Acórdão nº 2117/18.6T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA intentou ação declarativa com processo comum contra EUGÉNIO de SOUSA – ARQUITETO, Ldª, pedindo que declare resolvido contrato-promessa de compra e venda que celebrou com a R., por incumprimento definitivo imputável à R. e se reconheça à A. o direito a fazer seu o sinal pago pela R.

A R. contestou alegando a inexistência de fundamento para a resolução contratual, tendo em conta que o cumprimento do contrato estava dependente do deferimento do pedido de informação prévia (PIP), cujo deferimento tácito se aguarda, negando o incumprimento definitivo culposo da sua parte. Se assim se não entender, pede, subsidiariamente e em reconvenção, a condenação do A. a devolver o sinal em dobro, por incumprimento contratual ou por enriquecimento se causa.

A A. replicou e alegou a inexistência de qualquer incumprimento da sua parte.

A A. requereu a ampliação da causa de pedir, de modo que a resolução pudesse ser judicialmente declarada com fundamento na verificação da condição resolutiva contratualmente acordada, mas tal pretensão foi rejeitada, por se considerar processualmente inadmissível, nos termos do nº 1 do art. 265º do CPC.

Foi proferida sentença, na qual, depois de se constatar que não foi oportunamente invocada pela A. a verificação da condição resolutiva, concluiu que se verificava o incumprimento definitivo imputável à R., julgando a ação procedente e improcedente o pedido reconvencional.

A Ré interpôs recurso de apelação, sendo proferido acórdão pela Relação que, embora tenha considerado eficazes as notificações postais da R. tendentes à sua constituição em mora contratual, considerou que não incorrera em incumprimento definitivo, por falta de execução de uma interpelação admonitória, revogando a sentença e julgando improcedente a ação e prejudicada a apreciação da reconvenção.

O A. interpôs recurso de revista, concluindo no essencial que: A Relação veio a julgar e bem, eficazes as notificações enviadas pela A. à R., na medida em que tais notificações foram efetuadas para a morada da R. que consta do contrato promessa, a qual nunca comunicou qualquer alteração de morada, sendo nessa morada que ainda permanece nos dias de hoje, tendo aí a sua sede.

As cartas remetidas pelo A., datadas de 9-8-17 e 30-10-17, foram enviadas para o domicílio contratualmente fixado pelas partes, tratando-se de cartas registadas com aviso de receção e vieram devolvidas por não terem sido reclamadas.

A A. discorda da conclusão quanto à eficácia da notificação avulsa, porquanto entende que terá que ser seguida a mesma linha de raciocínio defendida para a eficácia conferidas às cartas referidas, já que foi igualmente tentada no domicílio contratualmente fixado pelas partes, e que corresponde à sede da R., sendo que o local encontrava-se aberto, não tendo a A. culpa, se a R. continua a manter em tal morada a sua sede, mesmo que raramente se encontre nesse local.

A A. enviou uma primeira carta, à R., a 9-8-17, carta registada com aviso de receção, que veio devolvida com a indicação de não reclamada, na medida em que esta não procedeu ao seu levantamento em estação dos CTT e a R. só não procedeu ao levantamento da referida carta por sua exclusiva culpa.

Nova carta registada com aviso de receção foi enviada à R., em 30-10-17, uma vez mais, para o domicílio convencionado, notificando-a para a escritura pública de compra e venda a ter lugar no dia 23-11-17, pelas 15 h no Cartório Notarial do Dr. AA, mas a R. uma vez mais, não procedeu à receção da referida carta, na medida em que não a foi levantar aos correios e não compareceu no dia agendado, por culpa sua, pois se tivesse agido diligentemente e levantado a missiva em questão teria conhecimento do dia, hora e local em que a mesma tinha sido agendada.

Sabendo a R. que havia celebrado com o Banco recorrente um contrato-promessa cujo prazo para a celebração da escritura já se havia atingido, ao tomar conhecimento que o Banco recorrente, por mais do que uma vez, lhe estava a endereçar cartas registadas com aviso de receção, deveria ter encetado contactos para apurar o teor das referidas cartas e não o fez, incorrendo em mora.

A mora constitui-se não apenas quando o devedor é judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, mas também se impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido – art. 805º, nº 2, al. c), do CC.

Foi convencionado que a escritura pública havia de ser marcada e comunicada pelo Banco recorrente à R., com a antecedência mínima de 8 dias, o que o Banco cumpriu com o envio da carta com a notificação para a escritura pública em 30-10-17, agendado para 23-11-17, respeitando os 8 dias de antecedência convencionados.

Perante a falta da R., o A. tentou ainda a notificação avulsa que deu entrada em tribunal em 22-2-20, admoestando-a para comparecer numa nova data, 15-3-18, sob pena de se considerar o contrato resolvido, constituindo a interpelação admonitória.

Apesar da não receção das declarações emitidas pelo Banco, solicitando a documentação para apurar se se encontrava verificada a cláus. 5ª do contrato-promessa e agendando sucessivamente datas para a escritura, nem por isso deixaram de ser eficazes, uma vez que a razão para a sua não receção só pode ser imputada a culpa da R, atento o art. 224º, nº 2, do CC.

O mesmo comportamento que o acórdão recorrido considera culposo por parte da R. para a não receção das cartas datadas de 9-8-17 e 30-10-17 foi o mesmo que a R. teve perante a notificação judicial avulsa que lhe foi dirigida.

O Banco A. diligenciou pela notificação da R., o que se veio sempre a frustrar, por culpa desta, e todas as comunicações foram remetidas para a morada convencionada.

Foi aceite que a notificação avulsa nunca poderia ser concretizada em Angola ou Cabo Verde, local onde se encontravam os legais representantes da R., discordando-se do defendido no acórdão recorrido de que a notificação avulsa tinha que ter sido concretizada à R. para se considerar eficaz.

Os legais representantes da R. não foram encontrados no local, tendo sido transmitido ao agente de execução que os mesmos se encontravam ausentes em Africa.

Quando alguém se ausenta do seu domicílio profissional ou da sede social tem obrigação de providenciar para que a correspondência seja reexpedida para outro local ou de providenciar para que alguém proceda à recolha e tratamento da correspondência. Se, em caso de ausência, não toma estas cautelas, age com culpa pois não agiu com a diligência devida, em face das circunstâncias do caso, por forma a acautelar atos expectáveis.

A R. devia ter providenciado por comunicar ao Banco recorrente que na morada contratualmente convencionada não seria possível notificá-la, pois sabia que o prazo para o agendamento da escritura já há muito se encontrava ultrapassado, e que o Banco teria que a notificar.

Apenas por culpa da R. a notificação avulsa não lhe foi entregue/concretizada, devendo esta tornar-se eficaz, considerando-se realizada a interpelação admonitória.

A R.

contra-alegou referindo, no essencial, que: A A. alegadamente enviou comunicações destinadas à R. por carta de 9-8-17, carta de 30-10-17 e notificação judicial avulsa, não tendo nenhuma delas sido rececionada pela R., uma vez que, as cartas vieram devolvidas por não terem sido reclamadas e a notificação não se realizou por não se encontrar ninguém no local.

A notificação judicial avulsa não foi realizada por o agente de execução não ter encontrado a notificanda, tendo obtido a informação de que a morada indicada serve de domicílio profissional a vários arquitetos e desenhadores, e ainda, obteve a informação através de um estagiário de arquiteto, que não pertence à notificanda, de que não vê os sócios da notificanda há várias semanas e que ouviu dizer que os mesmos estão ausentes em África, não podendo concretizar se em Angola ou em Cabo Verde.

A notificação avulsa tem como objetivo a transmissão de uma determinada mensagem ao seu destinatário e, embora se assuma como um ato judicial, não se inscreve em qualquer processo judicial pendente.

A opção por este meio de comunicação tem particular relevância nos casos em que se pretende extrair consequências jurídicas da reação (ou da ausência desta) do notificando, como será o caso em que se pretende ver definido o momento a partir do qual se poderá exercer determinado direito.

A notificação avulsa é um ato-fim e independente, já que toda a atividade judicial é exercida com vista à notificação, diferenciando-se das notificações relativas a processos pendentes, sendo estas atos/meios e dependentes, na medida em que servem de instrumento ou de meio num processo em curso.

A notificação avulsa está sujeita a um determinado formalismo, patente nos arts. 256° e 257° do CPC, dos quais resulta a necessidade de um requerimento, sobre o qual recairá um despacho que determina a notificação pretendida (cf. art. 256°, n° 1, do CPC).

Tal quer ignificar que é feita pelo agente de execução ou por funcionário de justiça, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem, preceituando o n° 2 do predito artigo que se lavre certidão do ato, que é assinada pelo notificado.

Os n°s 1 e 2 do art. 256° não se limitam a remeter para as regras da citação, estabelecendo, pelo contrário, um regime exclusivo da notificação judicial avulsa, o que implica não poder esta ser substituída pela citação postal (art. 228°), pela citação em domicílio convencionado (art. 229°) ou pela citação com hora certa (art. 232°).

A notificação avulsa é feita na própria pessoa do notificando, sendo requisito essencial para a sua perfeição que seja efetuada na pessoa do seu destinatário, o que não foi o caso dos presentes autos.

Se no momento em que ocorre a deslocação com vista à realização da notificação ninguém aí se encontra, não é deixado qualquer aviso que permita ao destinatário saber que se tentou...

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