C.

19 - No entanto face ao facto dado como Não Provado a), o pedido foi indeferido.

20 - Sucede que, tal como referido supra, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/05/2002, Processo 02A1137 que também se louva no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in CJ XIII/1/74 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 86.04.17 in B. 356/368 vai em sentido oposto, considerando que existe confinância entre dois prédios, apesar de entre os mesmos existir desnível, ou levada.

21 - A Resposta negativa dada em a) assentou numa interpretação errada da lei e da Jurisprudência dominante, devendo ser alterada ou pelo menos excluída como matéria de facto dado ser matéria de direito que os Tribunais em causa erradamente interpretaram.

22 - Justificando-se assim o presente Recurso de Revista Excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º n.º 1, o que permite excepção ao disposto no artigo 671.º n.º 3.

23 - O Douto Acórdão Recorrido enferma de nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 d) do C. P. C., pois não se pronuncia sobre questão que deveriam apreciar, o que consubstancia nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 d) do C. P. C. – a reanálise da prova.

24 - Sendo reanalisada, o ponto a) de factos não provados deverá transitar para factos provados, por assentar em errada interpretação da lei.

25 - O Acórdão em causa violou a lei substantiva ao fazer errada interpretação do artigo 1380 do C. Civil.

26 - Os prédios …...

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