Acórdão nº 30060/15.3T8LSB.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | CATARINA SERRA |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.
Em 2.11.2015 AA, titular do n.º de identificação civil …, contribuinte fiscal n.° … intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, formulando os seguintes pedidos: “A Deve condenar-se o réu Estado a reconhecer que: 1. A decisão constante do acórdão da Relação de .... de 08/05/2013, referido nomeadamente nos artigos 7° e 15°, e o mesmo acórdão proferido no mesmo Processo 2718/09.3..., ..° juízo - ..ª secção, tribunal do trabalho de ..., violam os princípios da legalidade, igualdade e segurança jurídica, bem como o princípio da equivalência e o da efectividade.
2. Que a mesma decisão e acórdão são inconstitucionais e ilegais por violarem os princípios da legalidade, igualdade e segurança jurídica, bem como o princípio da equivalência e o da efectividade.
3. Que a decisão e o acórdão da Relação que não deram razão à autora são manifestamente inconstitucionais e ilegais e baseiam-se em pressupostos de facto grosseiramente errados.
4. Que a decisão e o acórdão da Relação violaram a Carta dos Direitos Fundamentais na União Europeia, nomeadamente os artigos 20, 21, 30, 31, 47, 52, 53 e 54.
5. Que devem ser desaplicadas no caso concreto as normas do artigo 13.°, n.° 1 e 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro.
6. Que as normas do artigo 13.°, n.° 1 e 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro são inconstitucionais na medida em que o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente e tem de haver erro grosseiro.
B 7. Deve declarar-se inconstitucionais as normas do artigo 13.°, n.° 1 e 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro quando interpretadas no sentido de que o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente e tem de haver erro grosseiro.
8. Deve revogar-se a decisão do acórdão da Relação de ...... de 08/05/2013, referido nomeadamente nos artigos 7° e 15°, e o mesmo acórdão proferido no mesmo Processo 2718/09.3..., ..° juízo-..ª secção, tribunal do trabalho de ... .
9. Deve condenar-se o Estado a pagar uma indemnização/compensação à autora não inferior a 40.000,00 € (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais… 10. … E a quantia que se fixar em liquidação de sentença a título de danos patrimoniais.
11. … E as despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos e honorários a advogado neste processo conforme alegado.
12. A todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado.
13. … E juros sobre as verbas anteriores à taxa legal de 4% ao ano desde a citação ou, subsidiariamente, desde a data da sentença.
14. Deve condenar-se ainda o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória correspondente à taxa de 5% ao ano sobre os valores atrás referidos e juros, desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art° 829°-A, n° 4, do Código Civil.
15. E em custas e demais de lei”.
2.
Por despacho proferido em 10.11.2015 (ref.ª 340858953, de 5.11.2015) foi a petição inicial liminarmente indeferida, pelo que, invocando o disposto no artigo 560.º do CPC, a autora apresentou nova petição inicial, na qual formulou os mesmos pedidos (ref.ª 21144392, de 19.11.2015).
Nesta última alega, em síntese, que: - Em 10.07.2009 instaurou uma ação no Tribunal do Trabalho de … contra a BB e outra, ação essa que correu termos com o n° 2718/09.3..., na qual pedia que fosse declarado o direito da autora à titularidade de uma relação laboral por tempo indeterminado com a ré BB, bem como o direito a ocupar o respectivo posto de trabalho, tal como vinha fazendo; - Em 30.07.2012 foi proferida sentença julgando improcedente a acção; - Em 8.05.2013, por acórdão proferido pelos Exmos. Desembargadores S..., F..... e M..., o Tribunal da Relação de … julgou o recurso improcedente; - A autora interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o STJ não admitiu; - No âmbito do processo 201/09.6... que correu no mesmo tribunal, juízo e secção, duas colegas de trabalho da autora instauram uma acção, contra a BB, em tudo idêntica àquela que a autora tinha intentado; - Julgada esta causa em 1.ª instância, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de …, - Em 10.09.2014 o Tribunal da Relação de …, deu provimento do recurso instaurado, por acórdão proferido pelos Exmos. Desembargadores M..., I... e J... - declarando-se ilícito o despedimento, condenando a BB a reintegrar as trabalhadoras, e reconhecendo assim a existência de uma relação laboral; - No mesmo acórdão a Exma. Desembargadora relatora consignou que “corrigia” a orientação que subescreveu no acórdão de 8.05.2013; - Deste acórdão foi interposto recurso para o STJ, que foi rejeitado com o fundamento de que o valor da causa não o admitia.
3.
Por despacho proferido em 30.11.2015 (ref.ª 341...92, de 26.11.2015, fls. 179-181) foi esta petição inicial liminarmente indeferida.
4.
Desta decisão recorreu a autora, pelo que, admitido o recurso, foi citado o réu para os termos da causa e do recurso, tendo o mesmo contestado, pugnando pela total improcedência da presente ação (ref.ª 17170 de 25.11.2016, fls. 224-235).
5.
Por Acórdão proferido em 26.04.2017 (ref.ª 11577688, fls. 255-259), o Tribunal da Relação de ... julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento da causa.
6.
Realizada audiência prévia, em 14.03.2018 foi proferida sentença (ref.ª 373333947, de 7.02.2018), julgando a ação improcedente, e absolvendo o réu de todos os pedidos.
7.
Inconformada, a autora recorreu de novo para o Tribunal da Relação de … e, por Acórdão proferido em 31.01.2019 (ref.ª 14034756, fls. 441-456), foi declarada “nula a sentença em e em consequência”, determinando-se que “seja proferida sentença que explicite com suficiência e clareza a matéria de facto, que venha a fundamentar a nova decisão”.
8.
Baixando os autos à primeira instância, foi, em 10.05.2019, proferida nova sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o réu de todos os pedidos (ref.ª 385617603, de 1.04.2019).
9.
Desta sentença recorreu novamente a autora para o Tribunal da Relação de … .
10.
Julgando o recurso, proferiu este Tribunal, em 17.12.2019, um Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se: “Pelo exposto, acordam os juízes nesta ..ª Secção Cível do Tribunal da Relação de .... em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente”.
11.
Ainda irresignada, interpõe agora a autora o presente recurso de revista.
Termina as suas alegações concluindo o seguinte: “1. Noutro processo que correu no mesmo tribunal, secção e juízo, duas colegas de trabalho da autora instauraram acção contra as mesmas entidades em 2009, processo 201/09.6..., ..º juízo-..ª secção, Tribunal de Trabalho de ... .
2. PORTANTO, no mesmo ano, tribunal e secção e ao abrigo da mesma legislação.
3. E COM IDÊNTICO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR e Matéria Provada.
4. Sendo os mesmos os mandatários de todas as autoras.
5. Não é demais repetir que face à sentença de primeira instância, as duas autoras interpuseram recurso e a mesma Relação deu a uma razão por acórdão de 10/09/2014, INVERTENDO A SUA JURISPRUDÊNCIA.
6. Na página 25 deste acórdão está escrito: "A ORA RELATORA CORRIGE, ASSIM, PELAS RAZÔES AGORA APONTADAS, A ORIENTAÇÂO QUE, COMO 2ª VOGAL, SUBSCREVEU no AC. DE 08/05/2013, NO PROCESSO nº 2718//09.3TTLSB. 1" (sic).
7. QUEM CORRIGE ACHA QUE COMETEU ERROS.
8. Ou seja, a mesma rigorosa questão teve duas soluções diferentes, prejudicando a autora.
9. Violando o princípio da legalidade e igualdade, que são princípios constitucionais.
10. Pelo que houve uma ILICITUDE.
11. E o erro assumido pela própria Relação tem de ter consequências jurídicas.
12. Assim, estão cumpridos todos os pressupostos para o direito à indemnização.
13. O Estado tem de assumir os seus erros e pagar as suas consequências.
14. Há Inconstitucionalidade do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (adiante referido como “RCEEP”), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
15. O artigo 22º da Constituição não permite nem contém as interpretações restritivas que o legislador e a jurisprudência portuguesas impõem aos cidadãos na defesa dos seus direitos. Não diz que o erro tem de ser grosseiro, notório, etc.
16. As normas contidas no nº 1 e 2 do artº 13º da Lei nº 67/2007 de 31/12 são inconstitucionais, por violarem os artºs 2º, 3º, 5º, 13º, 16º, 18º nºs 1, 2 e 3, 20º nºs 1 e 5, e 22 da CRP e normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem atrás referidas.
17. Igualmente por violarem os princípios da lealdade comunitária e do primado; artºs 4º nº 3 e 6º nº 2 do TUE – Lisboa; bem como o parágrafo 1º do nº 4 do artº 5º do TUE e 59º nº 1 al. a) da CRP por estarem em causa a violação dos artºs 15º, 20º e 31º da CDFUE; e o Protocolo nº 2 anexo ao TUE juntamente com os princípios da equivalência e da efetividade (cfr. artº 4º nº 3 e 19º nº 1 parágrafo 2º do TUE e artº 267º do TFUE); bem como a jurisprudência comunitária/europeia mencionada no texto.
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