Acórdão nº 61/16.0YRLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

LORIS AZZARO B.V., CLARINS FRAGRANCE GROUP S.A.S. e THIERRY MUGLER S.A.S., instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra, CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA., ATLANTIFRAGRÂNCIA, LDA., L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA., SCHLIEF, LDA. e AA, pedindo a condenação destas a: a) (…) a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “EQUIVALENZA” explorados pelas Rés e identificados nos artigos 13º a 21º da presente p.i., em publicidade e em quaisquer produtos, designadamente em frascos e respetivas embalagens, materiais e documentos, designadamente em “moyetes”; b) (…) a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, na Internet e nas redes sociais; c) (…) a entregar às Autoras todos e quaisquer elementos, designadamente, publicidade, folhetos, cartazes, embalagens, assim como quaisquer materiais, produtos ou documentos que reproduzam as marcas das Autoras, designadamente, listas comparativas através das quais vendem os seus perfumes ou outros produtos congéneres por comparação com as marcas registadas das Autoras; d) (…) a pagar uma indemnização no valor global de €13.094,46, repartido nos seguintes termos pelas Autoras: €4.295,84 à LORIS AZZARO B.V.; €4.399,31 à CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S.; €4.399,31 à THIERRY MUGLER, S.A.S..

  1. Uma vez transitada em julgado a decisão final condenatória que vier a ser proferida, deve a mesma ser publicitada a expensas das Rés em Jornal Diário de ampla divulgação nacional, nos termos e para os efeitos do artigo 338º-O do CPI.

    Articularam, com utilidade que no decurso do ano de 2014 foi apurado que as ora Rés vendiam nas suas lojas “EQUIVALENZA” perfumes por referência comparativa às marcas registadas de que são titulares as ora Autoras, designadamente através da utilização de listas comparativas, disponibilizadas ao público ou para mera consulta dos funcionários das lojas, disponíveis nos balcões das lojas ou em terminais de computador.

    O método comercial adotado pelas Rés assentava, assim, na venda e promoção dos seus produtos, exclusivamente através da sua associação a marcas registadas, entre as quais as marcas registadas das Autoras, visando assim um aproveitamento ilícito da imagem de que estas disfrutam no mercado, designadamente por intermédio das suas marcas registadas, resultando assim na violação do exclusivo que os respetivos registos garantem.

    As marcas das Autoras são marcas de prestígio, possuindo amplo reconhecimento nacional e internacional.

    O negócio conduzido pelas Rés ofende ainda as regras que regem a publicidade comparativa e a proibição da concorrência desleal.

    1. Regularmente citadas, contestaram as Rés, impugnando parcialmente os factos articulados pelas Autoras, concluindo pela improcedência total da ação.

    2. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Face ao exposto, julgando a ação totalmente improcedente, decide-se: a) absolver as rés CECÍLIA CASTRO COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA., L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA., SCHLIEF, LDA. e AA de todos os pedidos formulados nos autos pelas autoras LORIS AZZARO B.V., CLARINS FRAGRANCE GROUP e THIERRYMUGLERS.A.S.; b) condenar as autoras no pagamento das custas.”.

    3. Inconformadas com o decidido, as Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras interpuseram apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo enunciou: “Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente provada e procedente, condenando as Rés a não utilizarem quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “Equivalenza” explorados pelas Rés. Absolvendo-se as RR do mais peticionado. Custas por AA e RR na proporção de 1/3 e 2/3.” 5.

    É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de …, que as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras se insurgem, formulando as seguintes conclusões: “A. O acórdão revidendo é nulo e inconstitucional, por falta de fundamentação, atentando quer contra o disposto no artigo 154º e na alínea b), do n.º 1, do artº 615º, ambos do CPC , e contra o artigo 205º, n.º 1, da CRP - dever constitucional e legal que tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma, B. O que acórdão não faz, designadamente porque não explicita as provas documentais e passagens das testemunhas que afastam a convicção do Mmo. Juiz da 1ª instância, obnubilando e violando também em absoluto o Princípio da Imediação, Oralidade e Livre Apreciação da Prova.

    C. Violou, igualmente, o TR… com o acórdão revidendo, o disposto nos artigos 154º, 662º do CPC e n.ºs 2 e 7º do art.º 663º, também do CPC, por falta de fundamentação da decisão de alteração da matéria de facto, de relatório e sumário, bem como errada aplicação da lei substantiva. Neste sentido, designadamente o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por unanimidade, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf//B94E223D53259C8A80257C90005351 38 “Como é sabido, o CPC de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal colectivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: «na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal colectivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo Colectivo apreciara essas provas”.

    Posteriormente, “o CPC de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Colectivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias». Todavia, «na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redacção anterior do art. 712 [do C.P.C.], só muito excepcionalmente tal garantia era exequível”.

    De facto, perante a anterior redacção da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão -o que apenas sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respectivos depoimentos reduzidos a escrito, ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. “Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação directa que o tribunal retirasse das inspecções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal a quo””. “Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema [da oralidade plena ou pura, implementado no CPC de 1939 e continuado no CPC de 1961] e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, posteriormente mantidas na redacção final do Código de Processo Civil”. Efectivamente, o cit. DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPC operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-XII, e 180/96, de 25-IX) sedimentou. Assim, “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida”. O cit. DL. nº 39/95 aditou ao Código de Processo Civil então vigente os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso. Após a mencionada Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção: [“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”] 1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

  2. Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa...

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