Acórdão nº 1977/14.4TJCBR-J.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

MASSA INSOLVENTE AA, veio propor a presente acção, sob a forma de processo comum. contra BB, CC, e DD.

Pediu que: - Sejam as Rés condenadas a reconhecer que quando a 1ª Ré outorgou a escritura de compra e venda, a 31.12.2015, não tinha poderes e legitimidade para o fazer quanto ao respectivo prédio por este ser um bem alheio ao seu património; - Seja declarada nula e de nenhum efeito essa escritura de compra e venda, que teve como objecto o prédio urbano descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de …….. sob o número ……….., da freguesia de ……. e inscrito na matriz sob o artigo …….; - Seja declarada nulo e de nenhum efeito o contrato de locação financeira outorgado no dia 31.12.2015, entre a segunda e terceira Rés que teve como objecto o referido prédio urbano; - Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base nos documentos aqui impugnados; - Sejam as Rés condenadas a reconhecer que o referido prédio urbano composto de armazém destinado a actividade industrial, denominado lote …., é propriedade da insolvente AA.

Como fundamento, alegou que a Administradora da Insolvência tomou conhecimento de que a insolvente era proprietária de dois imóveis por si adquiridos em 12.02.2005; e que, em 12.04.2013, os então sócios-gerentes da sociedade insolvente, agindo em representação da mesma, venderam à sociedade BB, os referidos prédios, livres de ónus ou encargos, transmissão que foi registada em 28.03.2013; no entanto, esta venda foi resolvida pela Administradora da Insolvência, resolução notificada àquela sociedade BB em 21.08.2015; Não obstante, por escritura pública realizada no dia 31.12.2015, isto é, sete dias após a entrada em juízo da acção de impugnação da resolução, a primeira Ré vendeu à terceira o prédio urbano descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de ……… sob o número …………., da freguesia de ………, inscrito na matriz sob o artigo ……., aquisição registada naquela Conservatória em 2016/01/19; e, nesse mesmo dia, a terceira Ré deu o imóvel supra identificado em locação financeira à segunda Ré, locação que foi registada em 2016/01/19; estes negócios jurídicos são nulos, dado que não só quando a primeira Ré vendeu o imóvel à terceira Ré não era já a sua dona e legitima proprietária, como, da mesma forma, esta também não o era quando deu o imóvel em locação financeira.

Citadas, contestaram as 2ª e 3ª Rés, CC e DD. A 1ª Ré também contestou, mas veio a confessar o pedido, confissão que foi julgada válida apenas quanto a custas.

A Ré CC, veio alegar que nunca teve negócios com a insolvente AA, nem conheceu a actividade da empresa ou soube da iminência de insolvência e do decretamento da mesma; para além disso, não havendo pessoa especialmente relacionada com o insolvente nem que do acto haja tirado proveito.

Concluiu pela improcedência da acção e, em sede de reconvenção, pediu que a Autora fosse condenada a reconhecer que os valores despendidos pela 2ª Ré no imóvel, correspondentes a imobilizado, obras, rendas e leasing, são créditos privilegiados, garantidos pelo produto da venda do imóvel.

O DD defendeu-se dizendo que não foi alegada a sua má-fé como transmissário, como era mister; acrescendo que não há nulidade nos negócios uma vez que a sua validade foi conferida pela Sr. ª Notária aquando da venda realizada pela 1ª Ré, o que resultava da regularidade do registo em nome da vendedora; sendo certo que o contestante ignorava a existência de uma comunicação resolutiva, entretanto alvo de impugnação.

Concluiu pela improcedência da acção.

A final, a acção foi julgada improcedente e, em consequência, as Rés absolvidas do pedido, declarando-se inútil a reconvenção.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que a Relação julgou procedente, nestes termos: Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, julgando a acção totalmente procedente por provada, condenam as Rés a reconhecer que o prédio urbano composto de armazém destinado a atividade industrial denominado lote …, sito na Rua …….., n.º ….., …., descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de ………. sob o número …………., da freguesia de ………, inscrito na matriz sob o artigo ……. é propriedade da insolvente AA; a ver declarada a ineficácia perante a A. da compra-e-venda celebrada entre a primeira e terceira Rés por escritura de 31.12.2015, tendo por objecto o prédio urbano descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de …….. sob o número ……………, da freguesia de …….. e inscrito na matriz sob o artigo ……..; e, bem assim, do contrato de locação financeira outorgado no dia 31.12.2015, entre a segunda e terceira Rés, tendo como objecto o mesmo prédio urbano, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de ……… sob o número ……………., da freguesia de …….. e inscrito na matriz sob o artigo …..; mais determinam o imediato cancelamento de quaisquer registos operados a favor das Rés com base nas aludidas escritura e contrato.

Discordando desta decisão, as rés vêm pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões: Do DD: 1. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do previsto pelo artigo 615.º, n.º 1, als. c) a e), ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC.

  1. Contém, na fundamentação, trechos que serão fruto de lapso de escrita ou outro erro manifesto e que tornam a decisão final injustificada e ininteligível: "Diversamente, em caso de insolvência do devedor, e nos termos do art.º 124 do CIRE, o terceiro só é protegido se se provar a sua má fé." “Nesta conformidade, o terceiro que recebe direitos após o acto resolutivo, esteja de boa ou má fé, não goza da oponibilidade a que alude o nº 1 do art.º 124 do CIRE.” - destaque no original.

  2. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, nomeadamente as normas invocadas pela recorrente Massa insolvente, como tendo sido violadas pela sentença recorrida – artigos 124.º e 125.º do CIRE e 892.º e 286.º do CC.

  3. Tendo em conta o pedido formulado, no recurso, pela recorrente Massa insolvente, o acórdão recorrido condenou em objecto diverso do pedido. Sem prescindir, 5. O acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do preceituado pelo artigo 124.º do CIRE, porquanto, para que a oponibilidade da resolução seja oponível a transmissários posteriores (quaisquer que eles sejam), é necessário alegar e demonstrar a má-fé destes, o que não ocorre neste processo.

  4. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, als. c) d) e e), ex vi artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC e o artigo 124.º do CIRE.

    Termos em que, sem prejuízo do suprimento das nulidades invocadas (artigo 684.º do CPC), deve, a final, o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, revogado o acórdão recorrido e repristinada a decisão proferida em 1ª instância ou proferida decisão equivalente.

    Da ré "CC": IV. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do previsto pelo artigo 615.º, n.º 1, als. c) a e), ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC.

    1. Nem sequer se pronuncia quanto à aplicabilidade no caso concreto das normas do Código Civil invocadas pela Recorrida. para além de não o fazer, invoca erradamente uma fundamentação diversa da apresentada pela Recorrida.

    2. As regras da nulidade e da resolução quanto aos terceiros de boa fé constantes do Código Civil podiam ser aplicáveis no presente caso, como constavam dos pedidos formulados pela A. Massa Insolvente na PI. Não se pode é criar aqui duas aplicações da lei, conforme seja mais favorável aos intentos da Massa Insolvente.

    3. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, nomeadamente as normas invocadas pela ora Recorrida como tendo sido violadas pela sentença – artigos 124.º e 125.º do CIRE e 892.º e 286.º do CC.

    4. Ficou provada, sem margem para dúvidas, a inexistência de má fé quanto à ora Recorrente, tanto mais que a própria Recorrida nunca nada logrou provar quanto a esse instituto.

    5. A inexistência de má-fé da ora Recorrente, transmissária posterior, em relação ao acto objecto de resolução a favor da massa insolvente faria sempre cair o direito que a Recorrida se arroga, pois a procedência da resolução do acto a favor da massa seria inoponível à mesma.

    6. Se tivesse sido feito o registo, junto da respectiva Conservatória do Registo Predial da declaração de insolvência e da resolução em benefício da massa toda esta situação cairia por terra, pois depois de lavrados tais registos (com a inerente publicidade) e até à decisão final da impugnação da resolução em benefício da massa, ficavam acautelados, por um lado, os interesses da massa insolvente e, por outro lado, eram alertados os terceiros (de boa-fé, como a Recorrente) do estado jurídico actual do imóvel.

    7. É aplicável o art. 124º do CIRE ao caso sub judice, não cabendo aqui a previsão dos art. 291º e 892º do C.C.

    8. Entende assim a Recorrente, como a Douta sentença confirma, que “esta resolução opera apenas nas relações entre a Recorrente e a 1ª Ré, que dele adquiriu, não sendo confundível com a eventual oponibilidade da mesma a terceiros transmissários, ou seja, o negócio posterior que seria ineficaz em relação à massa insolvente, contudo, em face da não prova da má fé dos 2º e 3º réus, é tal resolução inoponível aos mesmos, nos termos do já citado artº 124º, do CIRE, regime específico no âmbito da insolvência e em especial no regime da resolução em beneficio da massa insolvente, sem prejuízo da responsabilidade inerente ao acto praticado pela 1ª ré.” XIII. Ou seja, erradamente considerou o Douto Acordão, para espanto da Recorrente, que “o terceiro que recebe direitos após o acto resolutivo, esteja de boa ou má fé, não goza da oponibilidade a que alude o nº 1 do art. 124º do CIRE.” Não se compreende esta remissão para o após ou antes, já que a oponibilidade refere-se aos transmissários posteriores e não ao terceiro! XIV. Fez, assim, o acórdão recorrido uma errada interpretação e aplicação do estatuído pelo art. 124º do...

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