Acórdão nº 15265/14.2T8PRT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório Nos autos execução em que é exequente Farmoz, Sociedade Técnico Medicinal, S.A. e executado Banco Comercial Português, S.A.este interpôs embargos de executado se do Embargante alegando que o título dado à execução reconduz-se a uma garantia bancária simples, condicional, cujo accionamento dependia de demonstração do incumprimento da Medicamed, o que não correu e, por outro lado, na aludida garantia bancária fixava-se como prazo máximo da garantia o dia 06.03.2011, tendo as quantias não pagas pela Medicamed de ser reclamadas, impreterivelmente, até essa data, o que também não sucedeu, pelo que a mesma caducou.

Na contestação a exequente opõe que interpelou o Embargante para pagamento dos valores em dívida pela Medicamed, por carta registada datada de 18.03.2009, aí se referindo o montante em dívida e as facturas que suportam tais valores. A invocação da caducidade da garantia constitui abuso de direito, uma vez que a interpelação de 18.03.2009 afasta essa caducidade. Foi proferida decisão arbitral, em 19.12.2013 onde se reconhece o débito da Medicamed e o direito do Embargado accionar a garantia bancária.

… … Por sentença em primeira instância foram os embargos julgados procedentes reconhecendo-se a caducidade e determinando-se a extinção da execução.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação que julgou o recurso procedente e improcedentes os embargos, revogando a sentença e ordenando o prosseguimento da execução.

… … Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a embargante concluindo que: “1ª O presente recurso tem por objecto fazer reapreciar a decisão de direito constante do acórdão recorrido, repristinando-se em sua substituição a decisão da 1ª Instância que julgara a causa no respeito da lei aplicável e, por isso, não devia ter sido revogada.

  1. Aceitando embora que nas garantias bancárias simples o beneficiário não está dispensado de provar o incumprimento da obrigação subjacente, o acórdão recorrido julgou erradamente de direito ao entender que esta prova se basta com a mera exibição das facturas que ficaram a titular o nascimento do crédito e do extracto de conta corrente da credora, 3ª Porque prova é prova e a prova se não confunde com o que queiram apelidar de mera alegação sustentada, não pode ser havida como prova de um incumprimento para efeito de uma garantia autónoma simples, nem a junção das facturas que ficaram a titular o crédito dado à execução, nem o extracto da conta corrente do fornecedor: as facturas, porque elas provarão a existência do crédito, mas não o incumprimento; o extracto de conta, porque este só prova que o cumprimento não consta da escrita do credor e esta omissão não basta para se dizer que está feita a prova do incumprimento; 4ª Aligeirar a prova que a lei exige que se faça ao ponto de a fazer coincidir com uma mera alegação, por muito que sustentada, desconsidera até ao cerne as diferenças que distinguem a garantia bancária simples da garantia bancária à primeira solicitação, tornando-as iguais quando são diferentes e profundamente diferentes ao nível, precisamente, do incumprimento: uma exige a sua prova, a outra dispensa-a; 5ª E não se diga que, por ser sustentada a alegação, ela se confunde com a prova do facto que consubstancializa: do que se trata é de fazer a prova de um incumprimento e uma alegação não é por ser sustentada que passa de alegação a prova.

  2. Tendo feito valer como prova o que não passa de uma mera alegação, não podia o acórdão recorrido tomar por válida a interpelação operada por carta de 18 de Março de 2009; 7ª E a segunda notificação de 2 de Janeiro de 2014 feita, de resto, em cima de uma notificação inválida, não pode ir buscar à primeira fundamento para ser levada a cabo fora do prazo de validade da garantia, tanto mais que entre o termo da garantia e a nova interpelação decorreram quase três anos de eloquente e ruidoso silêncio por parte do beneficiário.

  3. Dos factos dados por provados nos autos subsequentes à primeira interpelação invalidamente levada a cabo pela Recorrida nada resta de útil no comportamento do Recorrente que possa fazer cair este na alçada do abuso de direito; De facto, 9ª Nem na primeira resposta a uma interpelação inválida, nem a segunda a uma interpelação fora de tempo, o Banco se comprometeu a não tirar do prazo de validade da garantia a consequência da sua caducidade.

  4. E a mera disponibilidade que o garante tenha mostrado para deixar que as partes, negociando, ultrapassassem porventura o conflito em que estavam, não pode significar acordo tácito do Recorrente ao prolongamento sem limite do prazo da garantia nem, muito menos, instilar no beneficiário um qualquer sentimento de confiança que o levasse apensar que a interpelação estava feita e, portanto, livre para exigir o seu cumprimento quando lhe aprouvesse, dentro ou fora do prazo da garantia.

  5. Nada, nos autos, autoriza a pensar que o Recorrente agiu fora do fim económico ou social que a lei teve em vista ao atribuir-lhe o direito de não honrar a garantia bancária dos autos fora do prazo de validade que lhe estava assinalado.

  6. Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido, além de ter violado o regime jurídico das garantias bancárias simples em matéria de prova do incumprimento da obrigação subjacente, violou, por aplicação indevida, o disposto no artº 334ºdo Código Civil ao tomar o comportamento do Recorrente como coenvolvido na proibição do abuso de direito.

TERMOS EM QUE, na procedência das conclusões desta alegação, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por acórdão deste Alto Tribunal que, repristinando a decisão da 1ªInstância, julgue procedentes os embargos e decrete a extinção da execução, com todas as legais consequências.” Nas contra-alegações a recorrida sustenta a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… … Fundamentação Está provada a seguinte matéria de facto: “1. O Executado, Banco Comercial Português, S.A. (doravante designado abreviadamente por “BCP” ou “Executado”) prestou, a favor da Exequente, garantia bancária com o n.º …….576, datada de 06.03.2007 (doravante designada abreviadamente “Garantia Bancária”) (cfr. Documento n.º 1 anexo ao requerimento executivo – RE) 2. A Garantia Bancária foi emitida em nome e a pedido da MEDICAMED – Produtos Médicos e Farmacêuticos, S.A. (doravante designada abreviadamente MEDICAMED”) devedora da Exequente.

  1. Nos termos da Garantia Bancária, esta destinava-se a “garantir o pagamento de Faturas Vencidas e Futuros Fornecimentos de Medicamentos” da Medicamed à Exequente, até ao limite máximo de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros). 4. O Executado assumiu, nos termos da Garantia Bancária por si oferecida, a qualidade de principal pagador, comprometendo-se “a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se mostrem necessárias, até aquele limite [€ 250.000,00], se a Medicamed - Produtos Médicos e Farmacêuticos, S.A. o não fizer em devido tempo” (cfr. Documento n.º 1).

  2. Além do valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), estipulou-se que a Garantia Bancária seria “válida pelo período de 4 (quatro) anos, a contar desta data”, ou seja, quatro anos contados desde 06.03.2007 (cfr. Documento n.º 1.

  3. Na Garantia Bancária encontra-se, em concretização do referido termo, aposta a seguinte menção: “o prazo de interpelação para o pagamento de quaisquer quantias devidas pelo Banco Comercial Português, S.A., por força desta garantia, expira em 6 de Março de 2011, pelo que não poderá ser atendido qualquer pedido entrado nos serviços deste Banco depois desse momento” (cfr. Documento n.º 1).

  4. Em 10.05.2007, foi pelo BCP emitido um documento denominado “Aditamento à Garantia Bancária n.º …....576”, nos termos do qual o Executado procedeu “à ampliação do objecto da garantia bancária n. ……...576 por nós emitida a vosso favor em 6 de Março de 2007, no valor de EUR 250.000,00 (Duzentos e Cinquenta Mil Euros), no sentido de daquela ficar a constar que a mesma se destina a garantir até ao montante referido, para além dos valores devidos a título de futuros fornecimentos de medicamentos, o pagamento das prestações relativas ao acordo de pagamento celebrado entre as partes em 16 de Março de 2007, acordo este relativo a pagamentos de uma dívida assumida pela MEDICAMED – PRODUTOS MÉDICOS E FARMACÊUTICOS, SA” (cfr. Documento n.º 2 anexo ao RE).

  5. Consta igualmente do texto do Aditamento à Garantia Bancária que se mantêm “inalteráveis todos os restantes termos e condições da garantia” (cfr. Documento n.º 2).

  6. Por carta datada de 18.03.2009, foi o Executado notificado do accionamento da Garantia Bancária (incluindo os termos e condições alterados pelo Aditamento à Garantia Bancária), em razão do incumprimento da MEDICAMED dos encargos relacionados com os fornecimentos futuros e os acordos de pagamento nela referidos, fazendo-se acompanhar das facturas em incumprimento e do extracto de conta corrente daquela sociedade (cfr. Documento n.º 3 anexo ao RE).

  7. O Executado respondeu, por comunicação datada de 28.05.2009, no sentido de que a MEDICAMED lhe teria dado indicações relativas à existência de direitos de créditos seus sobre a Exequente, que seriam superiores aos créditos por si incumpridos, referindo o Executado que ficaria a aguardar que lhe fosse feita prova inequívoca das respectivas posições das partes, ou então que se alcançasse um acordo entre a MEDICAMED e a Exequente ou que existisse decisão judicial a resolver o litígio (cfr. Documento n.º 4 anexo ao RE).

  8. Em 22.02.2010, a MEDICAMED apresentou a sua Petição Inicial, no âmbito da Arbitragem ad hoc proposta contra a Exequente, nos termos e ao abrigo do Contrato de Licenciamento celebrado entre a MEDICAMED e a Exequente, datado de 01.10.2003.

  9. A Exequente, citada para a Arbitragem, apresentou a sua contestação em 6.03.2010, arguindo a improcedência dos pedidos formulados pela MEDICAMED, e deduziu reconvenção com fundamento, entre outros...

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