Acórdão nº 3819/15.4T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução27 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 3819/15.4T8LRA.C1.S1 6ª SECÇÃO. ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I- Relatório Recorrentes: Seguradoras Unidas, S.A. e FGA- Fundo de Garantia Automóvel.

Recorridos: AA e Outros AA, BB, CC, DD e mulher, EE, intentaram contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A.

, entretanto incorporada em Seguradoras Unidas, S.A., e ISP - Instituto de Seguros de Portugal, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Pedem a condenação solidária dos réus “ou na proporção da responsabilidade que se vier a apurar”, no pagamento aos autores da quantia global de € 147.300 (cento e quarenta e sete mil e trezentos euros), sendo € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais e € 2.300 (dois mil e trezentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Estando verificados os requisitos do artigo 49.º do DL n.º 291/2007, de 21.08 (Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), o Fundo de Garantia Automóvel (por cuja gestão é responsável o ISP – Instituto de Seguros de Portugal, nos termos do n.º 3 do artigo 47.º do mesmo diploma) apresentou contestação (fls. 49 e s.). Alegou que, conforme havia concluído o Núcleo de Investigação Criminal da GNR, tinha sido o peão a invadir a faixa de rodagem e por esse motivo foi atropelado e pugnando, por isso, pela improcedência da acção.

Contestou também a Açoreana Seguros, S. A. (fls. 69 e s.), alegando também haver culpa do lesado, considerando inexigíveis ou exagerados os montantes indemnizatórios peticionados Estribado nos factos provados, o Tribunal de 1.ª instância concluiu que foi a vítima quem, com a sua conduta ilícita (violação dos artigos 3.º, n.º 2, 99.º, n.ºs 1 e 2, e 101.º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada) e culposa, deu causa ao acidente de que veio a resultar a sua morte, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo ambos os réus do pedido formulado pelos autores (fls. 200 e s. autos).

Inconformados, recorreram os autores para o Tribunal da Relação de Coimbra pedindo a alteração da decisão sobre a matéria de facto e a condenação de ambas as rés na obrigação de indemnizar os autores na proporção das respectivas culpas (fls. 240 e s.).

Contra-alegaram o Fundo de Garantia Automóvel (fls. 268 e s.) e Seguradoras Unidas, S.A. (fls. 273 e s.), que pugnaram pela manutenção do decidido pelo Tribunal de 1.ª instância.

Apreciadas as questões suscitadas, o Tribunal da Relação decidiu, por Acórdão de 8.05.2018 (fls. 293 e s.), conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença do Tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, “condenar a ré seguradora a pagar aos autores a quantia de 60 mil euros; condenar o ISP a pagar aos autores a quantia de 36 mil euros; condenar ambos os réus no pagamento dos juros de mora, sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; absolver os réus do mais peticionado”.

Deste Acórdão interpôs a Seguradoras Unidas, S.A., recurso de revista para este Supremo Tribunal.

Contra-alegaram os autores, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.

O Fundo de Garantia Automóvel veio interpor recurso subordinado de revista.

Por vencimento da então Relatora relativamente à decisão, foi a mesma substituída, nessa qualidade, pelo primeiro adjunto, ora Relator (artº 663º nº 3 do CPC).

Por acórdão deste STJ, proferido em 4 de Julho de 2019, acordou-se em anular o acórdão recorrido, por contradições na decisão da matéria de facto, e ao abrigo do disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, determinou-se a remessa dos autos à Relação para eliminação dessas contradições e para ser proferida nova decisão.

O Tribunal da Relação de Coimbra, em cumprimento do determinado, alterou o teor do facto 7 do probatório e, em 10.12.2019, proferiu novo acórdão, idêntico ao anterior na parte dispositiva, no qual decidiu conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença do Tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, “condenar a ré seguradora a pagar aos autores a quantia de 60 mil euros; condenar o ISP a pagar aos autores a quantia de 36 mil euros; condenar ambos os réus no pagamento dos juros de mora, sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; absolver os réus do mais peticionado”.

Deste acórdão veio a Seguradoras Unidas, S.A. interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões: “1. A Recorrente entende que os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal “a quo” efectuaram uma incorrecta subsunção jurídica da matéria de facto, errando na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil relativos à produção do acidente dos presentes autos e ainda na condenação da Recorrente e do ISP a pagar juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  1. A matéria de facto não permite imputar a culpa pela produção do acidente ao condutor do camião.

  2. Não se demonstrou a existência de qualquer embate entre o veículo pesado de mercadorias e o peão FF.

  3. O condutor do veículo pesado de mercadorias, com receio de atingir o peão, desviou a trajetória para o seu lado esquerdo, chegando mesmo a invadir parcialmente a hemifaixa de rodagem contrária, atuação que corresponde àquela que um condutor medianamente diligente e cumpridor das normas estradais teria adotado nas mesmas circunstâncias.

  4. É especulativa a conclusão de que o peão, por força da aproximação do corpo volumoso, do barulho por ele provocado e da própria pressão do ar, se terá assustado e ficado psiquicamente desequilibrado, algo desorientado e que, por essa razão, em desequilíbrio físico e afetação psíquico-emocional, caminhou involuntariamente para a faixa de rodagem onde veio a ser colhido.

  5. A construção especulativa do desequilíbrio físico e afetação psíquico-emocional não pode estar apenas suportada no facto de, no momento do acidente, o peão circular na berma e o camião circular na faixa de rodagem a uma velocidade de cerca de 70km/h.

  6. Não se mostra apurada a largura da berma, a distância concreta a que o peão circulava da faixa de rodagem, a distância concreta a que o camião circulava da berma, não existe qualquer prova testemunhal, documental ou pericial que ateste que o comportamento do peão sofreu alterações após a passagem do camião, ou seja, não existe qualquer demonstração da ocorrência do alegado desequilíbrio físico, psíquico e emocional.

  7. Por que razão o Tribunal “a quo” não equacionou as possibilidades, também especulativas face ao elenco de factos provados, do peão ter sofrido uma quebra de tensão, de ter tropeçado ou de simplesmente ter tentado proceder à travessia da faixa de rodagem após a passagem do camião? 9. Não existindo qualquer facto demonstrativo de que o peão se desequilibrou ou desorientou por força da passagem do camião, a velocidade a que este circulava é irrelevante para a análise da dinâmica do acidente.

  8. Apenas se provou que o peão circulava na berma, que o camião circulava na hemifaixa de rodagem e que, já depois da passagem do camião e após este ter retomado a sua via de circulação, o peão aparece na faixa de rodagem, onde foi colhido por veículo que circulava no mesmo sentido do camião.

  9. Não é possível imputar ao condutor do camião a violação de qualquer norma de circulação estradal ou de qualquer dever de cuidado que pudesse ter originado o acidente dos presentes autos.

  10. Se o douto Tribunal “a quo” não sabe a que distância o pesado de mercadorias circulava da linha divisória da berma e se não sabe qual é a largura total do pesado de mercadorias, como pode afirmar que este circulava sem conservar da berma uma distância suficiente para evitar acidentes? 13. Se não sabe qual a largura total do veículo pesado, como pode afirmar que, sabendo-se a que via tinha uma largura de 4,10m, este poderia circular bem mais afastado da berma? 14. A única razão justificativa do acidente dos autos reside no facto do peão, seguindo apeado pela berma da estrada, surgir na hemifaixa de rodagem destinada à circulação no sentido Norte / Sul de forma inesperada e repentina.

  11. Foi o peão quem invadiu a via de circulação e cortou a linha de marcha do veículo ligeiro de mercadorias, tipo furgão, de cor branca.

  12. Essa invasão da via de circulação podia e devia ter sido evitada pelo peão, bastando que continuasse a seguir pela berma e o mais à direita possível, não tendo sido demonstrada qualquer circunstância impeditiva para que tal sucedesse.

  13. Na hipótese de se concluir pela culpa concorrencial do peão e dos condutores dos dois veículos a motor, a culpa do peão, pela extrema gravidade do seu comportamento de risco, não poderá ser graduada em menos de 80%.

  14. O peão, ao caminhar na EN..., de noite, pela berma, muito próximo da sua linha divisória com a faixa de rodagem, de costas para o trânsito, adotou um comportamento de risco elevado, muitíssimo mais censurável, à luz do critério do Bonus Pater Familias, do que os comportamentos do condutor do veículo pesado de mercadorias e do condutor do veículo ligeiro de mercadorias 19. Os...

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