Acórdão nº 3627/17.8T8STR-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 3627/17.8T8STR-A.E1.S1 6ª SECÇÃO (CÍVEL) REVISTA EXCEPCIONAL REL. 154[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA, divorciada, residente na Rua ..............., n.º .., em ….., instaurou contra BB, divorciado, residente na Rua ............, n.º …, ................., …….., acção declarativa com processo comum, alegando, em resumo, que: - no âmbito do projeto de vida que teve em comum com o Réu, com quem foi casada, e até à dissolução do casamento por divórcio, participou na conclusão de uma moradia, propriedade do Réu, contraindo com este um empréstimo de € 60.000,00 para a realização de obras; - além disso, aplicou proventos do seu trabalho na compra de bens, equipamentos e materiais para a casa e usou empréstimos e doações de familiares na realização de obras, contribuindo com cerca de € 40.000,00 para obras de remodelação e para a aquisição de bens da casa que pertence ao Réu; - graças ao trabalho e despesas efetuadas pela Autora, o Réu viu aumentado o seu património em cerca de € 150.000,00, correspondendo metade deste valor a um empobrecimento da Autora.

Concluiu pedindo a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros.

O Réu contestou.

Excepcionou a nulidade de todo o processo (por ineptidão da petição inicial), e a prescrição do direito da Autora (por haverem decorrido mais de três anos entre o conhecimento pela Autora do direito à peticionada restituição e a data da propositura da acção); impugnou os factos alegados pela Autora; e formulou pedido reconvencional de condenação da Autora no pagamento de prestações de empréstimos por ambos contraídos e exclusivamente pagos pelo Réu após o divórcio.

Finalizou esse articulado pedindo a absolvição da instância ou, em qualquer caso, a improcedência da acção e, reconvindo, a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 184,08 e no que se vier a apurar em sede de liquidação, acrescido de juros.

Na resposta, a Autora defendeu a improcedência das excepções e do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional, julgou improcedente a excepção da nulidade de todo o processo e procedente a excepção da prescrição do direito da Autora, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido reconvencional, com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

A Autora recorreu desse despacho, na parte em que julgou procedente a excepção da prescrição, mas a Relação ….. julgou improcedente a apelação.

Continuando inconformada, apresentou a Autora revista excepcional para o STJ, que foi admitida por acórdão da Formação – cfr. fls. 242/243.

As alegações da revista da Autora finalizam assim: I. Para uma melhor aplicação do Direito é importante apurar quando se inicia a contagem do prazo de prescrição do direito da A. ao ressarcimento do seu prejuízo, correspondente ao enriquecimento do R., com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, quando o enriquecimento deste se verifica por um período de tempo muito superior ao da constância do casamento, contraído em …. de 2013 e dissolvido por divórcio em …… de 2014, porquanto a A. continuou a pagar metade das prestações de obrigações financeiras (in casu, o mútuo), até …… de 2015, contraídas antes do casamento, para as obras da casa pertença exclusiva do R.

  1. A resolução do pleito tem impacto na segurança jurídica devida ao cidadão, quando se dependem recursos financeiros avultados em benefício de outrem, em situação de união de facto, com quem posteriormente se contraiu casamento, dissolvido por divórcio, mas após o qual continuou a enriquecer o beneficiado, por compromissos assumidos muito antes do casamento, interesse que assume importância na estrutura e relacionamento sociais e patrimoniais.

  2. Face à matéria de facto seleccionada no acórdão, ora sob recurso, por período de tempo muito superior ao da constância do casamento, a A. enriqueceu o R. à custa do seu empobrecimento, por ter continuado a pagar metade das prestações de obrigações financeiras (in casu o mútuo) até Dezembro de 2015, contraídos antes do casamento, para as obras da casa de pertença exclusiva do R.

  3. Pugna-se agora pela realização da justiça decidindo-se que, no enriquecimento sem causa, o prazo de prescrição não se inicia enquanto não cessar o enriquecimento do beneficiado e, no caso em apreço, o enriquecimento do R. só cessou em Dezembro de 2015, um ano após o decretamento do divórcio.

  4. Só assim se torna o instituto do enriquecimento sem causa o garante último do ressarcimento dos prejuízos de um lesado, implicando o contrário o absoluto desvirtuar das disposições legais ínsitas na Secção IV, Título I do Livro II, do Código Civil.

  5. Na data de Dezembro de 2015, um ano após o decretamento do divórcio, deu a A. conta de que não tinha que continuar a enriquecer o património do R., pagando metade das prestações de um empréstimo constituído para obras na casa daquele, empobrecendo-se nessa exacta medida, pelo que se deverá determinar que a recorrente teve conhecimento, nessa data, de todos os pressupostos do direito à restituição dos prejuízos, assim como o beneficiado poderia contar, a partir dessa data, com o decurso do prazo de 3 anos de prescrição, previsto no art. 482º do Código Civil.

  6. O prazo de prescrição para o exercício do direito ao ressarcimento, com fundamento no enriquecimento sem causa, só se inicia quando o beneficiado deixou de enriquecer, empobrecendo nessa exacta medida a lesada, o que continuou a acontecer mesmo após a data da dissolução do casamento.

  7. O enriquecimento do R. iniciou-se em ....... de Novembro de 2011 e cessou em Dezembro de 2015, e desse enriquecimento adveio o empobrecimento da A., pelo que o facto de terem sido casados entre ….… de 2013 e .....…. de 2014 não tem a relevância atribuída pelas decisões cujos fundamentos aqui se põem em causa.

  8. O entendimento de que o facto relevante para o conhecimento da A. do seu direito ao ressarcimento é a data do divórcio, e não a data em que deixou de enriquecer o R. à custa do seu empobrecimento, não é aceitável.

  9. Este Colendo Tribunal Supremo deverá pugnar pelo entendimento que, enquanto ocorrer o enriquecimento do beneficiado, designadamente por via do pagamento de metade das prestações mensais de uma obrigação financeira contraída para incremento exclusivo do património do R., não começa a correr o prazo prescricional de 3 anos a que se refere o art. 482º do Código Civil.

  10. Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 482º do Código Civil não se inicia enquanto o empobrecido puder invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento.

  11. Do enriquecimento do R., balizado entre ….. de Novembro de 2011 e Dezembro de 2015, resulta o correspondente empobrecimento da A., porquanto aquele não teve que despender metade das prestações do empréstimo bancário até Dezembro de 2015, empréstimo esse de que só ele beneficiou, por ter feito obras na casa em que, afinal, sempre...

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