Acórdão nº 214/17.4T8MNC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, BB e CC instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD, EE e FF, alegando, em síntese, o seguinte: que são donos e legítimos possuidores de uma quota indivisa de ¾ do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial n.º 111 (actual artigo n.º 2354), pertencendo a quota indivisa de ¼ aos herdeiros de GG e HH; que estes herdeiros venderam ao 1.º R. um prédio urbano com o artigo matricial n.º 400 (actual artigo n.º 2830), o qual era contíguo ao prédio dos AA.; que, nos primeiros meses do ano 2012, o prédio com o artigo matricial n.º 2830 foi totalmente demolido; que é público no Lugar da … que os herdeiros de GG receberam o preço de trinta mil euros, não só pela venda do prédio com o artigo n.º 400 (actual n.º 2830), mas também pela venda verbal da quota de ¼ do prédio com o artigo matricial n.º 111 (actual n.º 2354); que, no dia 29 de Maio de 2014, os AA. verificaram que o R. FF, por si e por ordem dos RR. EE e DD, ofendeu a propriedade dos AA., ao iniciar o desmoronamento, com a remoção quase integral, da telha e estrutura de suporte da cobertura de madeira do prédio com o artigo matricial n.º 111 (actual n.º 2354).

Alegaram ainda que, no dia 2 de Janeiro de 2015, ocorreu nova ofensa ao direito de propriedade dos AA. por parte dos RR., porquanto a estrutura da cobertura que restava foi integralmente demolida, a parede exterior da alçada poente do imóvel foi quase integralmente eliminada e a parede exterior da alçada norte, na sua parte superior, foi parcialmente demolida.

Concluíram, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade dos AA. e a absterem-se de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos do prédio urbano descrito na petição inicial, bem como a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos AA. em virtude da conduta dos mesmos RR..

Os RR. contestaram, invocando as excepções de falta de interesse em agir, de ilegitimidade passiva, de caso julgado, de autoridade de caso julgado, de abuso de direito e de litispendência; peticionando a suspensão da causa por causa prejudicial; e formulando pedido reconvencional, mediante o qual pretendem que o tribunal declare que a quota de ¼ do prédio urbano com o artigo matricial n.º 2354 (que se encontra autonomizado em relação aos restantes ¾, não existindo entre ambos comunicação física, e antes se encontrando as duas partes do mesmo prédio totalmente separadas fisicamente uma em relação à outra, conforme decisão proferida na acção declarativa sob a forma de processo sumário, na qual GG e mulher, HH, demandaram II e mulher, JJ, e que correu termos no tribunal Judicial da Comarca de … sob o n.º 60/1985) assim como o prédio actualmente com o artigo matricial n.º 2830, têm sido usados pelo R. DD e antepossuidores como se de um único prédio se tratasse; que se declare que o R. DD adquiriu aos herdeiros de GG um prédio composto pelo artigo matricial n.º 2830 e por ¼ do artigo matricial n.º 2354, quer por usucapião, quer por compra; que o tribunal ordene a rectificação das descrições prediais dos imóveis supra identificados e condene os AA. a absterem-se de comportamentos perturbadores da posse do R. DD sobre o imóvel com o artigo matricial n.º 2830 e com a composição acima descrita.

Os RR. arguiram ainda a litigância de má-fé por parte dos AA. e peticionaram que os mesmos fossem condenados em multa e no pagamento de uma indemnização no valor dos honorários do seu mandatário, bem como numa indemnização por danos morais, em valor a fixar pelo tribunal, dando-se ainda conhecimento à Ordem dos Advogados para os efeitos previstos no art. 545.º do Código de Processo Civil.

Os AA. apresentaram réplica, na qual impugnaram os factos vertidos na reconvenção e, relativamente à litigância de má fé, alegaram que quem litiga de má fé são os RR., sobretudo o R. DD, que, através da estratégia processual montada, visou afastar os AA. do exercício do seu direito legal de preempção, conforme prevê o art. 1410.º do Código Civil.

Peticionaram que o tribunal condene os RR. em multa e pagamento de indemnização aos AA., no valor de € 3.000,00, por litigância de má fé.

Por despacho datado de 24/09/2017, o tribunal efectuou convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, de molde a que os AA. especificassem e concretizassem os danos invocados.

Os AA. acederam ao convite e juntaram aos autos o articulado com a referência 269…99.

O tribunal proferiu despacho saneador datado de 11/02/2018 e, após ter dado o exercício do contraditório aos AA. para se pronunciarem acerca das excepções invocadas na contestação, indeferiu as excepções de falta de interesse em agir, de ilegitimidade passiva, de caso julgado e autoridade do caso julgado, e de litispendência.

Para além do supra exposto, o tribunal absolveu os reconvindos da instância reconvencional, por verificação da excepção de litispendência entre tal instância e os autos com o n.º 513/15.0…, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Cível (J4) e determinou a suspensão da instância por causa prejudicial.

Posteriormente, tendo sido junta aos autos certidão da decisão proferida no processo n.º 513/15.0…, realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho no qual se fixou o objecto do processo e os temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Por sentença de 24/02/2019 foi proferida a seguinte decisão: “[J]ulgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno os réus DD e FF a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários de uma quota de ¾ sobre o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar da …, na freguesia de … deste concelho de …, tendo a área de 500 m2 e confrontando do norte com II e KK, de sul com estrada nacional, de nascente com caminho público e de poente com GG, com o artigo 2354 (antigo artigo 111) da matriz predial urbana da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 628; b) Condeno os réus DD e FF a absterem-se, doravante, de impedir ou obstaculizar o uso e fruição plenos, pelos autores, do prédio urbano descrito em a); c) Condeno os réus DD e FF a ressarcir os autores no pagamento do valor das obras necessárias à reparação dos danos descritos nos factos provados sob os pontos 20), 21) e 27), relegando para incidente de liquidação se sentença, o apuramento do valor; d) Condeno o réu DD no pagamento de uma indemnização aos autores no valor de mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora contabilizados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento; e) Condeno o réu DD como litigante de má fé, na multa de 5 UC (cfr. art. 542º do CPC); f) Absolvo o réu EE de todos os pedidos; g) Absolvo os réus DD e FF das restantes quantias peticionadas; h) Absolvo o réu FF do pedido de condenação por litigância de má-fé; i) Absolvo os autores do pedido de condenação por litigância de má-fé.

* Custas da acção pelos autores e pelos réus, DD e FF, na proporção do respectivo decaimento – conforme o disposto no artigo 527º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.

Custas da reconvenção pelos réus.

Determino o cumprimento do nº 3 do art. 543º do CPC, com vista à fixação da indemnização a favor dos autores.” Inconformados, os RR. DD e FF interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 05/12/2019 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal: I - em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença quanto à condenação do Réu DD como litigante de má fé e no mais confirmando-se a decisão recorrida, apenas devendo sofrer alteração na formulação da al. C) do dispositivo da sentença, na qual deverá passar a constar o seguinte: - c) Condeno os réus DD e FF a ressarcir os autores no pagamento do valor das obras necessárias à reparação dos danos descritos nos factos provados sob os pontos 20), 21) e 27), na proporção da quota dos AA, relegando para incidente de liquidação se sentença, o apuramento do valor; II - Custas da apelação pelos apelantes e apelados na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.” 2.

Vieram os RR. DD e FF interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 3 (a contrario) e 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, suscitando as seguintes questões: - Ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário; - Ofensa do caso julgado ou autoridade de caso julgado; - Alteração da decisão de direito a respeito: o Da falta de alegação e de localização da coisa (e do direito); o Da efectiva localização e áreas dos prédios com os artigos matriciais (antigos) n.º 111 e n.º 400; o Do significado de unidade predial; o Da usucapião.

Pedem a revogação do acórdão recorrido e a absolvição dos RR. ora Recorrentes dos pedidos.

Não houve contra-alegações.

Por despacho do relator do Tribunal da Relação, datado de 09/03/2020, o recurso foi admitido.

Os autos foram apresentados no Supremo Tribunal de Justiça em 22/06/2020.

  1. Cumprindo apreciar previamente da questão da admissibilidade da revista, antecipa-se que o recurso apenas é admissível no que respeita à invocada ofensa do caso julgado ou autoridade do caso julgado, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), parte final, do Código de Processo Civil.

    Quanto ao mais, verifica-se o obstáculo da dupla conforme previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC, como se passa a explicar.

    Dispõe este preceito legal: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a...

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