Acórdão nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de insolvência referente a Edasfer – Sociedade de Construções, Lda. declarada insolvente por sentença (de 17-12-2015), transitada em julgado, foram reclamados créditos, entre os quais, por parte de AA e BB reclamando, para além do mais, um crédito de €405.000,00, referente ao incumprimento de contratos promessas (de permuta de imóveis celebrado com a Insolvente) garantidos por direito de retenção.

  1. O Administrador da Insolvência (doravante AI) apresentou a lista a que alude o artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), na qual reconheceu o referido crédito de €405.000,00, garantido por direito de retenção sobre quatro imóveis [1.º direito, o 2.º esquerdo e 3.º direito e 3.º esquerdo do lote 10 (descrição 8224 da CRP de ...)].

  2. O Banco de Investimento Imobiliário, SA impugnou o reconhecimento de vários créditos entre os quais os créditos acima identificados no que se refere à sua natureza de créditos garantidos, requerendo a respectiva rectificação em termos de serem reconhecidos como condicionados à opção de cumprimento ou não dos contratos promessa pelo AI.

    Alegou, para o efeito, fundamentalmente, que relativamente a três das fracções do lote 10 os Reclamantes não são beneficiários de promessa de transmissão ou constituição de direito real e quanto à fracção prometida vender, não há prova do pagamento nem da tradição da coisa. Defendeu ainda inexistir incumprimento definitivo do contrato e não poderem os credores ser considerados consumidores por as fracções em causa terem sido arrendadas.

  3. Em resposta os credores AA e BB defenderam a improcedência da impugnação reafirmando o alegado na reclamação apresentada.

  4. Após tentativa de conciliação (na qual, relativamente ao crédito em causa, os credores mantiveram as respetivas posições) foi proferido saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

  5. Após julgamento foi proferida sentença (em 03-01-2019) que, relativamente ao crédito reclamado por AA e BB, decidiu: “A) Julga-se verificado, para além dos já verificados em 07.10,2018, a fls. 283-287: 1. como crédito garantido, o crédito de AA e BB, relativamente às fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 1º dt., 2 esq., 3º dt. e 3º esq., no montante correspondente a 389,725,00 (correspondente aos montantes considerados como equivalentes ao valor do lote de terreno entregue para pagamento – € 71.000,00 pelo 1º andar direito, € 73.000,00 pelo 2º andar esquerdo, € 71.000,00 pelo 3º andar direito e ao montante entregue a título de sinal - € 179.725,00 - pelo 3º andar esquerdo) que goza de direito de retenção, nos termos do disposto no artigo 755º, n.º 1, al. f), do Código Civil; (…), B) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos nos seguintes termos: 1. Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão: - em primeiro lugar, os créditos privilegiados por IMI, se quanto a estes for devido e no montante em que o forem; - em segundo lugar os créditos garantidos por hipoteca, assim relacionados pelo Senhor AI, (com excepção das fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 1º dt., 2 esq., 3º dt. e 3º esq., em que preferem à hipoteca os créditos dos credores AA e BB, no montante correspondente a 389,725,00, correspondente aos montantes entregues a título de sinal (– € 71.000,00 pelo 1º andar direito, € 73.000,00 pelo 2º andar esquerdo, € 71.000,00 pelo 3º andar direito e € 179.725,00 pelo 3º andar esquerdo); - em terceiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI; - em quarto lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI.

  6. Pelo produto da venda dos móveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão: - em primeiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI; - em segundo lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI.” 6. O Banco de Investimento Imobiliário, SA recorreu da sentença, tendo o tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão (em 17-09-2019) que, alterando a matéria de facto fixada na sentença e considerando que os contratos promessa das fracções em causa constituíam negócios em curso à data da declaração de insolvência, entendendo ocorrer uma questão prejudicial, determinou “a baixa dos autos à 1ª instância para que aí seja expressa a opção do Administrador de Insolvência entre a execução ou recusa de cumprimento dos contratos promessa referentes ao 1º Dtº, 2º esq, 3º Dtº e 3º esq do U-16211/110506 (Lote 10) e, na sequência de tal opção, se aferir da subsistência da sentença recorrida relativamente ao crédito reclamado pelo credor Reclamante 2, sua garantia e graduação e, consequentemente, da eventual necessidade de renovação da instância de recurso.” 7. Em conformidade, em 1ª instância, foi proferido despacho (de 24-10-2019) que determinou a notificação do AI “para informar se opta pela execução ou recusa de cumprimento dos contratos promessa referentes ao 1º Dt., 2º Esq, 3º Dt., e 3º Esq. do prédio U-16211/110506 (lote 10).”.

  7. Após requerida e concedida prorrogação do prazo, o AI veio, por requerimento de 16-01-2020, “pronunciar-se no sentido de recusar o cumprimento dos CPCV em causa nos presentes autos, nos termos do artigo 102º nº1 do CIRE.” 9. Notificados os recorridos AA e BB requereram a renovação da instância e requereram ainda que o Tribunal da Relação “Considere sem fundamento a opção do senhor Administrador, de não cumprimento dos contratos de promessa celebrados pela insolvente com os recorridos, quer com o outorgado em 2004, relativamente aos 1º dtº, 2ºesq. e 3 dtº e com o preço totalmente pago desde essa data, quer com o outorgado em 2008 relativamente ao 3º esq.º., com o sinal entregue de 179,725,00€, todos do prédio identificado, e todos na posse dos Recorridos desde 2009, que os terminaram e os passaram a utilizar, arrendando as 4 frações desde a data da tradição dos mesmos.

    Ou, 2.2. - Na hipótese de sufragar a opção de incumprimento dos contratos pelo senhor administrador de insolvência, seja confirmado de acordo com os factos dados como provados, o crédito dos recorridos de 394.725,00€ (sinais entregues) garantido por direito de retenção quanto às 4 frações e o direito à restituição em dobro dos referidos sinais e respetiva graduação, antes dos créditos hipotecários, confirmando-se assim a sentença recorrida.” 10. O Banco de Investimento Imobiliário, SA veio requerer a renovação da instância de recurso.

  8. O tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão (em 13-02-2020): “Atenta a decisão tomada pelo Sr. AI de recusa de cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda relativamente ao 1º Dt., 2º Esq, 3º Dt., e 3º Esq. do prédio U-16211/110506 (lote 10) e em cumprimento do determinado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, entende-se ser de manter a decisão recorrida.”, tendo ordenando a subida dos autos ao tribunal da Relação de Lisboa.

  9. Na sequência do posicionamento do anterior acórdão e resolvida a questão prévia nele denunciada, o tribunal da Relação, conhecendo definitivamente da apelação interposta, proferiu acórdão (02-06-2020) que julgou parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença (relativamente aos pontos A) 1. E B) 1.) nos seguintes termos: “a) Quanto ao aponto A) 1., da decisão: A) Julga-se verificado, para além dos já verificados em 07.10.2018, a fls. 283-287: 1. Como crédito comum, o crédito de AA e BB, no montante correspondente a 389,725,00; b) Quanto ao ponto B) 1. Da decisão: B) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos nos seguintes termos: 1. Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão: •em primeiro lugar, os créditos privilegiados por IMI, se quanto a estes for devido e no montante em que o forem; •em segundo lugar os créditos garantidos por hipoteca, assim relacionados pelo Senhor AI; •em terceiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI; •em quarto lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI, a par com os créditos comuns reconhecidos aos credores AA e BB, no montante correspondente a 389,725,00.”.

  10. Vêm agora os credores AA e BB recorrer de revista concluindo nas suas alegações (transcrição): “1ª - O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 fixou Jurisprudência no seguinte sentido: “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755.º, n.º 1, al. f) do Código Civil.”; 2ª - E o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2019 no seguinte sentido: “Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”; 3ª - Os Acórdãos uniformizadores de Jurisprudência não têm força obrigatória geral nem força vinculativa para os outros Tribunais, que devem afastar-se da Jurisprudência fixada quando tiverem razões ponderosas para o fazer; 4ª - A interpretação que foi dada ao art.º 755º, nº 1, al. f) do C. Civil pelo AUJ nº 4/2014 e pelo AUJ nº4/2019 (tendo este último restringido ainda mais o conceito de consumidor) – ambas acolhidas pelo Acórdão...

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