Acórdão nº 2214/16.2T8BCL.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

Notificada do Acórdão proferido, em 6.02.2020, pelo Tribunal da Relação de e com ele não se conformando, veio a expropriante Infraestruturas de Portugal, S.A.

, interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, als.

  1. e d) do CPC.

    1. Já no Supremo Tribunal de Justiça, verificando que a recorrente indicava mais do que um Acórdão fundamento, proferiu a presente relatora um despacho convidando a recorrente a escolher entre os acórdãos indicados aquele em relação ao qual pretendia que viesse a ser apreciada, para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, al.

      d), do CPC, a alegada oposição de julgados.

    2. Na sequência dos esclarecimentos prestados pela recorrente, proferiu a presente relatora, em 25.09.2020, uma decisão singular julgando o recurso inadmissível.

    3. Notificada desta decisão singular, vem a recorrente Infraestruturas de Portugal, S.A.

      , dela reclamar para a Conferência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 679.º, 652.º, n.º 3, 641.º, n.º 6, e 643.º do CPC.

    4. Os expropriados responderam, pugnando, por seu turno, pela manutenção da decisão singular ora impugnada.

      * A questão a decidir pelos Juízes nesta Conferência é, pois, a de saber se é ou não inadmissível o recurso de revista.

      * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.

      O DIREITO O despacho proferido pela presente relatora em 25.09.2020 tinha o seguinte teor: “Discutindo-se o valor de indemnização em processo expropriativo, o presente recurso de revista está sujeito à restrição prevista no artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações (CE), que dispõe: “[s]em prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”.

      Verifica-se, porém, que o presente recurso de revista é expressamente interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, als.

  2. e d) do CPC, ou seja, ao abrigo de fundamentos específicos de recorribilidade. Resta, por conseguinte, a possibilidade de se configurar um dos casos em que o recurso é sempre admissível (contradição de julgados ou ofensa de caso julgado).

    Se for este o caso, a revista será admitida, ainda que ao abrigo de fundamento específico, como revista normal ou por via normal, requalificando-se, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC[1], o presente recurso (recorde-se que ele vem qualificado como revista excepcional)[2].

    1. Delimitação das questões e sua correspondência com os acórdãos fundamento invocados para efeito da oposição de julgados Antes de proceder a esta análise, e porque isso é imprescindível para o efeito, cumpre esclarecer em definitivo quais são as questões aqui em causa.

      Do requerimento de recurso resultava um desdobramento das questões de mérito em três, apresentando-se um Acórdão fundamento para cada uma. Segundo a recorrente, as questões de mérito em causa no recurso seriam, numa formulação aproximada: (1) se a indemnização deve abranger os prejuízos que atingem prédios distintos do prédio expropriado (a propósito da qual o Tribunal recorrido havia, alegadamente, decidido em conflito com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2019, Proc. 150/15.9T8AMT.P2.S1); (2) se a indemnização deve abranger os prejuízos que não decorram directamente da divisão do prédio expropriado (a propósito da qual o Tribunal recorrido havia decidido, alegadamente, em conflito com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2017, Proc. 265/15.3T8AMT.P1); (3) se deve atender-se à despesa resultante da construção de vedação entre as partes sobrantes do prédio expropriado e a obra nova (a propósito da qual o Tribunal recorrido havia decidido, alegadamente, em conflito com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2017, Proc. 265/15.3T8AMT.P1).

      Admite-se a autonomia da última questão, atendendo a que ela respeita a uma categoria de danos distinta. Não se trata do dano pela depreciação ou desvalorização dos prédios mas do dano pelos encargos a suportar pelo lesado ou, para usar a classificação de Manuel Gomes da Silva, não é o “dano que consiste na perda ou deterioração dum bem existente no património do ofendido” mas os “gastos extraordinários que, em virtude da lesão do seu direito, o ofendido é forçado a fazer”[3].

      Em contrapartida, não se vê que possa equacionar-se a questão formulada em segundo lugar, relativa à (ir)ressarcibilidade de danos que não decorrem directamente da divisão do prédio expropriado. Na verdade, como o Tribunal recorrido esclareceu, a única questão apreciada e decidida por este Tribunal, sob a fórmula “[d]o valor fixado pela indemnização das áreas sobrantes” ou “o montante indemnizatório atribuído a título de desvalorização da área restante”, respeitava a danos directamente decorrentes da expropriação – danos que “são uma consequência directa – e não indirecta - da expropriação. É o próprio ato ablativo – a expropriação – que provoca, directa e necessariamente, a desvalorização da parte sobrante, bem como dos prédios confinantes que formavam uma unidade agrícola, antes da expropriação”[4].

      Resta, assim, uma única questão, que foi a que o Tribunal recorrido apreciou e decidiu: saber se são indemnizáveis os danos pela depreciação ou desvalorização de prédios distintos do prédio expropriado (qualificados por ele como partes sobrantes).

      Como, todavia, eram invocados, no requerimento de recurso, dois Acórdãos fundamento para a (esta) mesma questão, pôs-se à presente Relatora o problema do desrespeito pelo disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual a cada questão corresponde apenas um.

      Ora, ainda que os esclarecimentos que a recorrente fez em resposta ao convite da presente Relatora não sejam absolutamente esclarecedores [enuncia a questão, na al. a), como uma única, mas volta a insistir, no final, na tripla enumeração], é possível retirar que, em última análise, opta pela alegação da contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Decorre isto da seguinte passagem: “(…) não pareceu à recorrente que tivesse invocado mais do que um acórdão para a mesma questão (…). Mas, sendo outro o entendimento do Tribunal, tendo a recorrente de escolher um dos acórdãos, optaria, relativamente a esta parte decisória, pelo Acórdão Fundamento 1 (STJ), que decidiu que não são ressarcíveis, no processo de expropriação, os danos que atinjam prédios distintos do prédio expropriado (integrem ou não uma única unidade económica)”.

    2. Da alegada ofensa de caso julgado Passe-se, então, à averiguação dos fundamentos específicos da admissibilidade do recurso quanto a esta questão. Em obediência à prioridade estabelecida no artigo 608.º, n.º 1, do CPC, começa-se pela alegada ofensa do caso julgado [cfr. artigo 629.º, n.º 2, al.

  3. do CPC], pois esta, não obstante aparentemente invocada a título subsidiário, corresponde a uma excepção dilatória, que, a verificar-se, determinará a impossibilidade de o juiz conhecer do mérito da causa e a absolvição da instância [cfr. artigos 577.º, al.

    i), 576.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, al.

    e), do CPC].

    Alega a recorrente que“[s]e se entender (…) que a indemnização atribuível em processo de expropriação abrange também danos em prédios distintos do prédio expropriado, a decorrência lógica deste entendimento (que foi o da Relação) seria a ofensa de caso julgado por parte do acórdão recorrido, face ao trânsito em julgado da decisão arbitral, na parte em que não atribuiu qualquer indemnização pela depreciação de outros prédios, não tendo os expropriados dela interposto recurso” (cfr. conclusão 4.ª).

    Ver-se-á, porém, que esta alegação não pode proceder.

    Para compreender o alcance do caso julgado da decisão arbitral, deve ter-se presente que ele não apresenta particularidades em relação ao caso julgado da decisão judicial, ou seja, que alcança não só a decisão propriamente dita como os seus fundamentos necessários[5].

    Ora, é indiscutível que o valor da indemnização fixado, em concreto, pelo Tribunal Arbitral foi impugnado, tanto pelos expropriados como pela expropriante, para o Tribunal de 1.ª instância e para o Tribunal da Relação. É inevitável considerar-se que, por esta via, foram postos em causa os pressupostos lógicos da decisão arbitral, mesmo aqueles que porventura não tenham sido objecto de referência expressa nas alegações de recurso, não havendo qualquer possibilidade de estes terem adquirido, autonomamente, a tal força de caso julgado[6].

    Não procede, pois, a alegação de que a decisão arbitral produziu força de caso julgado quanto à suposta irressarcibilidade da depreciação de prédios distintos do expropriado.

    1. Da alegada oposição de julgados Inverificado o fundamento da ofensa de caso julgado, deve passar-se à verificação da alegada oposição de julgados com os Acórdãos fundamento seleccionados pela recorrente: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2019, Proc.

    150/15.9T8AMT.P2.S1 (denominado “Acórdão fundamento 1”), no que respeita à questão da (ir)ressarcibilidade do dano pela depreciação de prédios distintos do expropriado, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2017, Proc. 265/15.3T8AMT.P1, no que toca à questão da (ir)ressarcibilidade do dano pela construção da vedação (denominado “Acórdão fundamento 2”).

    Deve ter-se presente que tal oposição se verificará quando – e apenas quando – o Acórdão recorrido estiver em oposição frontal com outro proferido no domínio da mesma legislação que respeite à mesma questão de direito de carácter essencial[7].

  4. Quanto à questão da (ir)ressarcibilidade da depreciação de prédios distintos do prédio expropriado Esclarece a recorrente que a oposição de julgados reside, essencialmente, no facto de no Acórdão recorrido ter sido decidido “atribuir uma indemnização aos expropriados a título de depreciação de dois prédios distintos do prédio...

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