Acórdão nº 1833/17.4T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ FETEIRA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 1833/17.4T8LRA.C1.S1 Relator: José Feteira 1º Adjunto: Cons. Leonor Rodrigues 2º Adjunto: Cons. Júlio Gomes Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I 1.

Os Recorrentes AA e BB, por um lado, e CC, DD, EE e FF, por outro, notificados que foram da decisão singular proferida pelo relator em 03 de novembro de 2020 que não admitiu os recursos de revista que haviam interposto sobre o acórdão proferido em 26 de junho de 2020 pelo Tribunal da Relação …., com ela não se conformando vieram deduzir reclamação para a conferência nos termos dos artigos 652.º n.º 3 do CPC e que é aqui aplicável por força do art. 1º n.º 2 al. a) do CPT.

  1. Alegam os primeiros Recorrentes que: 1. Está em causa a decisão singular nos termos da qual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 652.º, n.º 1 al. b) e 629.º n.º 1, ambas do Código de Processo Civil, decidiu-se não admitir os recursos de revista interpostos pelos Recorrentes.

  2. Não está aqui em causa a inadmissibilidade do recurso em razão da aplicação do princípio da “dupla conforme” (artigo 671.º, n.º 3 do CPC), nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do CPC, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade dessa alçada, atendendo-se em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

  3. Nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LOFTJ, o valor da alçada da Relação é de 30.000,00€ pelo que, atento o acima exposto, cabe recurso das decisões desta, quando a causa tenha valor superior a 30.000,00€ e seja desfavorável ao recorrente em valor superior a 15.000,00€. Ora, 4. A sentença de primeira instância, fixou em 97.454,09€ o valor da causa. Acresce que, 5. O Recorrente BB, havia visto a Recorrida condenada a: a) reintegrá-lo no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 1373,14€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros.

  4. Sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) – de reintegração no posto de trabalho - ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 67.298,78€ sem juros.

  5. A Recorrente AA, havia visto a Recorrida condenada a: a) reintegrá-la no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 683,13€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros.

  6. Sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) – de reintegração no posto de trabalho - ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 33.473,37€ sem juros.

  7. Em qualquer das situações referidas nos artigos 5.º a 8.º deste requerimento, só o valor das retribuições intercalares é largamente superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação. Assim, 10. Salvo o devido respeito, julgam os requerentes que não existe fundamento legal, para, em razão do valor, não ser admitido o recurso.

  8. Assim não entendeu o Exmo. Relator, que aplicou ao caso o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal».

  9. E, assim, considerou que o valor dos pedidos formulados por cada um dos agora Requerentes era de € 2.459,15 (AA) e € 19.044,09 (BB). Todavia, 13. O n.º 4 do mesmo artigo 299.º dispõe que “nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”. Ora, 14. A utilidade económica do pedido é expressa em dinheiro.

    “Quando o pedido tenha por objecto uma quantia pecuniária líquida (“quantia certa em dinheiro”), a determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista pelo autor ou reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em acção executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade (“benefício”) visada (art.º 306-1). As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts. 307, 308-31, 309 a 313) representam a concretização e a adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, 1999, pag. 543).

  10. Daqui resulta que a regra que limita o recurso em função do valor, vertida no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, tem de ser conjugada com a regra do artigo 299.º, n.º 4 do mesmo diploma legal.

  11. Tal conjugação postula que, para efeitos de recurso, deve atender-se ao valor que a causa tenha, tendo em atenção a utilidade económica que revela no momento em que o recurso é interposto.

  12. O que, in casu, determina que o Tribunal deva julgar o mérito do recurso.

  13. Concluem, por sua vez, os demais Recorrentes que: 1. O tribunal de 1.ª instância ordenou a apensação de todas as ações ao abrigo do disposto no art.º 31.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

  14. Pelo que a apensação das ações, a consequente coligação de Autores e os eventuais efeitos que tal acarreta em termos de valor da causa, não foi uma opção daqueles, muito pelo contrário.

  15. Não obstante a apensação das ações, certo é que o Tribunal entendeu fixar um único valor para todas elas e não um valor para cada um dos Autores, que na douta sentença foi fixado em € 97.454,09.

  16. O valor de € 97.454,09 é o valor da causa a atender, quer para efeitos da alçada do tribunal, quer para efeitos de custas judiciais, até porque, as taxas de justiça destes autos, nomeadamente as inerentes aos recursos interpostos, foram apuradas e pagas tendo como base o valor da ação de € 97.454,09.

  17. Nestes autos, os pedidos principais dos Autores são a reintegração e, consequentemente, o pagamento das 11 retribuições vincendas. Pelo que tem plena aplicabilidade o disposto no n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Civil.

  18. O pedido de cada um dos Autores individualmente considerado - “esquecendo”, assim, que à causa foi fixado o valor de € 97.454,09 - excede manifestamente a alçada do tribunal da Relação (€ 30.000,00).

  19. A Autora CC, auferia um salário de €1.150,00,pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, à quantia de € 101.200,00.

  20. A Autora DD auferia um salário de €1.150,00, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 101.200,00; 9. A Autora EE auferia um salário de € 995,00, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 87.560,00; 10. O Autor FF auferia um salário de € 600,75, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 52.866,00.

  21. Em caso de dúvidas quanto ao valor da sucumbência, porque é determinado de forma distinta consoante o recurso incida sobre um interesse subjetivamente divisível e a coligação seja simples ou recaia sobre um interesse comum.

  22. De todo o modo, sempre se dirá que a decisão impugnada é desfavorável aos recorrentes em valor muito superior a metade da alçada desse tribunal (€ 15.000,00), como se passa a demonstrar; 13. Como resulta dos valores acima apresentados, a decisão impugnada é desfavorável aos Recorrentes nos seguintes valores: CC: € 101.200,00; DD: € 101.200,00; EE: € 87.560,00; FF: € 52.866,00.

  23. Pelo que é mais que manifesta a admissão do recurso ao abrigo do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil.

  24. Caso o recurso não seja admitido - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre se dirá que a decisão da sua rejeição é inconstitucional.

  25. O que se torna particularmente mais grave quando a apensação das ações e, por conseguinte, a coligação, foi imposta aos Autores, já que estes tinham optado por instaurar ações individualizadas.

  26. A manter-se a decisão de rejeição do recurso, a mesma viola os artigos 20.º, n.º 2 e 18.º, ambos da Constituição, bem como o princípio da igualdade.

  27. Ao estipular que o valor da utilidade económica do pedido condiciona a competência do tribunal, a forma do processo e a relação da causa com a alçada do Tribunal o legislador está a estabelecer um critério objetivo e proporcionalmente justo de limitação do direito de recorrer, em atenção ao benefício económico esperado pelo autor e ao sacrifício financeiro que é imposto ao réu.

  28. No foro laboral é útil notar que o legislador alarga, no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, a possibilidade de recurso a outros casos, para além dos anunciados no artigo 629.º do Código de Processo Civil, em que é sempre possível o recurso "independentemente do valor da causa e da sucumbência". Designadamente, o recurso é sempre admissível nas causas em que se discute o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador.

  29. Isto acontece certamente em consideração da repercussão que estas decisões geralmente comportam no âmbito das relações laborais. E, nesse foro, justamente em virtude da particular configuração das relações jurídicas que se estabelecem, e nomeadamente em resultado do número de pessoas jurídicas que figuram em cada lado dessa relação jurídica, é bem mais efetiva a possibilidade de ocorrência de uma situação que propicie a coligação de autores, em número variável, mas que pode atingir, não obstante o baixo montante de cada um, um valor global perante o qual é impensável - por força do artigo 2.º da Constituição - negar o direito de recurso.

  30. A norma do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de que no foro laboral, em caso de coligação, o valor da ação deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

  31. ...

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