Acórdão nº 1976/17.4T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.
O Centro Abastecedor ……, Ld.ª (A.) instaurou, em …/11/2017, uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA (1.º R.), advogado, e contra MAPFRE Seguros Gerais, S.A. (2.ª R.), alegando, em síntese, o seguinte: .
A A. dedica-se à atividade de venda a retalho de materiais de construção civil, fornecendo empresas e particulares; .
O 1.º R., na qualidade de advogado, com base em instrumento de mandato forense outorgado pela A., reclamou, em nome desta, no processo de insolvência da sociedade P……., L.ª, que correu termos sob o n.º 452/14.1…, um crédito no montante de € 286.531,33, que qualificou como privilegiado, emergente de um contrato-promessa de compra e venda de três frações imobiliárias, conforme o escrito reproduzido a fls. 23 a 25/v.º, datado de 15/12/2011, em que a A. figura como promitente-compradora e a referida sociedade P….., Ld.ª, como promitente vendedora; .
No âmbito do referido contrato-promessa, como sinal e princípio de pagamento do preço acordado, no valor global de € 260.000,00, a A. entregou à promitente-vendedora a quantia de € 103.369,37, sendo a parte restante satisfeita mediante o fornecimento de materiais e mercadorias, ficando a mesma A. com a posse das frações imobiliárias, em que procedeu aos acabamentos necessários; .
Embora o 1.º R. tenha impugnado a lista de credores em …/01/2015, o referido crédito acabou por ser reconhecido e graduado como crédito comum no valor reclamado; .
Em …/02/2015, a administradora da insolvência dirigiu uma carta regista com A/R à A. a notificá-la da resolução do mencionado contrato-promessa em benefício da massa insolvente; .
Tendo essa notificação sido entregue ao 1.º R., este nunca instaurou ação de oposição à sobredita resolução do contrato-promessa, a qual teria todos as condições para proceder; .
Em consequência dessa omissão imputável ao 1.ª R. a título de negligência grave no cumprimento dos seus deveres profissionais, a A. deixou de receber qualquer quantia pelo produto das vendas realizadas na insolvência e a que teria direito por existir tradição da coisa prometida vender e o contrato gozar de eficácia real; .
Além do prejuízo resultante da não satisfação do crédito reclamado, a A. suportou prejuízos, incluindo a perda do valor despendido com obras nas frações prometidas vender no montante de € 125.140,18, perfazendo um total de € 411.671,51.
.
A responsabilidade civil profissional do 1.ª R. encontra-se coberta por contrato de seguro firmado entre a Ordem dos Advogados e a 2.ª R.. Concluiu a A. pedindo que os R.R. fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 411.671,51, cabendo à 2.ª R. a responsabilidade pelo pagamento da quantia de € 250,000,00 e, pela parte restante, ao 1.º R., acrescida de juros de mora de 4%, desde a citação, a título de indemnização por perda de chance com fundamento em que o 1.º R. exerceu o mandato forense que lhe foi conferido pela A. com negligência grave, omitindo atos processuais que poderia e deveria ter praticado.
2.
Apenas a 2.ª R. contestou a impugnar a matéria alegada pela A., sustentando que: .
Não se encontrarem preenchidos os pressupostos para o surgimento da obrigação de indemnizar, seja quanto à ilicitude, seja quanto à atuação negligente imputada ao 1.º R., além de não ser possível afirmar a probabilidade da procedência da ação que o 1.º R. deixou de propor em nome da A.; .
A celebração de contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, com cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade advocacia desenvolvida pelos advogados com inscrição em vigor, tem o limite indemnizatório máximo fixado em € 150.000,00, com franquia contratual, a cargo do segurado, de € 5.000,00 por sinistro.
Conclui pela improcedência da ação.
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Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 133-163, de …/11/2018, a fixar o dano por perda de chance em € 180.000,00, julgando-se a ação parcialmente procedente com a condenação da 2.ª R. a pagar à A. a quantia de € 150.000,00 e do 1.º R. a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00, acrescidas de juros de mora, à taxa legal desde a citação. 4.
Inconformada com essa decisão, a 2.ª R. recorreu para o Tribunal da Relação …, tendo sido proferido o acórdão de fls. 225-243, de …/06/2019, a julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo os R.R. dos pedidos.
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Desta feita, veio a A. interpor revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Dos factos dados por assentes ressalta a meridiana certeza de que o R. AA deixou de tratar com zelo, proficiência e dedicação o assunto que lhe tinha sido confiado, factos estes que se enquadram no instituto da perda chance, o qual não pode ser confundido com a responsabilidade civil.
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- Para haver perda de chance basta provar que alguém deixou de ter oportunidade de receber um benefício.
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- Apesar de a advocacia ser uma profissão de obrigações de meios e não de fins, o advogado tem o dever de estudar com cuidado e dedicação tratando com zelo todos os assuntos que lhe são incumbidos.
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- No caso concreto, ficou provado que o 1.º R. não foi capaz de cumprir com os seus deveres como mandatário; 5.ª - É necessário e suficiente provar, apenas, que o 1.º R., como advogado, não usou de todos os meios técnico-jurídicos para dar provimento aos interesses da A..
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- A perda de chance deve considerar-se como um dano atual, autónomo, consubstanciado numa frustração irremediável (dano), por ato ou omissão de terceiro de verificação de obtenção de uma vantagem; 7.ª - Há dano provocado pelo comportamento do 1.º R., porque este tem obrigação de indemnizar. Nos termos do art.º 563.º do CC, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
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- O mandato forense pode definir-se como o contrato celebrado entre um advogado e um interessado, o mandante, cliente ou constituinte, para que o represente, normalmente em juízo e que é o que ocorreu nos autos onde foram praticados pelo réu, AA, advogado, os atos que servem de fundamento a esta ação.
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- Nas relações entre o advogado referido e a aqui recorrente (sua ex-cliente), impunha-se o cumprimento de deveres qualificados, inerentes à sua profissão, em função das “leges artis”, o que, não aconteceu.
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- Em …/01/2015 ocorreu a assembleia de credores, onde se procedeu á eleição da comissão de credores, nela não tendo comparecido o Réu AA, facto de que não deu conhecimento à aqui A.; 11.ª - No âmbito desse mesmo processo, o 1.º R., na qualidade de mandatário da A., deduziu reclamação de créditos da mesma no montante de € 286.531,33, requerendo o seu reconhecimento como crédito privilegiado; 12.ª - O 1.º R., tendo conhecimento da resolução do negócio (contrato promessa), só tinha um caminho a tomar: deduzir oposição nos termos legais, não só porque estava em tempo, mas também porque tal tinha viabilidade.
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- O referido contrato-promessa não era um simples contrato obrigacional, porque tinha havido tradição da coisa, e o mesmo havia sido submetido a registo na respetiva Conservatória e tinha como efeito a publicidade do ato.
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- O contrato-promessa com eficácia real, nos termos do artigo 1.º do CRP “destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
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- O processo de revitalização não se confunde com o processo de insolvência.
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- A insolvência foi decretada em momento posterior ao processo de revitalização, pelo que o referido contrato-promessa foi celebrado, como do mesmo se vê, muito antes da sentença da insolvência.
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- Se o então mandatário da recorrente tivesse deduzido oposição à resolução teria todas as condições de vir a ter êxito.
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- Os factos assentes demonstram sobejamente a omissão do 1.º R. advogado na dedução da oposição à resolução do negócio – contrato-promessa com eficácia real e direito de retenção.
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- O 1.º R., ao não ter deduzido a oposição, impediu que o tribunal no futuro pudesse decidir o que quer que fosse, porque as consequências para as omissões referidas estão previstas na lei e são penalizadoras.
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- É nesse processo de oposição à resolução que importa verificar se a ação teria ou não êxito.
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- O que estava em causa avaliar na conduta do 1.º R., mandatário da A., era a de saber se, tendo tido conhecimento da resolução do contrato-promessa constante dos autos decidida pela administradora judicial, poderia ou deveria intentar a ação de oposição à referida resolução.
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- O 1.º R. não só poderia, por estar em tempo, como deveria, por existirem fundamentos para tal, ter intentado a referida ação.
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- E é na ação de oposição ao ato resolutivo que importa fazer “o julgamento dentro do julgamento”.
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- Por se tratar de um contrato-promessa com eficácia real e, portanto, registado, destinado a produzir efeitos perante terceiros, com tradição da coisa, existia elevada verosimilhança, que a ação de impugnação do ato resolutivo, a ser intentada, como o deveria ter sido, teria êxito.
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- O negócio resolvido ocorreu num tempo anterior quer ao processo especial de revitalização da sociedade P……, Ld.ª, mais de dois anos antes da instauração do mesmo, quer à sentença que decretou a insolvência da mesma, a qual foi exarada trinta cinco meses antes do negócio, ou seja, em … .12.2011.
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- O pressuposto temporal exigível para a resolução condicional estatuída no art.º 120.º/1, do CIRE não existe, pelo que a mesma se é desprovida de sustentação fáctico-jurídica.
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- O negócio jurídico objeto de resolução não configura um dos atos jurídicos taxativamente elencados no art.º 121.º/1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo que a resolução incondicional invocada pela AI é linearmente infundamentada.
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- Num juízo de prognose póstuma a resolução em benefício da massa insolvente efetuada pela AI em prejuízo da A. é manifestamente improcedente, com um grau de probabilidade manifestamente superior a 50%.
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